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Kaxarari e Migueleno: perspectivas femininas sobre a organização de seus territórios
Kaxarari and Migueleno: Female perspectives on the organization of its territories
Kaxarari y Migueleno: perspectivas femeninas en la organización de sus territorios
Revista Presença Geográfica, vol.. 07, núm. Esp.02, 2020
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Artigos

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 07, núm. Esp.02, 2020

Recepção: 31 Agosto 2020

Aprovação: 30 Setembro 2020

Resumo: O Estado de Rondônia apresenta uma imensa diversidade de povos originários do Brasil que mantém vivas as suas culturas, línguas e organizações sociais. Destes povos, as mulheres que fazem parte dos grupos que não se encontram em isolamento voluntário, são vinculadas à Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), primeira organização com caráter exclusivamente feminino e indígena do estado. Para este artigo, entrevistamos duas lideranças femininas indígenas durante a IV Assembleia Ordinária da AGIR, o que nos permitiu notar diferenças entre as realidade dos povos indígenas. A primeira entrevistada é de uma terra demarcada que possui lideranças femininas (cacicas); a terra Kaxarari. E a segunda entrevistada é de Porto Murtinho território onde foi alojado o povo Migueleno, este território ainda não é demarcado como terra indígena e é comandado por homens. Assim, para este trabalho, traçamos uma perspectiva de gênero a respeito da organização territorial e representação dentro de dois territórios com realidades distintas através da fala de suas lideranças femininas.

Palavras-chave: Associativismo, feminismo indígena, gênero, povo Kaxarari, povo Migueleno.

Abstract: The State of Rondônia has an immense diversity of people from Brazil that keep their cultures, languages ​​and social organizations alive. Of these peoples, women who are part of groups that are not in voluntary isolation, are linked to the Rondônia Indigenous Warriors Association (AGIR), the first organization with an exclusively female and indigenous character in the state. For this article, we interviewed two indigenous female leaders during the IV Ordinary Assembly of AGIR, which allowed us to notice differences between the reality of indigenous peoples. The first interviewee is from a demarcated land that has female leaders (cacicas); the Kaxarari land. And the second interviewee is from Porto Murtinho territory where the Migueleno people were housed, this territory is not yet demarcated as indigenous land and is commanded by men. Thus, for this work, we draw a gender perspective regarding territorial organization and representation within two territories with different realities through the speech of their female leaders.

Keywords: Associativism, indigenous feminism, genre, Kaxarari people, Migueleno people.

Resumen: El Estado de Rondônia tiene una inmensa diversidad de pueblos tradicionales del Brasil que mantienen vivas sus culturas, idiomas y organizaciones sociales. De estos pueblos, las mujeres que forman parte de grupos que no están en aislamiento voluntario, están vinculadas a la Asociación de Guerreras Indígenas de Rondônia (AGIR), la primera organización con carácter exclusivamente femenino e indígena en el estado. Para este artículo entrevistamos a dos líderes indígenas durante la IV Asamblea Ordinaria de AGIR, lo que nos permitió notar diferencias entre la realidad de los pueblos indígenas. La primera entrevistada es de una tierra demarcada que tiene mujeres líderes (cacicas); la tierra de Kaxarari. Y la segunda es entrevistada desde el territorio de Porto Murtinho, donde la gente Migueleno fueron alojados, este territorio aún no está demarcada como tierra indígena y es comandado por los hombres. Así, para este trabajo, trazamos una perspectiva de género sobre la organización y representación territorial dentro de dos territorios con realidades diferentes a través del discurso de sus líderes femeninas.

Palabras clave: Asociativismo, feminismo indígena, género, Pueblo Kaxarari, Pueblo Migueleno.

INTRODUÇÃO

Há pelo menos 40 mil anos existem populações humanas habitando a Amazônia, e segundo Sampaio e Silva (1998), o território onde é hoje o estado de Rondônia foi, possivelmente, a porta de entrada de diversas dessas populações.

Uma porção considerável dos povos que se encontram no estado é de origem Tupi, que apesar do processo de colonização desde o século XVII, que sempre massacrou os povos originários, seguem resistindo bravamente. E este trabalho só é possível por causa dessa resistência. Nesse processo de luta e construção contínua contra a perda de seus territórios, sua língua, suas tradições; o povo indígena enfrenta, ainda, as transformações inerentes ao próprio ser humano, que segue se adaptando e (re)inventando sua cultura. A questão do gênero dentro das culturas indígenas é um exemplo disso e este trabalho parte desta discussão.

