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Conflito social e a criação das Resex Médio Purus e Ituxi em Lábrea, no sul do estado do Amazonas
Social conflict and the creation os the Médio Purus and Ituxi Resex in Lábrea, southern Amazonas state
Revista Presença Geográfica, vol. 07, núm. 03, 2020
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Artigos

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 07, núm. 03, 2020

Recepção: 05/08/19

Aprovação: 15 Maio 2020

Resumo: Neste trabalho, buscou-se analisar a dinâmica dos conflitos sociais relacionados à criação de duas unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia brasileira, as Resex Médio Purus e Ituxi, no município de Lábrea, no sul do estado do Amazonas. Privilegiou-se como método a utilização de instrumentos qualitativos de pesquisa, tais quais a observação social, e a aplicação de entrevistas estruturadas, além de levantamento bibliográfico. Como resultado, obteve-se um quadro atualizado das disposições dos atores sociais envolvidos com as Resex naquela municipalidade, agregando elementos à discussão atual sobre gestão participativa destes territórios.

Palavras-chave: Conflito social, Amazônia brasileira, Reservas extrativistas.

Abstract: This work, we sought to analyze the dynamics of social conflicts related to the creation of two conservation units of sustainable use in the Brazilian Amazon, Resex Médio Purus and Resex Ituxi, in the municipality of Lábrea in southern Amazonas state. The use of qualitative instruments, such as participant observation, and the application of structured interviews were privileged as method of data collection. As a result, na updated picture of the dispositions of the social actors involved with the Resex in that municipality was obtained, adding elements to the current discussion on participatory management of these territories.

Keywords: Social conflict, Brazilian amazon, Extractive reserves.

INTRODUÇÃO

A floresta amazônica, vasta e exuberante, é considerada como um bioma estratégico para o equilíbrio climático global, devido a sua biodiversidade. A mesma, em sua extensão territorial, possui desde projetos desenvolvimentistas – os quais são vetores para a ocorrência de desmatamento florestal –, até os gigantes mosaicos de áreas protegidas – respaldados por legislação específica, que visa garantir a conservação ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais pelas populações tradicionais residentes. Além disso, no Brasil, a Amazônia é caracterizada como a zona típica de expansão da fronteira civilizatória, na qual é possível identificar, ao longo de seu processo de ocupação, ao menos duas fases importantes que influenciaram na transformação de sua paisagem, a primeira relacionada à exploração extrativa da borracha nativa para exportação em grande escala, e a segunda proporcionada pela abertura de novas vias de comunicação, que visa à integração nacional e à colonização – política que induziu o processo de expansão da fronteira agropecuária em curso até os dias atuais (KOHLHEPP, 2002; LIMA, 2008, MENEZES, 2009, HOEFLE, 2017).

Ademais, o município de Lábrea, no estado brasileiro do Amazonas, com extensão territorial de 68.262,696 km2 está inserido nesse contexto. Com uma população estimada em 44.861 habitantes (IBGE, 2016), Lábrea situa-se entre as bordas dos estados de Rondônia e Acre, numa região em que foram detectadas altas taxas de desmatamento florestal nas duas últimas décadas (VITEL, 2009).

Lábrea, ainda, guarda as características típicas de regiões por onde avança a nova fronteira econômica, e abarca elementos como alta concentração fundiária, retirada indiscriminada de madeira e o corte raso para a instalação de pastagens e de monoculturas para exportação (LIMA, 2008). Outrossim, vale ressaltar que 73% do território labrense é formado por Áreas Protegidas, entre os quais 12.779,09 Km2 são de Terras Indígenas e 36.954,30 km2 de Unidades de Conservação Federais, o que forma um grande mosaico territorial (MENEZES, 2011; FRANCO, 2011). No entanto, mesmo depois da criação dessas áreas protegidas, entre final dos anos 1990 e 2008, o município de Lábrea, assim como o município vizinho de Boca do Acre, na fronteira com o Acre, ainda figuraram entre os recordistas em índices de desmatamento florestal ilegal (LIMA, 2008, VITEL, 2009, MENEZES, 2009; IMAZON, 2016). Sendo assim, este fator associado a outros, como a pecuária extensiva e a atividade madeireira, fizeram com que a região vivesse com mais intensidade, a partir dos anos 2000, a eclosão dos conflitos sociais relacionados a essas questões.

Nesse sentido, a zona sul do estado do Amazonas passa a equivalera outras zonas de pressão agrária da Amazônia Legal, como oeste do Maranhão, sul do Pará, norte do Mato Grosso e à vizinha Rondônia, os quais se tratam de ambientes em que episódios de ameaças de morte, pistolagem e assassinatos de líderes comunitários e ambientalistas são comuns. Em relação às Resex de Lábrea, foi possível acompanhar, na imprensa, ameaças de morte direcionadas ao presidente da Associação, que representa a Resex Ituxi, o que levou o líder comunitário a dispor de escolta da força de segurança nacional por anos (AMAZÔNIA, 2014).

Em relação às questões sociais, vários movimentos destacaram-se na atuação como mediadores do processo de mobilização social em prol das Resex de Lábrea, a título de exemplo, tem-se o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Igreja Católica, e o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lábrea (STTRL), além de ONGs sócio-ambientalistas com incidência local, como a WWF Brasil e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

Na figura 1 a seguir é possível observar a mobilização de comunidades ribeirinhas em favor da criação da Reserva Extrativista do Rio Ituxi, no município de Lábrea, Estado do Amazonas.


