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A nova cartografia social como instrumento para superação das vulnerabilidades da juventude rural no Baixo Tocantins
The new social cartography as an instrument to overcome the vulnerabilities of rural youth in Baixo Tocantins
La nueva cartografía social como instrumento para superar las vulnerabilidades de la juventud rural en Baixo Tocantins
Revista Presença Geográfica, vol.. 07, núm. 01, 2020
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Artigos



Recepção: 02 Janeiro 2020

Aprovação: 30 Abril 2020

DOI: https://doi.org/10.36026/rpgeo.v7i1.4812

Resumo: A instrumentação provocada pelos produtos da Nova Cartografia Social traz consigo o processo de reconhecimento do território e de si mesmo capaz de favorecer a tomada de consciência dos indivíduos com limitada afinidade de produção cartográfica, como aqueles que vivem e atuam politicamente nas diversas situações da vida na zona rural e em comunidades tradicionais, em especial, os jovens que detém extrema vulnerabilidade nestes contextos. A partir da análise do fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins, da série Crianças e Adolescentes em Comunidades Tradicionais da Amazônia, pertencente ao Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, em conjunto com referencial bibliográfico, foi possível identificar as demandas e fragilidades que os jovens encontram nos espaços que habitam. Refletir a respeito das situações relatadas no fascículo permite conhecer realidades que se repetem nas mais variadas regiões do País. É perceptível que para a permanência dos jovens e, consequentemente, a manutenção das comunidades tradicionais e ocupação das zonas rurais, é necessário a mobilização social e sistematização das reivindicações. O estabelecimento de melhores condições de vida torna-se uma luta por direitos. Desse modo, é evidenciado a Nova Cartografia Social como importante instrumento a ser utilizado pela juventude rural na compreensão das suas vulnerabilidades e na organização de conhecimentos a fim de que suas demandadas sejam atendidas.

Palavras-chave: Juventude rural, Comunidades tradicionais, Nova Cartografia Social, Vulnerabilidade.

Abstract: The instrumentation provoked by the products of the New Social Cartography brings with it the process of recognition of the territory and of itself capable of favoring the awareness of individuals with limited affinity of cartographic production, such as those who live and act politically in the various situations of life in the rural area and in traditional communities, especially young people who have extreme vulnerability in these contexts.From the analysis of the issue Jovens de ComunidadesTradicionais do Baixo Tocantins, from the series Crianças e Adolescentes em Comunidades Tradicionais da Amazônia, belonging to the Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, together with a bibliographic reference, it was possible to identify the demands and weaknesses that young people find in the spaces they inhabit. Reflecting on the situations reported in the fascicle makes it possible to learn about realities that are repeated in the most varied regions of the country. It is noticeable that for the remained of young people and, consequently, the maintenance of traditional communities and occupation of rural areas, it is necessary to social mobilization and systematization of claims. The establishment of better living conditions becomes a struggle for rights. Thus, the New Social Cartography is evidenced as an important instrument to be used by rural youth in understanding their vulnerabilities and in the organization of knowledge so that their demands are met.

Keywords: Youth, Traditional communities, New Social Cartography, Vulnerability.

Resumen: La instrumentación provocada por los productos de la Nueva Cartografía Social trae consigo el proceso de reconocimiento del territorio y de sí mismo capaz de favorecer la toma de conciencia de los individuos con limitada afinidad de producción cartográfica, como los que viven y actúan políticamente en las diversas situaciones de la vida en la zona rural y en comunidades tradicionales, en particular los jóvenes que tienen extrema vulnerabilidad en estos contextos. A partir del análisis del fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins, de la serie Crianças e Adolescentes em Comunidades Tradicionais da Amazônia, perteneciente al Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, en conjunto con referencia bibliográfica, ha sido posible identificar las demandas y fragilidades que encuentran los jóvenes en los espacios que habitan.Reflexionar sobre las situaciones relatadas en el fascículo permite conocer realidades que se repiten en las más variadas regiones del País. Es perceptible que para la permanencia de los jóvenes y, en consecuencia, el mantenimiento de las comunidades tradicionales y la ocupación de las zonas rurales, es necesaria la movilización social y la sistematización de las reivindicaciones. Establecer mejores condiciones de vida se convierte en una lucha por los derechos. De este modo, se evidencia la Nueva Cartografía Social como importante instrumento a ser utilizado por la juventud rural en la comprensión de sus vulnerabilidades y en la organización de conocimientos a fin de que sus demandadas sean atendidas.