Antes de nos aprofundarmos nas relações de gênero para as mulheres indígenas, é preciso compreender que os indígenas não são um único povo, são diversos povos, com culturas e costumes diferentes, inclusive quanto às questões de gênero. Com isso em mente, este artigo traz sob a perspectiva feminina indígena de dois povos diferentes as relações territoriais de organização e representação. Para isso, foram entrevistadas duas lideranças mulheres; uma do Povo Kaxarari, que já apresenta uma certa tradição com mulheres líderes, tendo três cacicas; e uma de Porto Murtinho, que é essencialmente, comandada por homens. As entrevistas foram realizadas durante a IV Assembleia Ordinária da Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR).

Neste trabalho optou-se pelo método fenomenológico com a utilização de entrevista semiestruturada como metodologia, pois a fenomenologia possui função importante na Geografia, sendo possível pelo olhar sensível do investigador, em comunhão com a minuciosidade, elucidar as experiências humanas no espaço. Visto que as ações humanas se desdobram no espaço, onde vivemos e atuamos, a abordagem fenomenológica nos permite, através da interação entre sujeito e objeto, passar para o além do possível, enriquecendo a percepção dos fatos pelo tratamento subjetivo, e a criação de uma postura filosófica diante dos fenômenos estudados (ALVES, 2017). Em todo caso, com a fenomenologia como uma crítica do conhecimento (HUSSERL, 1982), é necessário que se abra para possibilidades, inclusive cognitivas, pois ao iniciar o pensamento científico pelo conhecimento, não se tem uma meta específica. Portanto, o ponto de partida deve ser “a meditação cartesiana sobre a dúvida” (p.23), em que se experimenta e se reflete, apreende-se intuitivamente.

Sendo assim, pelo método utilizado neste trabalho, com a utilização de observação participativa e entrevistas semi-estruturadas, percebe-se que em muitas comunidades indígenas, há sim, papéis tradicionais delimitados para homens e mulheres, ainda que o contato com os não-indígenas e os casamentos interétnicos venham modificando as relações de gênero existentes. Discutir esta categoria passa por discutir diversas outras temáticas conflitantes e/ou complementares tal como: alteridade e identidade; tradição e modernidade; âmbitos público e privado; diferença e igualdade, entre outros (SACCHI; GRAMKOW, 2012; ALVES; NASCIMENTO SILVA, 2019).

Os povos indígenas de Rondônia

Oficialmente, não existe nenhuma documentação completa a respeito dos povos indígenas de Rondônia, o mais próximo que foi possível encontrar é o livro “Os Povos Indígenas De Rondônia: Contribuições para com a compreensão de sua cultura e de sua História”, de Sampaio e Silva (1998). Por esta referência, sabe-se que Rondônia tem oito povos que vivem em isolamento voluntário, e por estarem em isolamento, não conhecemos suas línguas, nem tampouco seus nomes, e que quarenta e três (43), já reconhecidos, estão distribuídos em vinte e duas (22) terras indígenas demarcadas e destinadas ao usufruto destas populações, como é o caso dos Kaxarari, terra de uma de nossas entrevistadas.

Mesmo as terras demarcadas passam por situações de invasões e conflitos com diversos atores, como garimpeiros, madeireiros, fazendeiros de gado, que querem explorar a terra e extrair todos os recursos naturais, causando impactos ambientais sérios, além de mortes e tensões com os povos que habitam esses territórios. Atualmente, cerca de vinte áreas passam por situações de conflitos. Conflitos que são negligenciados pelo atual Governo Federal com falas anti-indígenas, e com propostas de emendas constitucionais que facilitam a ação de invasores em terras indígenas, tais como a PEC 343/2016 que propõe a exploração mineral, hídrica e agropecuária em terras indígenas, trazendo uma lógica de exploração capitalista para estes territórios.