Figura 1
Porto da comunidade Vila Vitória na Resex Ituxi em Lábrea.
Fonte: Associação dos Produtores Agroextrativistas da Assembleia de Deus do rio Ituxi (APADRIT), 2009.

Enquanto o fator grilagem[3] de terras públicas – conflito fundiário – foi a principal motivação dos moradores do rio Ituxi para que fosse criada uma Reserva Extrativista,no médio rio Purus os conflitos com os territórios indígenas pelo uso dos recursos naturais, disputados também com pescadores e moradores das cidades, predominaram como motivos que embasaram o pedido de criação desta unidade de conservação federal. Em ambos os casos prevaleceu o sentimento de insatisfação dos moradores com os supostos donos daquelas terras alagáveis, os chamados patrões – terminologia de uso comum até os dias atuais para denominar figuras que continuaram exercendo o domínio sobre o uso de castanhais, lagos, e seringais remanescentes do período seringalista.

À vista disso, houve objeções em relação a esses movimentos, opuseram-se fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e, sobretudo, a classe política local, o que culminou em um longo processo de mobilização e de embate político (e jurídico), o qual foi mediado pelo Estado – que assimilou a categoria das Reservas Extrativistas em seu aparato jurisdicional à promulgação da lei do SNUC, a qual instituiu um Sistema Nacional de Unidades de Conservação no Brasil (PEREIRA, 2016).

Vale destacar que a categoria Reservas Extrativistas foi gerida no final dos anos 1980, no estado do Acre, a partir de um processo de afirmação identitária de um grupo social – que se constituiu enquanto movimento dos seringueiros –, em prol da manutenção de seus modos de vida, por gerações vivendo na floresta. Este se apresenta como um contra ponto necessário a um modelo de desenvolvimento que chegou de forma abrupta na região, o qual era fundamentado na propriedade individual da terra para fins de acumulação do capital (PORTO-GONÇALVES, 1999, CUNHA & LOUREIRO, 2009, p. 170).

Com base na compreensão de que tais confrontos entre visões de mundo não ocorrem, necessariamente, de forma explícita ou violenta, e que, a partir destes, a sociedade encontra maneiras de modificar-se para uma nova configuração, o presente artigo tem como objetivo apresentar os resultados de nossa pesquisa de mestrado, a qual analisou a dinâmica dos conflitos sociais que envolvem a criação das Resex Médio Purus e Ituxi no município de Lábrea, no sul do Estado do Amazonas.

Este trabalho está organizado em três seções, além de seu tópico introdutório, que evidencia o objetivo central, há uma seção acerca dos materiais e métodos de pesquisa, a qual expõe o referencial teórico de base e, por fim, uma seção conclusiva, que propõe uma discussão sobre o estudo de caso, para mais, foi reservado um espaço também para considerações finais e agradecimentos.

ABORDAGENS METODOLÓGICAS

Para este estudo, além de uma etapa inicial de pesquisa sobre as questões expostas e para uma fundamentação teórica – com o objetivo de reunir as informações e dados que serviram de base para a construção da investigação proposta –, foi feita uma pesquisa de campo que consistiu em entrevistas de trabalhadores, com o fito de compreender como se dão as relações sociais e de trabalho nesse contexto.

2.1 Referencial Teórico

Pode-se dizer que o Conflito é uma categoria analítica bastante utilizada nas Ciências Humanas, a qual se apresenta como elemento eficiente quando da análise de fenômenos – desde guerras que envolvem nações inteiras, a eventos de escala micro, como as relações sociais vivenciadas em organizações e empresas. À vista disso, muitos dos estudiosos que costumam buscar ligações entre as dimensões e escalas do Conflito levam em consideração a perspectiva simmeliana do conflito social, considerando-o como aspecto inerente à condição humana, substância que permeia todas as relações sociais (ALCÂNTARA JÚNIOR, 2005, p.09).

Segundo a teoria do conflito social, cada conflito tem sua natureza e dinâmica, e evolui de maneira específica, de modo que é possível, para o seu estudo enquanto fenômeno sociológico, o registro de elementos recorrentes, bem como padrões de comportamento dos atores sociais envolvidos (NASCIMENTO, 2001). Ademais, para Simmel (1983) o conflito é o elemento central de análise dos fenômenos sociológicos e está presente em todas as relações humanas, além de fundamentar as relações sociais. O autor (1983) ainda afirma que o conflito é um fator positivo e não destrutivo da sociedade, com base no entendimento de que a superação do conflito leva a uma nova configuração, a qual possibilita uma unidade social.

Sendo assim, deslocar o foco do conflito para o centro da análise sociológica, como observa Nascimento (2001), significa deixar de considerar apenas seu lado negativo, ou seja, como fator problemático ou de disfuncionalidade, mas sim ter em vista o seu caráter de propulsor das transformações sociais. Quanto à intensidade, os conflitos podem ser longos ou rápidos, agudos ou crônicos, indo e voltando, ou permanecendo em estado de latência, até a sua manifestação explícita (estopim), o que leva à polarização dos indivíduos ou grupos sociais e pode mobilizar outros que originalmente não participavam da disputa (NASCIMENTO, 2001, p.98). Nessa perspectiva, Baltazar (2007, p.160) defende que na sociedade globalizada os conflitos sociais podem assumir formas muito diversas, de maneira que a existência de novas modalidades de conflitos, como o terrorismo de fundamentação religiosa, por exemplo, que tem extrapolado as fronteiras nacionais e impõe sérios desafios à segurança pública das nações constituídas.