Palabras clave: Juventud rural, Comunidades tradicionales, Nueva Cartografía Social, Vulnerabilidad.

1. INTRODUÇÃO

A Nova Cartografia Social, via de regra, possui interesses divergentes daqueles estabelecidos pelos grupos hegemônicos que confrontam os interesses dos povos ou comunidades tradicionais locais.Fundamentalmente a Cartografia Social atua como ferramenta que dá visibilidade aqueles que geralmente são invisibilizados pela cartografia convencional.

As cartografias sociais contidas nos fascículos tomamcomo ponto central a relação entre o território e as pessoas, grupos e comunidades, que apresentam ligações em diferentes níveis, como: religiosos, econômicos ou/e culturais. Assim, a Nova Cartografia Social é introduzida quando o sentimento de pertencimento ao território possibilita a mobilização para defender o espaço, transferindo para a comunidade os instrumentos que auxiliarão nesse embate (Cf. GORAYEB; MEIRELES, 2014).

Seja na disputa por território ou na reafirmação identitária, a Cartografia Social se expressa concretamente como uma etnocartografia, resultante da participação direta das pessoas na elaboração dos aspectos que devem estar presentes no mapa. Ainda que não seja realizado por técnicos, aqueles que participam do processo de construção do mapa são instruídos sobre os elementos básicos que tornam o entendimento do mapa mais claro. O mapa prevê a representação do espaço físico e vivido, onde será possível se orientar espacialmente, além de adquirir conhecimento a respeito da história e dos pontos simbólicos que são reportados pelos participantes (Cf. GORAYEB; MEIRELES, 2014).

Os fascículos do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia são a síntese do movimento e da experiência vivenciada pelos participantes durante a implementação do projeto que visa atuar como facilitador da autocartografia. De início, a tarefa foi identificar as comunidades que detinham interesse, realizar as oficinas sobre as noções de cartografia para que, então, os participantes pudessem produzir os mapas aplicando as técnicas aprendidas e o conhecimento que já detinham sobre o território que habitam. Os resultados pertencentes às comunidades são instrumentos de reafirmação identitária e de mobilização frente às dificuldades postas por agentes internos e/ou externos (Cf. PNCSA, 2008).

A opção pelo fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins deve-se à cobertura espacial heterogênea, resultado da ocupação de diferentes localidades pelos participantes e pela particularidade que os jovens possuem de ressaltar as situações e condições impactantes, não apenas de modo imediato, mas também a longo prazo, com efeitos negativos no futuro. Logo, tal fascículo oferece base para discussões em conjunto com as formas variadas de retratar os diferentes espaços de vivência. Dentre os fascículos do projeto, aqueles focados nas crianças, jovens e adolescentes, caracterizados pela série Crianças e Adolescentes em Comunidades Tradicionais da Amazônia, permitem a visualização do cotidiano do meio rural de maneira diferenciada. Embora as representações possuam maior abstração, o produto final detém percepções de extrema relevância sobre questões essenciais para a juventude rural e, consequentemente, para a sociedade que estão inseridos.

No fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins são apresentadas as reivindicações, aspirações e percepções dos jovens de comunidades dos municípios de Cametá, Limoeiro do Ajuru, Igarapé Mirí e Mocajuba no estado do Pará. A partir da realidade dos jovens, ainda que reveladas de maneira individual, foram identificados pontos centrais nos quais todos os relatos convergem. Com base no que foi exposto, pode-se dar início às ações que favoreçam a vitalidade da comunidade, atingindo questões assumidas pelos jovens como desestimulantes ou que inviabilizem sua permanência no local, atendendo não apenas melhores condições de vida para os jovens individualmente, mas também a garantia de continuidade para todo o grupo.