Hoje, no país, 22,86% dos conflitos no campo envolvem comunidades tradicionais em algum processo de desterritorialização proveniente do estado, e esse número sobe ainda mais, para 45,76%, quando se trata de tentativas de expulsão protagonizadas pelo poder privado (CPT, 2019, p. 32). Os estados do Norte tomam a frente nos índices de conflito pela terra; só em Rondônia são 82 registrados, afetando Karipunas, Uru-Eu-Wau-Waus, Suruís e tantos outros.

Fora esses, existem também os territórios que não são reconhecidos oficialmente, pois eram habitados por populações originárias reconhecidas ou ressurgidas que ainda não foram demarcados pelas entidades governamentais. Muitos ainda lutam pela demarcação de seus territórios; como o Povo Migueleno, que habita Porto Murtinho, considerado um território tradicional não demarcado como terra indígena; local onde vive uma de nossas entrevistadas. Esta população vivia nestas mesmas terras antes dos ciclos migratórios de exploração oriundos da ocupação das terras amazônicas antes e durante a ditadura militar brasileira, e foram transformados em colonos por essas políticas de migração e pela criação da reserva biológica do Guaporé (NASCIMENTO, 2018).

Gênero e Geografia

A Geografia é uma ciência plural, que abarca os fenômenos naturais e humanos, bem como suas relações e características geográficas nos espaços. Sendo assim, ela possui um imenso rol de áreas a serem estudadas, entre elas, a relação entre as espacialidades e suas relações com o gênero. Podemos entender gênero como uma representação idealizada dos papéis sociais comumente legados a corpos femininos e masculinos, assim considerados dentro dos espaços aos quais pertencem. Estes papéis vão recriando-se, abandonando posicionamentos pré-estabelecidos e demarcados na sociedade em um movimento que transforma os espaços (COSTA, 2011). O espaço geográfico pode ser definido como “a materialização da sociedade e de que toda existência humana é espacial” (SILVA, p. 96, 2009) contudo nem toda humanidade está expressa no conhecimento geográfico.

De acordo com Silva (2009), falar sobre gênero na Geografia ainda gera desconfortos e polêmicas, ainda que o tema esteja dentro da ciência geográfica desde a década de 1970. Ainda hoje há questionamentos quanto à validade das abordagens e das metodologias questionando se falar de gênero na Geografia é mesmo fazer Geografia.

A questão é que, nesta ciência, como em todas as outras, a ideia do “homem universal” como valor principal, traz em seu arcabouço a ideia de que o homem é o representante único e legítimo da humanidade, sendo “produtor de espaços e modelador de paisagens” (SILVA, p. 15, 2009), invisibilizando as demais categorias sociais que também interagem no ambiente, dando a falsa impressão de que fatores sociais, e os diferentes modos de existir, não influem na modificação do espaço. Ao desconsiderarmos essas diferenças, as diversas lutas e injustiças sociais provenientes de classe social, cor da pele e condição sexual, se tornam invisíveis ao olhar da ciência.

Para Monk e Hanson (2016), grande parte do estudo geográfico tem adotado uma abordagem sexista e com isso ocorre a invisibilidade feminina, visto que a geografia é uma ciência feita com um viés eurocêntrico produzida por homens brancos, cis-gêneros e heterossexuais. Assim, tem emergido movimentos que buscam tornar as mulheres, lésbicas e gays visíveis na geografia, “procurando evidenciar suas expressões materiais de produção do espaço, como a distribuição espacial das moradias e áreas de lazer, os deslocamentos físicos e as inserções desses grupos nas relações produtivas e reprodutivas da sociedade burguesa e patriarcal” (Silva, p. 97, 2009). Tendo em vista que, como “pesquisadoras(es), devemos estar atentas(os) com nossa participação na corroboração de tais injustiças, porque, a partir de nossas pesquisas, construímos não apenas a compreensão sobre o mundo, mas o próprio mundo” (SILVA, p. 15 ,2009).

Os estudos de gênero se enquadram dentro das denominadas Geografias Subversivas, por ser uma ciência que incorpora as construções sociais tal como sexo, gênero, desejo e as demais relações num processo de movimento permanente evidenciando a importância desses estudos para o espaço e a subversão da “ordem compulsória de gênero da sociedade heteronormativa” (SILVA, p. 99, 2009).