Além disso, Elias (2008), igualmente numa perspectiva micro sociológica e interacionista, concebe a sociedade como uma rede dinâmica de interações sociais, ou seja, um conjunto de teias de interdependência com configurações de muitos tipos (p.16). O autor (2008) utiliza, ainda, modelos de jogos de competição para analisar criticamente as relações sociais, inclusive as situações de conflito. Em relação aos jogos de competição – dos mais simples, aos mais complexos – esses foram tornando-se mais sofisticados ao longo do processo civilizatório, de maneira que regras de distribuição de poder consubstanciaram-se em jogos praticados pela civilização ocidental, como por exemplo, os jogos de xadrez, tênis, ou futebol, os quais exerceram também a função de válvulas de escape para a resolução das divergências sociais (ELIAS, 2008, p.80).

Outrossim, o jogo, na perspectiva elisiana, pode ser entendido como uma combinação provisória e dinâmica das relações sociais, em que duas ou mais pessoas medem forças – situação básica na qual os indivíduos invariavelmente se encontram posicionados uns em relação aos outros, mesmo que de forma inconsciente (GONSALVES, 2003; ELIAS, 2008).

Portanto, em situações de eclosão do conflito, os indivíduos tendem a posicionarem-se, levando em consideração valores utilitários ou morais, o que pode aglutinar, ou polarizar a disputa, de acordo com seus valores, ou mesmo por pressões externas de grupos de interesse (SANTOS, 2014).

Destarte, para McAdam et al (2009),os movimentos sociais lutam pelos seus interesses a partir da identificação de necessidades comuns aos indivíduos, além de buscar sempre aprimorar as suas capacidades e estratégias políticas para a busca de seus objetivos.

No caso das duas Reservas Extrativistas de Lábrea, um grupo social formado por comunitários e mediadores convergiu para a criação das unidades de conservação, reivindicando uma territorialidade seringueira, a partir da afirmação de sua identidade coletiva, identidade esta forjada em lutas contra uma condição sócio-espacial, a qual lhes foi apresentada como ameaça aos seus modos de vida (PORTO-GONÇALVES, 1999, p.61). À vista disso, organizados enquanto movimento social, os extrativistas repetiram a estratégia utilizada pelos líderes seringueiros da década de 1980, os quais colocaram na mesa o debate por um modelo de reforma agrária que fosse capaz de manter a integridade territorial do seringal, e que fosse adequado ao modo de vida seringueiro. Ademais, de maneira semelhante aos povos indígenas, esse modelo baseava-se totalmente no manejo de recursos da floresta tais quais, caça, pesca e extrativismo vegetal (PORTO-GONÇALVES, 1999, ESTERCI & SCHWEICKARDT, 2010). Desse modo, fatores históricos e estruturais constituem o plano de fundo dos conflitos sociais, que envolvem a criação de unidades de conservação,não somente na Amazônia, mas em todo o território brasileiro.

O presente trabalho apresenta um estudo de caso que se propõe analisar a questão em evidência com base na perspectiva sociológica micro, além de direcionar o olhar aos atores sociais que se encontravam diretamente envolvidos numa disputa entre distintos modelos de desenvolvimento.

2.2 Unidade de Análise

A unidade de análise do estudo de caso foram as Resex Médio Purus e Ituxi[4]localizadas no município de Lábrea no sul do estado do Amazonas. A região onde a unidade situa-se é uma típica região de expansão de fronteira brasileira, adornada com todo o complexo de contradições que são típicas dessas zonas em franca e contínua reprodução ampliada do capital, como pontuado por Martins (2009, p.24). A título de ilustração segue o mapa da localização (Figura 2).


Figura 2
Localização das Resex Médio Purus e Ituxi no município de Lábrea, sul do estado do Amazonas.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

Para a compreensão das razões estruturais que compõem o plano de fundo do fato social analisado, foram considerados os estudos sobre os aspectos históricos, geográficos e culturais da unidade de análise, os quais recorrem às fontes bibliográficas e aos dados disponíveis e coletados. Na fase de campo, privilegiou-se a observação da realidade social, além da realização de entrevistas estruturadas, guiadas por um roteiro. Ademais, os relatos das pessoas entrevistadas durante a fase da pesquisa de campo revelaram a influência das contradições estruturais típicas das zonas de expansão de fronteiras no Brasil, e ajudaram a situar temporalmente os conflitos sociais envolvendo as Resex na região estudada.

2.3 Características da Amostragem

Foram entrevistadas, entre os meses de outubro a dezembro do ano de 2016, dezessete pessoas, com o seguinte perfil: 82% do sexo masculino, média de idade de 46,5 anos de idade, todos com bom número de anos de vínculo com a região onde incidem as Resex Médio Purus e Ituxi (média de 28 anos na região).