O texto aborda as situações de vulnerabilidade que os jovens estão inseridos e a especial importância da cartografia social como meio de reverter esse quadro. O fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia é o ponto base e de partida para a discussão sobre o papel da autocartografia para os jovens. O fascículo apresenta a Cartografia Social como um instrumento de grande relevância, visto que orienta a ação social, dotando os jovens dos meios para perseguirem e conquistarem seus direitos e anseios. Para o entendimento da positiva relação entre os jovens e a pesquisa protagonizada pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, foram apontadas e consideradas as variáveis sociais e econômicas dos territórios, tendo em vista os distintos locais de origem de cada participante.

2. BAIXO TOCANTINS

O fascículo analisado foi desenvolvido como resultado das oficinas realizadas com jovens das comunidades dos municípios de Cametá, Limoeiro do Ajuru, Iguapé Miri e Mocajuba. Tais municípios pertencem à região do Baixo Tocantins que, segundo o IBGE (2010), detém uma área de 36.024,20 km², englobando os municípios de Abaetetuba, Acará, Baião, Barcarena, Moju, Oeiras do Pará e Tailândia, que totalizam 11 municípios. Na Figura 01 estão localizados, na região central, delimitados pelo contorno vermelho, os municípios de origem dos jovens. No mapa é possível visualizar o território cortado pelo Rio Tocantins que, como outras localidades do Pará, influenciou na dinâmica de ocupação que, por muito tempo, se restringiu ás margens dos rios.


Figura 01
Localização do Baixo Tocantins.
Fonte: ARAÚJO e TEISSERENC (2016).

As “delimitações” entre as zonas rurais e urbanas são, também,devidas às características da região, como a proximidade de rios navegáveis que facilitam o acesso às sedes municipais. Já as zonas rurais foram conduzidas para áreas de difícil acesso, mas que possuíam maior aptidão agrícola. De acordo com Costa:

As áreas de terra firme desflorestadas são ocupadas por agricultura tradicional de corte-e-queima na atividade da lavoura temporária, onde basicamente cultiva-se mandioca (Manihot esculenta Crantz.), principal produto e com pimenta do reino (Piper nigrum L.) na atividade de lavoura perene. Nas áreas de várzea e nas ilhas, há a exploração extrativista do açaí (Euterpe oleracea Mart.), do buriti (Mauritia flexuosa Mart.), da andiroba (Carapa guianensis Aubl.) na atividade de trato com as florestas nativas e a atividade da pesca (COSTA, 2006, p.88).

Conforme a variação na produção, que implica na variação da ocupação rural, o acesso às sedes municipais se tornava cada vez mais difícil, principalmente em razão dos longos percursos necessários que, na maioria das vezes, só podem ser realizados através de embarcações. Dessa forma, o acesso aos serviços públicos e privados, centrados nas zonas urbanas, são inviáveis, no dia a dia, aos jovens das comunidades rurais e tradicionais que habitam áreas dispersas e remotas.

O distanciamento entre as comunidades e a área urbana traz implicações na obtenção de renda, visto que a produção agrícola precisa ser deslocada até as sedes municipais para que possa ser comercializada. Isso provoca intensa relação entre o urbano e o rural, já que há uma dupla dependência, uma vez que as cidades necessitam da produção das zonas rurais para o abastecimento local e as áreas urbanas concentram os centros de comercialização, úteis para a obtenção de itens que não são produzidos localmente (Cf. COSTA, 2006).