Para Silva (2009), a subversão dos pesquisadores acontece quando privilegiam temas e sujeitos que são invisíveis dentro do discurso científico e são elaboradas por pesquisadores que se encontram fora do centro das configurações hegemônicas de poder. Em geral, estas geografias são originárias da identificação científico-política com as epistemologias feministas e pós-colonialistas. Porém, a pessoa que realiza a pesquisa está sujeita aos conceitos e métodos já concensuados, isto gera impasses e leva a crítica à adoção destes métodos. Isto implica na construção de novas metodologias que visem ampliar “novos recortes de grupos sociais, introduzem questionamentos, renovam métodos e acrescentam fontes alternativas de pesquisa, anteriormente desprezadas como pertencentes ao domínio do científico” (SILVA, p. 15, 2009).

Os estudos de gênero possuem o potencial de dar visibilidade à aspectos da paisagem social amazônica que historicamente não são examinados. Também são capazes de revelar vozes femininas que podem ter sido ouvidas no passado. Para ela “torna-se cada vez mais aparente a necessidade de voltar a atenção de forma sistemática para a parte feminina da população ameríndia: suas experiências, seus discursos, seu lugar nessas sociedades” (LAMAR, p. 148, 1999), neste sentido, faz-se fundamental compreender a etnopolítica feita pelas mulheres indígenas.

Gênero e Povos Originários

Falar sobre a categoria gênero para os povos indígenas realizando um recorte geográfico é uma tarefa delicada que exige cautela para que não se cometam generalizações culturais e extrapolações das sociedades indígenas para as não-indígenas, além de levar em consideração que os aspectos das teorias feministas muitas vezes não se enquadram para estas perspectivas culturais. Assim, é necessário pensarmos em um feminismo indígena, que respeite as interpretações dessas mulheres por meio de suas próprias narrativas, que envolvem percursos específicos que combinados com fatores geográficos e práticas sociais, criam situações únicas a serem consideradas.

O contexto social das mulheres indígenas em relação à organização política e social difere do contexto da mulher não-indígena, pois no caso das primeiras há uma opressão externa muito mais acentuada, uma vez que a indígena costuma ser vítima concomitantemente de diversas formas de discriminação; a primeira pelo fato de ser mulher, a segunda pelo fato de ser mulher indígena (pelos costumes da sua raça; etnia) e a terceira pelo fenômeno de feminização da pobreza, já que o contexto no qual as populações indígenas habitam é marcado por uma condição geral de pobreza e dificuldade de acesso, de forma qualitativa, à recursos básicos fundamentais como saúde, educação e saneamento básico. (ALVES, 2017a, p. 44)

Dessas temáticas, a que vamos ressaltar aqui, refere-se a dicotomia entre o âmbito público e o privado. No âmbito público indígena, a grande maioria das vezes, o poder é relegado ao homem, pois em geral, é o homem quem caça, faz a guerra, que vai à cidade, que tem o contato com o não-indígena, e é o homem quem discute nos espaços vistos como ‘de poder’ para a sociedade ocidental. À mulher, fica relegado o espaço privado (doméstico), cabendo a ela o trabalho reprodutivo e alimentar, tendo pouco ou nenhum acesso a cidade e ao dinheiro. Olhando para essa estrutura de forma descuidada, parece que a mulher não faz política (ORTOLAN MATOS, 2012; SACCHI; GRAMKOW, 2012).

Contudo, é necessário considerar a organização das sociedades indígenas, na qual as decisões que são tomadas no âmbito doméstico também impactam diretamente na vida comunitária. “Relações estabelecidas em espaços indígenas de perfil doméstico não costuma se opor às relações mantidas em espaços públicos mais amplos”, ou seja, estas relações não se comportam como esferas distintas, mas sim complementares (ORTOLAN MATOS, 2012, p. 174).

Em muitas comunidades indígenas tradicionais, a mulher tem um grande espaço de poder, tanto nas representações do surgimento de seu povo, relatados nos mitos de criação em que a mulher é o grande ser divino; quanto dentro do âmbito tido como “doméstico” que contém em sua essência o poder decisório comunal, daquilo que é comungado entre famílias e decidido em comunidade antes de chegar ao espaço público. Isto acontece nas comunidades Sateré-Mawé (Amazonas), onde a mulher tem grande espaço nas ritualísticas, e também entre os Kaingang (no Centro-Sul do Brasil), onde as mulheres se organizam em agências femininas para discutir sobre seus direitos e auxiliar os homens nas questões etnopolíticas da comunidade (ORTOLAN MATOS, 2012; SACCHI, 2012).