O critério adotado para a escolha dos participantes das entrevistas foi o critério da intencionalidade, ou amostragem por tipicidade (GIL, 2008). Buscou-se, intencionalmente, entrevistar pessoas com mais de 10 anos de trabalho na região e mais de 30 anos de idade. Houve casos em que a idade dos entrevistados coincidira com o tempo de vínculo com a região onde foram criadas as Resex, ou seja, alguns atores declararam ter nascido na região, na zona rural, portanto uma vida vinculada às Resex (Figura 3).


Figura 3
Atores sociais entrevistados, evidenciando sexo, tipo de instituição e tempo de vínculo com as Resex de Lábrea.
Fonte: Organizado pelos autores, 2017.

2.4 Tratamento dos Dados Coletados

Os atores sociais entrevistados foram categorizados segundo posicionamentos apresentados em seus próprios discursos em relação às Reservas Extrativistas criadas em Lábrea, como se pode observar na figura exposta anteriormente. Dessa maneira, dividiram-se os dados em três grupos, o primeiro, formado por atores sociais engajados desde a criação à gestão das duas unidades de conservação de uso sustentável – atores totalmente pró-Resex – o segundo grupo formado por atores sociais contrários à criação daquelas e, que durante as entrevistas se apresentaram como críticos à sua gestão, o que evidenciou o conflito social existente em torno da questão. E por fim, um terceiro grupo criado para encaixar aqueles atores sociais que apresentaram em seu discurso uma visão tecnicamente mais qualificada sobre a gestão das Reservas Extrativistas, o que contribui com o aspecto da contextualização da pesquisa.

Destarte, após registro, transcrição e organização dos dados coletados nas entrevistas realizadas, procedeu-se com a devida codificação numérica de cada participante (números 1 a 17), de maneira a obedecer aos princípios da confidencialidade e da impessoalidade. Nesse sentido, a numeração foi posteriormente utilizada para identificar as citações diretas utilizadas como exposição de dados nos resultados do trabalho.

À vista disso, a perspectiva sociológica da figuração social, com ênfase no caráter processual das relações entre os indivíduos interdependentes (ELIAS, 2008), foi utilizada para analisar tal categorização em grupos de atores sociais em relação ao seu posicionamento no conflito, com base nos dados obtidos em entrevistas estruturadas.

Sendo assim, os modelos elisianos de jogos de competição foram igualmente úteis nessas análises, na medida em que, no nosso entendimento, esses modelos ajudaram a evidenciar as posições dos atores prós e contrários à criação de unidades de conservação, a partir de seu comportamento, como jogadores num modelo de competição (ELIAS, 2008, p.81).

Cabe ressaltar, em relação ao método, o fator de envolvimento de um dos autores da pesquisa com o tema das Resex e com a região estudada. Esse se configura como pesquisador, o qual trabalha e reside no município de Lábrea desde 2005 até os dias atuais, com atuação direta junto aos movimentos indígena e extrativista, inclusive no período final de reivindicação das unidades de conservação na região, precisamente nos anos de 2008 a 2013, além disso, o pesquisador foi agente de uma organização não governamental (ONG) parceira dos movimentos sociais locais.

Nesse sentido foi admitida a posição metodológica da pesquisa participante(MARTINS, 2009), a qual possibilita considerar que um determinado período da vivência no local da unidade de análise como uma fase crucial para o entendimento do contexto social conflituoso de uma importante zona de fronteira do Brasil. Porém, paralelo a isso,foi praticado o distanciamento intencional do objeto de estudo em momentos pontuais – movimento fundamental para o trabalho de reflexão, interpretação e organização dos dados de campo.

É válido destacar que a presente pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética com Pesquisas com Seres Humanos, em conformidade com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de diretrizes para pesquisa com seres humanos na área de saúde, também aplicada às Ciências Sociais. Anexou-se na Plataforma Brasil a documentação obrigatória, e o roteiro de entrevistas, bem como o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Além disso, cada participante da pesquisa teve ciência dos objetivos da mesma, que garante a preservação da identidade dos entrevistados e segue padrões profissionais de sigilo e confidencialidade estipulados por Lei, ademais, foi apresentada a garantia do acesso aos resultados da pesquisa e contato com a instituição do pesquisador. A liberação para a realização do trabalho de campo se deu pelo parecer consubstanciado do CEP de n. 1.763.911, em 06 de outubro de 2016.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Pode-se observar que o processo de criação das Resex Médio Purus e Ituxi em Lábrea envolveu interesses radicalmente divergentes. Dessa forma, foi possível perceber que posicionamento de grupos sociais antagônicos é evidente nos depoimentos coletados, bem como na reunião da consulta pública – momento de clímax do conflito social, o qual envolve atores a favor e contrários à criação de Reservas Extrativistas federais no município.

Outrossim, a reunião organizada por servidores do Ministério do Meio Ambiente, as qual segue o princípio da consulta pública – rito previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000)[5] – foi precedida de fase de entrega de convites e mobilização na região, que ocorreu no dia 22 de junho de 2006 no ginásio municipal da cidade.