Segundo os dados do IBGE (2010), dois anos após a publicação do fascículo, os municípios do Baixo Tocantins possuíam composições variadas sobre os residentes rurais e urbanos. No quadro 01 está exposto a variação da população rural e urbana para a região, em que, mesmo contando com municípios que detinham grandes contingentes populacionais, havia a predominância da população rural. Enquanto no município de Tailândia a população rural era de aproximadamente 26%, no município de Limoeiro do Ajuru esse valor era de aproximadamente 76%, mostrando a marcante variação existente.

Quadro 01
Populações do Baixo Tocantins.

Fonte:IBGE, Censo Demográfico (2010)

Corroborando com os depoimentos que estruturam o fascículo, o predomínio da população rural em quase todos os municípios do Baixo Tocantins não parece ser suficiente para haver facilidade no acesso aos serviços básicos. As distinções entre as zonas rurais e urbanas geram possibilidades diferenciadas aos jovens, principalmente no que diz respeito às condições de escolarização, atendimento de saúde e a respeito de questões de emprego, temáticas que sistematicamente afetam à persistência dos jovens em permanecer nessas localidades.

3. O FASCÍCULO

O fascículo, além de abordar a realidade de comunidades e populações da Amazônia que vivem à mercê das dificuldades, é a documentação da reflexão promovida pela cartografia social, que sintetiza o exercício e ultrapassa a espacialização do território chegando ao ato de autodefinição, em que há a percepção de si e dos sistemas que está inserido. A materialização da sua existência inclui o exposto no quadro 02, no qual são apresentadas as atividades predominantes nos municípios em que os jovens são inseridos. Pela pouca variação nas atividades realizadas, os modos de existir são precisados, observando que a grande maioria dos jovens são logo inseridos na produção familiar, no extrativismo e na pesca, excetuando-os que moram nas sedes municipais ou em zonas próximas, em que há a ocupação nas atividades públicas e em serviços gerais.

Quadro 02
Atividades Produtivas

Projeto Nova Cartografia Social Da Amazônia – PNSCA (2008)

A partir das atividades promovidas durante as oficinas do PNCSA, foram identificadas algumas situações causadoras de vulnerabilidade que a maioria dos jovens, e demais membros das comunidades, estão submetidos. Essas situações foram recorrentes nos depoimentos da maioria dos participantes, sendo reafirmadas na composição da árvore de desejos, que tem o intuito de promover a reflexão sobre seus desejos e anseios, cabendo a observação do meio em que estão inseridos. O produto elaborado manteve o foco pontualmente no sentido de serem resolvidas as situações de vulnerabilidade que vivenciam, revelando-as como cruciais para o bem-estar no dia a dia.

As situações dispostas no fascículo são abordadas a seguir, demonstrando que apesar de se tratar de um recorte bastante específico, os dilemas vivenciados por esses jovens não diferem dos problemas encontrados por outros jovens nas mais variadas localidades rurais. No contexto da Amazônia, a realidade dos jovens converge para a afirmativa de Freire (2009), que diz:

O cotidiano dos jovens da Amazônia rural tem no trabalho, na família, na educação e no lazer suas principais manifestações. A dinâmica do trabalho na região é marcada pela dependência da terra, das águas e das florestas. A labuta no trabalho dos sistemas de cultivo e de criação, no extrativismo, na pesca, é base constitutiva da produção familiar (FREIRE, 2009, p.2).

É na busca pela plenitude na esfera do trabalho, educação, lazer e família que os jovens veem as maiores vulnerabilidades. Nesse contexto, a juventude rural se apresenta como um setor extremamente fragilizado e, por permanecer invisível ao sistema político, não é socialmente reconhecida como sujeito de direitos, dificultando sua inclusão na agenda governamental (Cf. WEISHEIMER, 2013).

3.1. Falta de emprego e o consumo de droga

Segundo os depoimentos contidos no fascículo, ao se formarem, muitos jovens não conseguem emprego e, como agravante de um problema de âmbito nacional, as possibilidades de emprego se restringem ao quadro de funcionários da prefeitura e em pequenas empresas particulares, que não são suficientes para atender à demanda. Os jovens relacionam esse fato ao efeito de aumento da criminalidade, uma vez que devido à desocupação, muitos entram em contato com drogas, levando a realizarem assaltos como forma de conseguir manter o vício.