Contudo, o contato com o não-indígena tornou as relações de gênero mais complexas, trazendo a estas comunidades pressões do sistema capitalista-patriarcal que ora não existiam nestes ambientes, tais como: violência moral e sexual, a violência doméstica, muitas vezes fruto do abuso de álcool e outras drogas que são levadas pelos invasores em busca de usurpar as riquezas destes territórios (SACCHI; GRAMKOW, 2012; ORTOLAN MATOS, 2012; SACCHI, 2014), assim como relatado pelas mulheres indígenas da Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR); elas dizem: “O invasor é a pior violência”.

Sinteticamente, se fizermos qualquer generalização a respeito dos papéis desempenhados por mulheres e homens nas comunidades indígenas, podemos cometer erros grosseiros de interpretação. Certamente que à questão do gênero e das sexualidades é um tema que perpassa todas os povos humanos, com maior ou menor intensidade, dependendo da cultura e da época. Um reflexo disso é a violência de gênero e como ela é tratada, discutida, legislada em cada país. Mas, o que é certo, é a necessidade de entendermos os contextos, as necessidades e as tradições que envolvem cada um dos grupos humanos, sendo que nosso foco aqui são as representações no Povo Migueleno e Povo Kaxarari, ambos de Rondônia, na Amazônia Legal, Brasil.

O povo Migueleno

O povo Migueleno é oriundo do território onde se encontram hoje o vale do Guaporé e São Miguel da Cachoeira, interior do estado de Rondônia. Foram contatados pela primeira vez no início do século XX pelos não indígenas que migraram para a região, o que reconfigurou sua situação etnopolítica, sendo que o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) passou a regular as negociações sobre o uso do território entre indígenas e não indígenas. Em 1929 o povo Migueleno foi considerado extinto, visto que, na visão governamental, o grupo já havia conseguido condições de se integrar ao Estado Brasileiro, pois todos eram falantes da língua portuguesa (NASCIMENTO, 2018).

De acordo com Nascimento (2018), devido a convivência com o não indígena, os Migueleno foram perdendo a autonomia do território tradicional, que passou para as mãos dos colonos, sobretudo grandes produtores de borracha. Com a desativação do posto indígena Treze de Maio, em 1928, uma porção considerável dos migueleno migrou para a região da Vila do Limoeiro, localizada à margem esquerda do rio São Miguel, onde viveram até 1982, quando o Governo Militar criou a Reserva Biológica do Guaporé, desalojando os indígenas e descendentes de quilombolas da região. Em decorrência disso, parte dos Migueleno foram assentados como colonos em Porto Murtinho, localidade à margem direita do Rio São Miguel. Parte migrou para as regiões urbanas do Vale do Guaporé e a capital do estado, passando a viver nas periferias em condições de precariedade. Em 2002 o Cacique Tanadi Migueleno protocolou na Administração da Funai em Ji-Paraná a reivindicação do reconhecimento étnico dos membros do grupo pelo Estado, e a realização de estudos que delimitassem seu território tradicional.

Em 2020 o território tradicional Migueleno ainda encontra-se em processo de demarcação. Processo, este, que vem sendo sistematicamente dificultado pelo atual governo presidido por Jair Messias Bolsonaro (sem partido) através de medidas que facilitam o acesso de invasores e dificulta a manutenção do modo de vida tradicional e o usufruto da terra como garantia constitucional, como aponta Moreira e Assirati (2019, p. 102):

No Brasil, atualmente, o interesse econômico pela terra vem sendo reiterado como ingrediente fundamental da ação anti-indígena em curso. Dentre outras adversidades, ganha força uma dura e explícita ofensiva empreendida por agentes públicos e privados contra esses povos, na forma de oposição ao regime de demarcações de suas terras e de confrontação das identidades e direitos dos diversos povos. Tal ofensiva, liderada por representantes do agronegócio, ligados ao setor latifundiário, desenvolveu tentáculos e ocupou espaços institucionais, concretizando expressões e ações políticas anti-indígenas.