Além disso, configurou-se, nesse momento, a polarização dos grupos opostos, de um lado, o grupo formado pelos extrativistas e mediadores de ONGs e entidades de apoio, os quais convergiram para a mobilização em torno da criação das unidades de conservação. A contraponto, o grupo formado pelo poder local, vereadores e poder executivo de Lábrea, que consideravam como aliados atores sociais provenientes da porção territorial sul do município de Lábrea, em que fazendeiros, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros viram na criação de áreas protegidas uma ameaça às suas atividades econômicas.Desse modo, o momento formal de embate foi antecedido de episódios de tensão e ameaças, como é típico na região de fronteira amazônica:

[...] dava sete da noite o pessoal ligava pra o meu celular, ligava para o meu telefone fixo, e ameaçava, ameaçava eu ameaçava minha esposa, em 2002 já (...) que eles não queriam me matar eles queriam me sequestrar vivo, ou eu ou a minha esposa, o foco era ou eu ou a minha esposa, e a gente vê assim os comunitários começaram a me apoiar, lá na comunidade, eles fizeram uma guarita, e eles começaram a vigiar a noite, eu tinha um pessoal muito leal lá, e eles diziam não Pastor, pode dormir que nós vamos ficar na guarita aqui, cada um pegava sua espingarda e ficava da guarita lá a noite inteira, outra noite era outra equipe que ia, eles fizeram isso; mesmo aqui eu andando na cidade, mas nunca faltou de seis oito pessoas andando do lado, sempre eles me colocavam no meio ali, e ficavam do lado, para me proteger de algum atentado (Entrevistado 03, 2016).

Com base nisso, pode-se perceber que, na análise das entrevistas coletadas, a marcante mobilização social em torno da luta pela criação das Resex. Ademais, no dia da reunião da consulta pública, os extrativistas mobilizaram embarcações para trazerem pelos rios os moradores da zona rural até a sede municipal de Lábrea. Além disso, os fazendeiros de Rondônia com terras no sul do estado do Amazonas também vieram em grande número, em caminhonetes e em aviões fretados, acompanhados de seus advogados. A esse grupo, como já mencionado anteriormente, somaram-se os políticos e elite econômica local, liderados pelo prefeito da cidade. A fala a seguir retrata a percepção de um dos participantes:

[...] o prefeito era contra, o delegado era contra, o juiz era contra, todos eram contra a consulta pública, viu, e aí veio os fazendeiros de fora, que era, eu esqueço o nome daquelas pessoas, mas eles eram muitos fazendeiros que vieram de fora e eles discutiram contra nós na consulta pública, foi uma discussão grande, foi um dia de luta né nós debatendo contra eles, eu acho que era na fase de uns 20 fazendeiros, fora eles e era os advogados deles né que eles trouxeram os advogados deles então dá umas vinte e poucas pessoas aí, tudo em peso mesmo [...] (Entrevistado 01, 2016).

É possível observar, que a estratégia adotada pelo grupo que defendia a criação das Resex, em contrapartida, foi a de mobilização intensa junto às comunidades de maneira a trazer o máximo de pessoas para a consulta. O enunciado de uma das pessoas entrevistadas na pesquisa demonstra como se deu esse processo, com o apoio das entidades mediadoras locais:

[...] só do Ituxi nós éramos 400 pessoas, o CNS ficou encarregado de pegar os moradores do Ituxi e a CPT do Purus; e assim a gente, na consulta pública era as populações tradicionais, os fazendeiros, e os políticos, era as classes que tava envolvida né, é sociedade local, algumas pessoas eles não fizeram muito presentes não, muito pouco mesmo, teve divulgação, teve na rádio, a gente foi na rádio [...] quando a gente chegou aqui com barco com 400 pessoas eu mandei pegar uma caixa amplificada, a gente parava no rio a noite aí a gente ia assar peixe, jantar e assim, gente coloca a cabeça pra girar aí e vamo fazer música [...] E aí surgiu música assim que ficou na história e aí, caramba, ficou na história essas músicas e quando nós chegamos, três barco encancado assim gente cantando e soltando fogos, gente, na beira, faixa, foi uma coisa fenomenal, era gente na beira do rio igual... parecia que vinha chegando o presidente da república, sabe (Entrevistado 04, 2016).

À vista disso, a metáfora elisiana do jogo entre contrários é pertinente no tocante à interpretação dos depoimentos coletados, uma vez que os próprios entrevistados fazem referência ao jogo, com vencedores e vencidos e o palco do jogo teria sido o ginásio esportivo (ginásio municipal), onde ocorreu a reunião da consulta pública:

Então na época esse cenário nosso aqui houve muito debate, muito debate, os fazendeiros do sul de Lábrea vieram, se posicionaram, criaram problema, fizeram lobby, mas venceu a Resex. Venceu a Resex, é como se fosse um jogo, exatamente, o próprio prefeito da época era contra que é esse que tá aí hoje, ele era contra você entendeu, mas venceu as Resex; as Resex foram criadas (Entrevistado 17, 2016, com grifo dos autores).