3.2 Fragilidade na educação

Os problemas relatados sobre a educação tratam da falta de professores e a inexistência de escolas para determinadas faixas etárias. As escolas de ensino médio são as mais demandadas, já que, diferentemente das escolas de fundamental que possuem maior distribuição, só existem em determinados locais. Para muitos alunos há a necessidade de percorrer longas distancias até chegar nas escolas. Outro problema é a respeito da estrutura das escolas que, frequentemente, não dispõem de espaços como quadras esportivas, sendo preciso que os professores utilizem outros espaços para realizar suas atividades.

3.3 Situação: a fragilidade no atendimento à saúde

A problemática envolvendo a saúde é influenciada pela localização das cidades, pela falta de estrutura dos hospitais e pela remuneração dos profissionais, segundo os jovens. Devido à existência de unidades médicas em apenas algumas localidades, em casos de emergência o longo percurso é uma grande preocupação. Além da demanda por mais unidades básicas de saúde e hospitais, requerem profissionais que atendam com maior frequência. Como consequência da precariedade da saúde, foi abordado que a população torna se mais vulnerável a adquirir doenças por não saberem como se prevenir.

3.4 Situação: Dificuldade de comunicação, transporte e isolamento

A precariedade na comunicação e a dificuldade de transporte tornam-se grandes problemas na medida em que geram o isolamento das comunidades. Como a maioria dos serviços públicos e privados ficam centralizados nas sedes municipais, a logística necessária para acessá-los é crucial, mas devido às condições existentes, de modo geral, é necessário a espera das condições favoráveis para realizar o deslocamento, como a espera para que a maré encha. Outro problema são os assaltos que ocorrem nos rios, principal via de locomoção, gerando insegurança nos trajetos realizados cotidianamente.

3.5 A saída do campo para a cidade

Segundo os participantes, há um grande fluxo de saída do campo para a cidade, que se dá em buscas por melhores condições de vida e pela precariedade na educação no campo. Esse fenômeno é ressaltado com preocupação, dado que esse fluxo se dá principalmente por mulheres. Assim, além dos problemas de despovoamento e masculinização dos territórios rurais e comunidades tradicionais, o êxodo rural contribui com problemas nas zonas urbanas, como a ocupação não planejada.

Dadas as situações cotidianas relatadas pelos jovens, um meio eficaz de auxílio e compreensão a essas problemáticas inicia-se pelo ato de escuta das suas reivindicações. Portanto, nas palavras de uma jovem:

A Juventude anseia por políticas públicas na saúde, educação, emprego, cultura e segurança, ambos de qualidade. Só dessa maneira será possível que seus direitos e deveres sejam conhecidos e respeitados, como por exemplo: o direito de ir e vir, liberdade de expressão, cidadania, deveres, respeitar os direitos do próximo, assumir suas responsabilidades e lutar por seus direitos. (Elizane Silva da Silva, PNCSA, 2008, p.9).

O depoimento acima é apenas um dos presentes no fascículo, mas consegue representar uma síntese e amparo para a compreensão da problemática vivenciada por esses jovens, que enxergam e vivenciam situações conflitantes que, ocasionados pela ausência de políticas públicas, geram problemas na manutenção e vitalidade dos territórios rurais e comunidades tradicionais. Assim, seja para os jovens ou a totalidade dos povos rurais e tradicionais, o fascículo é um espaço para imprimir sua realidade, bem como os seus modos de existir. Nesse espaço, é materializado os anseios e esforços que convergem em direção ao alcance de melhores condições de vida e que oportuniza a difusão das lutas travadas em defesa dos seus direitos.