Esses tipos de ofensivas são motivadas pela ganância em explorar as riquezas que ainda existem nas terras indígenas espalhadas pelo país. O território para os povos indígenas têm uma importância fundamental, como ressaltado por nossas entrevistadas durante a IV Assembleia Ordinária da AGIR.

O povo Kaxarari

Dados da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) apontam que, por volta de 2009, a população Kaxarari era de 320 indígenas, o que era representava um significativo aumento se comparado aos 200 indivíduos registrados no início da década de 1980 (ISA, 2009). Mas nem sempre foi assim; em 1910, eram estimados dois mil indígenas Kaxarari. O extermínio desse povo está correlacionado com os ataques de extrativistas que queriam usufruir das riquezas do território, além das doenças:

Os motivos da drástica redução da população durante a década de 80 foram os violentos ataques de caucheiros peruanos e seringalistas brasileiros que buscavam expropriar as terras dos indígenas, ricas em seringa, caucho (um tipo de árvore fornecedora de látex, porém de qualidade considerada inferior ao látex da seringueira) e castanha. As epidemias contribuíram para o agravamento do quadro. Os Kaxarari associam o início do contato com o período das correrias (ISA, 2009). O termo correrias designa o período de extermínio da população indígena empreendido por empresários do extrativismo que tinham o objetivo de expropriar suas terras. (ALVES, MATARÉSIO, SOUZA, NASCIMENTO SILVA, 2019, p. 5-6)

A extensão atual da Terra Indígena Kaxarari é de 145.889 hectares (ISA, 2009), localizada na Amazônia Legal brasileira, nas divisas entre os estados de Rondônia, Acre e Amazonas, próxima aos distritos de Califórnia e Extrema. Mas desde os anos 80, o povo reivindica uma parte do território tradicional que havia sido tomado por uma empreiteira.

O processo de reivindicação e luta pelo território ancestral levou a criação, em 1994, da Associação das Comunidades Indígenas Kaxarari (ACIK) com a finalidade de fortalecer, organizar e incentivar a luta pela terra. Em função desta luta, mulheres e homens uniram forças e hoje participam ativamente do processo de tomada de decisão do coletivo, fato que pode ser demonstrado pela existência de cacicas em três das nove aldeias do território (ALVES, MATARÉSIO, SOUZA, NASCIMENTO SILVA, 2019, p. 6)

As lideranças femininas no cacicado são relativamente novas e representam um novo modelo sócio-cultural adentrando a estrutura do povo indígena.

Mulheres indígenas na liderança

Devido a política tutelar promovida pelos órgãos indigenistas, que consideravam os indígenas incapazes, o movimento organizacional indígena só começou a se estruturar na década de 1970. Isto, somado ao caráter masculinizante da cultura indígena, fez com que as instituições unicamente femininas dos povos tradicionais só iniciassem suas atividades entre as décadas de 1980 e 1990 na Amazônia. Dentre elas destacam-se a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn) e a Associação das Mulheres Indígenas dos Rios Uaupés e Tiquié (Amitrut) e a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR) (DE PAULA, 2008).

Em meados de 1990, e na primeira década do século XXI, são formadas diversas outras organizações de mulheres indígenas que incluem a perspectiva de gênero. Dentre elas, podemos citar o Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (1997) e Departamento de Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira/Coiab (2002). Em 2009, o Departamento de Mulheres da Coiab passa a ser uma organização autônoma, denominada União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB) (MONAGAS SACCHI, 2006;TAUKANE, 2013).

Somente em 2017 a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) teve sua coordenação ocupada por uma mulher. Francinara Soares Baré (Nara Baré), em entrevista à Ribeiro (2017), fala a respeito das dificuldades que as mulheres indígenas enfrentaram até conseguirem ocupar posições de destaque político nas organizações e nas comunidades. Visto que, por muito tempo, elas tinham porta-vozes que eram seus pais e seus irmãos. Hoje, ela afirma que todos, independentemente de seu sexo biológico, lutam juntos.