Destarte, em Lábrea, sul do Amazonas,o debate sobre a criação de áreas protegidas faz lembrar o que ocorreu no Acre três décadas antes, quando emergiram o que Porto Gonçalves (1999), que chamou das comunidades de destino. Aquelas pessoas começaram a notar que os seus destinos individuais fundiram-se numa identidade seringueira, materializando-se mais tarde como territorialidade seringueira (PORTO-GONÇALVES,1999, p. 85). Nesse sentido, tratava-se, como analisou o autor (1999), "de um processo tenso e intenso de conflitos entre aqueles que dependem da floresta para viver e aqueles que querem desmatar, posto que a floresta não tenha nenhum valor de uso para quem quer fazer pasto" (p.74). Assim, ao alcançarem êxito em sua demanda coletiva, os seringueiros do Acre, afirmaram-se enquanto sujeitos instituintes de uma nova territorialidade. Esse grupo forma a base do CNS, um dos movimentos sociais que apoiou intensamente a luta em Lábrea nos anos 2000.

Posto isto, um expediente bastante utilizado na argumentação contrário à criação das Resex de Lábrea foi o que hoje se conhece popularmente como as fake news. Dessa maneira, o grupo contrário à criação das áreas protegidas no município levou à frente uma campanha de desinformação que deu ênfase à questão das restrições ambientais, que seriam impostas aos moradores da zona rural, as quais, na versão ali difundida, consistiriam em restrições características de uma unidade de conservação de proteção integral, em que a natureza deveria permanecer intocada, ou seja, com ação humana bem restrita:

[...] eles falavam para os extrativistas que a gente não ia poder tirar uma vara de mosquiteiro pra sobreviver dentro da unidade de conservação, porque tudo ia ser proibido, e depois o estrangeiro ia tomar tudo isso e a gente ia sair de pé na bunda de dentro das unidades de conservação, e quem incentivou isso foi um cidadão que foi prefeito aqui de Lábrea. Passou nas comunidades falando isso pra todo mundo. Eu tenho prova disso que ele falou isso na minha comunidade. E muita gente ficou assustada com essa conversa dele falando que conhecia várias reservas aí fora e que nenhuma reserva tinha dado certo, e foi aquela coisa, aquela conversa capaz de tirar as pessoas do sério (Entrevistado 03, 2016).

A partir da afirmação citada, é possível perceber que esta elucida, de certa maneira, as armas, ou seja, os artifícios utilizados por cada parte na disputa; uma espécie de guerra de informações levada até as comunidades rurais, a qual divulgava informações, ora contrárias, ora a favor, em que cada grupo defendia o seu ponto de vista. Desse modo, um dos aspectos importantes para que o grupo pró-Resex tenha se saído vitorioso na reunião da consulta pública pode ter sido a efetividade da sua organização e mobilização social. Sendo assim, por mais que o outro grupo também tenha se mobilizado e conseguido adesão de figuras da elite econômica e política locais, de fazendeiros e de advogados, a mobilização de caráter popular, com a participação significativa de moradores das áreas onde se estava reivindicando as unidades de conservação, gerou grande impacto, o que pode ser observado na fala a seguir, de uma das pessoas entrevistadas:

Se não houvesse essa mobilização não saía, não saía, o pessoal veio em peso, em peso mesmo e o pessoal do Ituxi parece que tava com uma injeção de adrenalina, eles estavam disposto a tudo, é como eles falavam, tinha deles que falava: a gente estava disposto a morrer e matar [...] a coisa lá era pesada mesmo, e assim e aí a gente se mobilizamos e eu como era mais doida mesmo, acho que é devido o sangue indígena né, assim, pira mesmo, e assim na hora da consulta mesmo eu era conversando com os companheiros para eles não parassem de cantar, e se articular, na hora de falar fomos os primeiros a ir pra fila, os políticos ficaram morrendo de raiva, os fazendeiros, por que eles ficaram no fim da fila, né por que a gente tinha que se defender né tinha que falar o motivo da unidade (Entrevistado 04, 2016).

De fato, como reconhecido até mesmo pelos atores sociais contrários à criação das Resex, o grupo favorável saiu vencedor, de maneira que, passada a consulta pública que se deu naquele dia 22 de junho de 2006, o processo seguiu para Brasília, em que viria a desenrolar-se quase dois anos depois, com seus decretos assinados em maio e junho, o da Resex Médio Purus e Resex Ituxi respectivamente, esta última decretada no dia 05 de junho em solenidade da semana nacional do meio ambiente, com a presença do presidente Lula e de lideranças da Resex vindas de Lábrea a Brasília para a cerimônia.

Vale salientar que nesse ínterim as disputas continuaram na esfera jurídica, com os movimentos pró e contrário articulando pareceres, manifestos e ações, as quais continuaram ocorrendo até as últimas instâncias cabíveis, mesmo no período após a criação das duas unidades (ALEIXO, 2011, p.53-54). Passados quase 10 anos da criação das Resex de Lábrea, constata-se que houve uma acomodação dos atores sociais contrários com aparente aceitação da realidade. Com a consolidação do trabalho do escritório local do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), o desenvolvimento de projetos socioambientais juntamente com entidades parceiras, as pessoas viram que muitos dos argumentos utilizados contra as unidades de conservação eram falsos. Sobre o contexto social pós-criação das Reservas Extrativistas, um dos entrevistados fez uma afirmação a respeito de seu aspecto positivo para a população beneficiária:

[...] acho que de cara você tem um impacto ali na cidadania daquele povo. Era um povo invisível, não tinha nada assim, não tinha conhecimento do Estado, não tinha direito fundiário, nem se fala né, e tava numa zona completamente esquecida né, e a partir do momento em que você cria aquilo ali como uma área federal isso tem um impacto, esse pessoal, eles passam a fazer parte das políticas públicas federais; antes você não tinha nada disso, eles eram ninguém pro Estado (Entrevistado 10, 2016).