4. A VALORIZAÇÃO DOS JOVENS

A autocartografia produzida no âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia pode ser entendida como o instrumento pelo qual é possibilitado o aprofundamento da realidade de vida em um território com o objetivo de transformá-la ou mantê-la (Cf. LIMA; COSTA, 2012). As motivações para uso reinvidicatório do mapa podem surgir de várias causas, sejam elas externas, internas ou mesmo da percepção de necessidades a serem atendidas.

O interesse na participação coletiva se deve à necessidade de conhecer o território por meio das mais variadas percepções e de modo mais representativo. Ao sistematizar as informações obtidas, são elaborados produtos como peso histórico, identitário e documental, que podem ser utilizados como meio de valorização cultural e de fortalecimento das reivindicações.

A incorporação dos jovens no processo da confecção da Nova Cartografia Social permite o estimulo a um grupo a quem muito interessa o futuro. Os esforços em reconhecer sua realidade e respectivas limitações, incentiva a mobilização e gera empoderamento. Mas, para propor algo diferente, é preciso desconsiderar, momentaneamente, o espaço em que se habita e pensar em um território fora desse tempo e espaço. Isso possibilita visualizar um território múltiplo, onde se vive ou se sobrevive, às mudanças que ocorreram e as que poderão ocorrer. De posse dessa análise, os jovens podem refletir quais são os pontos críticos, de conflito e quais as transformações que podem ser implementadas e a forma de consegui-las (Cf. POPAYAN, 2005).

Como abordado por Pompeu (2004), é de grande relevância a inclusão dos jovens no resgate e valorização da sabedoria tradicional, como na forma de uso das ervas medicinais, para promover o repasse de conhecimento da disponibilidade local das plantas associadas à fitoterapia popular. Considerando que para muitas comunidades terem acesso aos serviços públicos de saúde é necessário viajar por longos períodos o uso das plantas medicinais pode atuar não só como medida preventiva, mas também como emergencial, em situações em que qualquer instante é crucial para a sobrevivência dos enfermos.

A mobilização dos jovens, dado o reconhecimento das suas dificuldades, é uma ação que contribui no alcance de melhorias a serem socializadas com suas comunidades. Na Figura 02 é documentado o I Encontro dos Jovens do Campo do Baixo Tocantins, que ocorreu no município de Igarapé-Miri, com o tema Juventude do Campo, Educação, Trabalho e Garantia de Direitos, que possibilitou a entrega de uma carta, que apresentavam as dificuldades da juventude rural, para os representantes do Ministério Público do Pará. A carta tinha o objetivo de conseguir apoio dos procuradores na reivindicação do cumprimento dos direitos à educação, saúde, acesso à terra, entre outros, servindo como exemplo da importância da mobilização dos jovens (Cf. CONTAG, 2017)


Figura 02
I Encontro dos Jovens do Campo do Baixo Tocantins
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG (2017)

É provável que os jovens das comunidades tradicionais do Baixo Tocantins que participaram das oficinas possuam uma forma distinta de encarar os problemas do cotidiano da sua comunidade e que tenham fortalecido o sentimento de pertencimento ao seu território, ainda que busquem alternativas à realidade estabelecida. As vivências dos jovens contribuem na edificação de formas diferentes de habitar o mesmo território, não significando a exclusão das práticas tradicionais, para garantir a sua permanência e a continuidade das práticas e das comunidades.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fascículo Jovens de Comunidades Tradicionais do Baixo Tocantins, demonstra que, mesmo ocupando comunidades distintas, as reivindicações podem ser as mesmas. Isso se deve ao fato de que os serviços mais básicos, como o acesso à saúde, educação, transporte e segurança são disponibilizados de maneira desigual, conforme o local em que se encontra. Também é possível inferir que o estímulo à reflexão coletiva sobre o território contribui para a cooperação dos jovens e pode proporcionar análises mais sólidas e complexas das situações vivenciadas e sobres os impactos negativos que são gerados a todos da região.