Uma das principais dificuldades apontadas por Monagas Sacchi (2006) e Taukane (2013), na manutenção e criação das organizações indígenas é a falta de capacitação profissional, pois em sua maioria as pessoas mais instruídas no ensino formal são professores e os técnicos de saúde. O que esbarra nas questões burocráticas e contábeis das associações como a elaboração de projetos para captação de recursos, a dupla jornada de trabalho que combina as atividades da associação e o trabalho doméstico. Outro fator que dificulta a manutenção dessas associações é a falta de apoio dos parceiros, que muitas vezes não compreendem a necessidade das mulheres falarem sobre suas próprias demandas (ALVES; SILVA; TUPARI, 2017, p. 9; ALVES, et. al., 2019).

De modo geral, as demandas de gênero das mulheres indígenas são completamente diferente das demandas das mulheres da cidade, se assemelhando em certo ponto aos feminismos das mulheres latinas e negras (VIEIRA, 2017). Alguns pontos de interseccionalidade marcam as pautas indígenas e diferem o contexto da mulher branca da mulher indígena, em especial no exterior às suas comunidade:

São as diferenças sociais e culturais, geralmente associadas a diferença “racial” que demarcam as “... diferenças e antagonismos organizados em torno a outros marcadores como “gênero” e “classe”” (Brah, 2006, p. 331). A observância de tais questões é importante porque nos auxilia na compreensão de aspectos como identidade, comunidade e tradição. É necessário considerar a dinamicidade dos processos culturais que se estendem aos processos de reivindicação de mulheres, homens, jovens e crianças de um povo, logo, as análises e estudos sobre questões de gênero entre povos indígenas não devem ser construídos em termos essencialistas. (ALVES, MATARÉSIO, SOUZA, NASCIMENTO SILVA, 2019, p 12)

Dentro da perspectiva de empoderar as mulheres na defesa de suas culturas e preservação de seus territórios, que a Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR) realiza suas ações, pois, quando perguntamos “o que significa o território para você e para seu povo?”, todas responderam: “o território para nós é tudo”.

A carta escrita pelas mulheres indígenas no 1º Fórum e 1ª Marcha da Mulher Indígena em agosto de 2019 diz:

Nós estamos fincadas na terra, pois é nela que buscamos nossos ancestrais e por ela que alimentamos nossa vida. Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito. Lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A vida e o território são a mesma coisa, pois a terra nos dá nosso alimento, nossa medicina tradicional, nossa saúde e nossa dignidade. Perder o território é perder nossa mãe. Quem tem território, tem mãe, tem colo. E quem tem colo tem cura (APIB, 2019).

Pensando por esse viés que, a AGIR tem como objetivo basilar o empoderamento das mulheres indígenas para a manutenção de seus territórios, de suas culturas e de seu modo de vida tradicional e sustentável. Criada no Primeiro Encontro de Mulheres Indígenas, que ocorreu no Município de Cacoal-RO, na sede da Associação Metareilá (Associação do Povo Indígena Paiter Suruí) e contou com a presença de mulheres de diversos povos e faixas etárias, a associação articula junto às mulheres, principalmente, no tocante às questões de gestão territorial, produção, alimentação tradicional e saúde da mulher.

É no interior dos espaços só para mulheres, como assembleias da AGIR, que elas podem falar sobre pautas como violência doméstica, abusos estruturais da sociedade e formular estratégias que mitiguem esses problemas.

Diferenças

Entretanto, como reforçamos anteriormente, existem diferenças culturais que demarcam alguns aspectos de cada povo. As lideranças Kaxarari, após muita luta, conseguiram seu espaço político junto aos homens, ao passo que as mulheres Migueleno ainda lutam por isso. Veremos mais à frente essas diferenças a partir das entrevistas das mulheres que são lideranças indígenas dessas duas comunidades, que possuem estruturas organizativas distintas, e que, por isso mesmo, apresentam demandas diversificadas sobre a questão de gênero.

Dentre as principais diferenças entre os povos, destacamos que o povo Kaxarari tem seu território demarcado, possui sua língua preservada, bem como suas festas e demais demonstrações culturais. E o povo indígena Migueleno foi desalojado de seu território tradicional e forçado a viver entre colonos, perdendo o contato com seu idioma tradicional, suas festas e passa, atualmente, por um processo de reencontro com suas manifestações culturais.