Com base nisso, é possível observar quais os aspectos positivos da implementação de reservas extrativistas no Brasil, como o reconhecimento governamental, a inclusão em políticas públicas, e a possibilidade de realização do manejo de recursos naturais, regulados pelas leis ambientais. Quanto ao grupo de atores sociais contrários à criação das Resex Médio Purus e Ituxi em Lábrea foi possível identificar um sentimento ainda presente de ressentimento em relação à consulta pública:

[...] aí o governo divulgou que fez várias audiências públicas... eu não vejo assim, eu vejo o governo enganando as pessoas dizendo que na audiência pública... é, já tá feita a coisa, veio só pra dizer que te ouviu, mas o que tu falou não serve pra nada, é só pra legitimar, é só pra legitimar...então não foi ouvida a comunidade o que de fato queria, pelo contrário, houve uma grande mentira na época [...] (Entrevistado 16, 2016).

Sobre as mudanças nos padrões históricos das relações econômicas locais, nota-se que com o decreto das unidades de conservação estas não se romperam instantaneamente, como relata umas das pessoas entrevistadas ao contar sobre a retração da atividade do regatão no rio Ituxi com a criação da Unidade de Conservação.

[...] ninguém nunca forçou para eles saírem, mas aí ficou aquela questão, lá no Ituxi, como é muito distante daqui quem leva agora... aí os próprios moradores, que que eles fizeram, aqueles que tem mais condições, que tem mais produção, colocaram lá uma lojinha, uma espécie de cantina existe lá, no Purus também, mas no Purus ainda tem marreteiro (Entrevistado 04, 2016).

Chamado de regatão ou marreteiro, esse personagem era um comerciante dos rios, que levava, em pequenas embarcações, produtos industrializados e combustíveis até lugares remotos, e trazia, muitas vezes, produtos do extrativismo, ou mesmo caça, oriundos do trabalho dos moradores locais, que nem sempre acessam dinheiro em espécie. É Importante ressaltar que o regatão não corresponde à figura do patrão, aquele suposto dono de seringais e castanhais que praticava o aviamento. O regatão, apesar de praticar preços bem acima do mercado e pagar muito pouco pela mercadoria do ribeirinho, era um comerciante da beira dos rios, enquanto o patrão era um fornecedor de mercadorias direcionado à produção extrativista. Ambas as figuras estabeleceram relações de endividamento com os ribeirinhos.

Pode-se concluir, com base nas análises e a respeito de certas relações sociais ribeirinhas, que algumas delas podem persistir mesmo depois da criação de uma Reserva Extrativista, e estabelecer-se como um mal necessário, como no caso da persistência dos regatões – quando não aparecem outras estruturas para substituir, por exemplo, uma associação comunitária bem organizada. Além disso, os resultados empíricos da pesquisa de campo permitiram vislumbrar razões estruturais, como raiz de conflitos sociais, os quais se manifestam no comportamento, discurso e posicionamento dos atores sociais envolvidos. A adoção da perspectiva histórica na análise desses posicionamentos sociais permitiu ainda visualizar a permanência de certos padrões de relações sociais as quais também fomentaram os conflitos sociais em Lábrea, pois, e acordo com Cunha e Loureiro (2009), as Reservas Extrativistas representaram e ainda representam um contraponto a um modelo de desenvolvimento que chega como fronteira agrícola na Amazônia. Com o avanço desta fronteira, o que se assiste é o acirramento dos conflitos.

Portanto, não seria cabível supor que o estabelecimento de uma nova configuração territorial iria instantaneamente dar por encerrados os conflitos que motivaram a luta por ela. Sendo assim, a análise dos dados levantados na presente pesquisa apontou para uma constelação de conflitos sociais relacionados às Reservas Extrativistas de Lábrea, corroborando também com o argumento de que os conflitos permeiam todas as dimensões da vida social.

A figura 4 a seguir exemplifica os tipos de conflitos sociais identificados na pesquisa, relacionando atores sociais envolvidos em cada uma delas:


Figura 4
Tipos de conflitos sociais envolvendo as Resex Médio Purus e Ituxi em Lábrea.
Fonte: elaborado pelos autores, 2020.

A partir disso, foi possível constatar a existência de múltiplos conflitos sociais envolvendo diferentes segmentos sociais, conflitos interinstitucionais e até mesmo interpessoais, mesmo que em grau moderado e não violento. Para além da máxima simmeliana, segundo a qual não existe relação social que não esteja fundada no conflito, a análise dos dados sugere que razões de ordem estrutural compõem o plano de fundo dos conflitos sociais em Lábrea. Quanto ao momento identificado como estopim do conflito relacionado à criação das Resex em Lábrea – reunião da consulta pública – a análise desse episódio, e a observância dos fatos e atitudes posteriores, por meio da metáfora elisiana do jogo, permitiu que se tecessem algumas considerações sobre o caráter dinâmico e interdependente das relações sociais de um modo geral, e de como se dão, geralmente, os processos de identificação social no calor dos acontecimentos, bem como fatores que podem influenciar comportamentos e posicionamentos das pessoas em situações de confronto.