Como instrumento que transfere aos atores sociais os meios pelos quais são possibilitados a representação do seu território, a Nova Cartografia Social voltada a esses jovens pode significar o caminho para a permanência nas comunidades e zonas rurais, que só ocorrerá caso sejam oferecidas condições mínimas para se obter uma melhor qualidade de vida. Desse modo, os jovens podem ser os atores responsáveis pela promoção de melhorias para si e para toda comunidade, necessitando, para isso,de organização coletiva e sistematização das suas necessidades, bem como de proposição das soluções que pretendem alcançar. De posse dessa estrutura, as reivindicações se tornam mais robustas e há um maior incentivo para a permanência dos jovens nessa luta.

Considerando que os jovens são um grupo bastante vulnerável, o reconhecimento das dificuldades existentes nos territórios é um fator crucial na luta por melhores condições. A Cartografia Social atua como catalizadora na identificação desses problemas e na reflexão das possibilidades de atuação para solucioná-los. Dotar os jovens com as metodologias e técnicas do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia resulta na transformação dos Jovens em atores que executam seus deveres e reivindicam seus direitos, favorecendo o diálogo dentro e fora dos seus territórios na busca de melhorias.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, I. F.; TEISSERENC, M. J. S. Mobilização, território e a emergência de novos sujeitos e arenas públicas no Baixo Tocantins. Raizes (UFPB), v. 1, p. 6-22, 2016. Disponível em:<http://raizes.revistas.ufcg.edu.br/index.php/raizes/article/view/443/426

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CONTAG. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E AGRICULTORAS FAMILIARES. I Encontro da Juventude do Campo do Baixo Tocantins fortalece a luta dos(as) jovens no Pará. JOVENS NA LUTA, [S. l.], p. 1-3, 18 ago. 2017. Disponível em:<http://www.contag.org.br/indexdet2.php?modulo=portal&acao=interna2&codpag=101&id=12458&mt=1&nw=1&ano=&mes=>

COSTA, G. S. Desenvolvimento rural sustentável com no paradigma da agroecologia: um estudo sobre a região das ilhas de Cametá, Pará. Belém: NAEA/UFPA, 2006.

FREIRE, J. C. S. Ser jovem na Amazônia. Teoria e Debate. Belém, p. 1-6. 05 jan. 2009. Disponível em:<https://teoriaedebate.org.br/2009/01/05/ser-jovem-na-amazonia/>Acesso em: 10 nov. 2019.

GORAYEB, A.; MEIRELES, J. Cartografia social vem se consolidando com instrumento de defesa de direitos. Rede Mobilizadores, 10 fev. 2014. Disponível em: http://www.mobilizadores.org.br/coep/Publico/consultarConteudoGrupo.aspx?TP=V&CODIGO=C20142610482831. Acesso em 12 dez. 2019.

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LIMA, M. V. da C; COSTA, S. M. G. da. Cartografia social das crianças e adolescentes ribeirinhas/quilombolas da Amazônia. Revista Geografares, n°12, 2012 p.76-113. Disponível em:http://www.periodicos.ufes.br/geografares/article/view/3189. Acesso em 12 dez. 2019.

POMPEU, M. C. L. Resgate e valorização da sabedoria popular sobre o uso de ervas medicinais no Baixo Tocantins (PA). ASPTA, p.1-3, 21 out. 2004. Disponível em: http://aspta.org.br/article/resgate-e-valorizacao-da-sabedoria-popular-sobre-o-uso-de-ervas-medicinais-no-baixo-tocantins-pa/ . Acesso em 28 de dez. 2019.

PNSCA. PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA. Série: Crianças e Adolescente em Comunidades Tradicionais da Amazônia. Fascículo 2: Jovens de comunidades tradicionais do baixo Tocantins: Cametá, Limoeiro do Ajuru, Igarapé Mirí, Mocajuba. Belém/Pa. 2008.

WEISHEIMER, N. Sobre a invisibilidade social das juventudes rurais. Desidades, Rio de Janeiro, v. 1, p. 22-27, 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2318-92822013000100003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 28 dez. 2019.



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