Com base no conceito elisiano de configuração social, o tratamento adequado para a complexa trama de conflitos sociais, como a encontrada em relação às Resex de Lábrea, seria o do monitoramento dos conflitos, através da observação e análise dos interesses dos atores sociais em jogo, em que foi observado como eles mudam ao longo do tempo, ou seja, levando em conta que a sociedade é dinâmica, que as configurações sociais e fatores como os econômicos e os políticos não são estáticos.

Nessa perspectiva, propõe-se, portanto, ferramentas como a figura exposta anteriormente, a qual ajuda a observar e a monitorar a dinâmica dos conflitos e o comportamento dos agentes, de maneira a tentar antecipar-se frente a determinadas situações que possam vir a desdobrarem-se em episódios de convulsão social ou situações de extrema violência, algo que, se observado e antecipado pode ser evitado. Em outros contextos o convite para que os jogadores coloquem-se em torno de fóruns públicos, por exemplo, nos Conselhos Deliberativos das Resex, ou mesas de negociação e discussão, pode ser útil para se definir de forma ordenada e civilizada os caminhos para possíveis rearranjos das peças em conflito.

Não se pode perder de vista, por fim, que, enquanto sistemas de classificação do espaço (ESTERCI & SCHWEICKARDT, 2010), categorias territoriais como as Reservas Extrativistas, mesmo tendo sido incorporadas formalmente pela burocracia estatal, continuarão sendo objeto de disputa, confronto político este (e também ideológico), que se dá e que se dará tanto nas esferas de representação política, formais, até nos cenários dos embates cotidianos, ou seja, nos municípios, nas universidades, nas comunidades e etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto, pode-se dizer que o presente artigo buscou contribuir para a compreensão dos conflitos sociais associados à criação e à existência das Resex Médio Purus e Ituxi – unidades de conservação federais que fazem parte de um conjunto maior de áreas protegidas existentes na região, as quais, para atingirem os seus objetivos, deverão lidar, no seu processo de gestão, com uma complexa trama de conflitos sociais –, no município de Lábrea, no Amazonas.

Ademais, essa pesquisa possibilitou que se esboçasse um quadro atualizado das disposições dos atores sociais envolvidos na questão das Resex em Lábrea, e abriu a possibilidade de discussões sobre uma série de questões a respeito de comportamentos, articulações e (re)posicionamentos dentro de dada figuração social.

À vista disso, foi possível observar, mediante análise dos dados obtidos, que as posições dos atores sociais numa figuração social podem variar e fatores externos, como a criação das Resex, são capazes de proporcionar um rearranjo das peças dentro da figuração.

Cabe ressaltar, sobre a reunião da consulta pública para a criação das Resex, que esta não foi o único momento de estopim de um conflito social latente, pois tantas outras situações (violentas ou não), as quais envolviam a disputa por território e utilização dos recursos naturais, permanecem vivas na memória das pessoas da cidade, que podem ou não serem acionadas, ou seja, tornarem-se explícitas, ou até mesmo chegar a momentos extremos (SANTOS, 2014).

Pode-se concluir, dessa maneira, que o conflito social acontece em diversos contextos e constitui-se como uma forma viva de interação, elemento vital para a renovação e unidade das sociedades. (SIMMEL, 1983, p.123), ou seja, pode ser passível de regulação e controle, no sentido de sua extinção, além de ter condições de monitoramento, por meio do conhecimento pleno do contexto, dos atores sociais envolvidos e das suas motivações.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, pela bolsa concedida no âmbito do Programa RH Interiorização, Edital n. 003/2015 no período do cumprimento dos créditos obrigatórios e durante a realização da pesquisa de campo.

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Notas

[3] Segundo o INCRA, grilagem “é a ocupação irregular de terras, a partir de fraude e falsificação de títulos de propriedade”, termo que tem origem em antiga prática de se colocar documentos novos em uma caixa com grilos, fazendo com que os papéis ficassem amarelados, conferindo-lhes aspecto de antigo, semelhante a um documento original (INCRA, 2009).
[4] A Resex Médio Purus foi criada pelo decreto presidencial de 08 de maio de 2008 (BRASIL, 2008), com 604.231,22 hectares de extensão; a Resex Ituxi foi criada no mesmo ano pelo decreto presidencial de 05 de junho de 2008, com 776.940 ha; na Resex Médio Purus habitam cerca de 4.432 moradores, distribuídos em 1.118 famílias. Na Resex Ituxi são aproximadamente 552 pessoas, distribuídas em 122 famílias (UFV/ICMBIO, 2015).
[5] A Instrução Normativa nº 5 de maio de 2008 dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização dos estudos técnicos e da consulta pública para a criação de unidade de conservação federal. Em seu Art. 5º, que trata dos objetivos da consulta, é dito que esta serve para subsidiar definição, localização, dimensão e limites da unidade a ser criada. Já o Art. 6º fala do caráter consultivo desse tipo de reunião, ou seja, ela é uma forma de realização de oitiva da população local e deoutras partes interessadas na criação de várias das categorias de unidades de conservação federais (BRASIL, 2008).

Autor notes

[1] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa - UFV; Analista Socioambiental do Programa Povos Indigenas do Instituto Internacional de Educação do Brasil.
[2] Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento e Sociedade. Professor de Extensão Rural do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa.


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