As mulheres Migueleno e a busca por emancipação

Cleidaiane Freitas Leite (Migueleno) é secretária da AGIR, eleita na Assembleia Geral de 2018. Ela é estudante do Curso Intercultural na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), sendo uma forte liderança feminina do Povo Migueleno. Durante entrevista concedida durante a IV Assembleia Ordinária da AGIR, relata que as mulheres do seu povo tem que lutar para serem ouvidas. Conta que, apenas em 2015, após muita luta, conseguiram que mulheres acompanhassem o cacique em reuniões de lideranças indígenas em Brasília.

Para ela, as mulheres de seu povo não são ouvidas. Mesmo quando questionadas nas decisões do território, suas opiniões raramente são consideradas, pois na maioria das vezes a decisão já foi tomada pelos homens. Foi através da AGIR que as mulheres conseguiram mais informações para lutar por emancipação e poder, se fazendo ouvir pelas lideranças masculinas. De modo geral, as mulheres nessa sociedade exercem o papel de mães e tutoras, seu papel é no lar, não exercendo funções políticas, com exceções daquelas que se impõem perante os homens.

É preciso ter uma ideia geral da convivência do Povo Migueleno com os não-indígenas, já que, muito da lógica capitalista-patriarcal foi absorvida por essa comunidade. Pesquisas em outros povos nos confirmam que no âmbito privado (doméstico) e público da política indígena, não havia uma distinção de gênero tão acentuada como na sociedade não indígena. As mulheres faziam parte das decisões políticas. Contudo, com o contato com o não-indígena, o papel masculino foi hipervalorizado e o da mulher inferiorizado, trazendo para estas comunidades uma lógica de exploração das mulheres (SACCHI; GRAMKOW, 2012; ORTOLAN MATOS, 2012; SACCHI, 2014; VIEIRA, 2017).

Na comunidade Migueleno há um forte boicote à presença das mulheres em espaços políticos. Cleidaiane relata que em muitas ocasiões, os convites para eventos chegam para as lideranças masculinas e não são repassados às mulheres. Muitas decisões políticas que são tomadas pelos homens são ocultadas das mulheres. Ela comenta que em uma reunião com fazendeiros, um dos caciques foi favorável à não demarcação da terra afirmando não ser indígena, e elas só souberam desse fato posteriormente pela liderança de outro povo. Em muitas ocasiões, os homens não pensam no coletivo, sendo facilmente cooptados pela lógica capitalista. Para ela, é graças às ações da AGIR e a participação em eventos só de mulheres e outros eventos nacionais como o Acampamento Terra Livre (ATL) e o Encontro Nacional de Mulheres Indígenas, que foi possível que elas entendessem a importância de todas à frente e se posicionarem em questões políticas de seu povo.

A próxima conquista almejada pelas mulheres Migueleno é eleger uma mulher para a posição de cacica (eleição que é feita mediante ao voto da maioria); uma mulher que tenha mais disposição que a liderança atual de continuar a luta pela demarcação da Terra Indígena Migueleno.

Para Cleidaiane (Migueleno), a principal mudança exigida é as mulheres serem ouvidas. Em seu povo, ainda com os comandos mais altos na hierarquia chefiados por homens, o respeito pela terra, de onde as mulheres tiram o sustento para seus filhos e suas famílias, é desprezado. Em sua fala vemos a importância do olhar para o outro, a ética sensível ao cuidado, trabalho desenvolvido há séculos pelas mulheres, se faz presente quando são as mulheres que defendem a demarcação como ponto inflexível para a manutenção de sua comunidade. É o homem que facilita a entrada do não indígena em seu domínio privado, causando impactos negativos em sua existência.

As mulheres do povo Kaxarari e a importância dos espaços de mulheres

No passado, as mulheres do povo Kaxarari tinham uma realidade bem parecida com as mulheres do povo Migueleno, é o que conta nossa entrevistada Gleiciane Cezar de Souza Kaxarari, também estudante do Curso Intercultural na UNIR, membra da AGIR desde 2016. Ela considera que antigamente as mulheres não tinham voz dentro do território, conquistando recentemente este espaço de poder. Ela atribui a força para falar e expor suas opiniões à sua participação nos eventos da AGIR e dos aprendizados e experiências vivenciadas nestes encontros.

Para ela, a participação nos encontros faz com que as mulheres se sintam mais livres para falar sem a presença dos homens, pois em muitas ocasiões elas são reprimidas por seus companheiros, principalmente com relação a certos temas, como casos de violência doméstica. Outro ponto que ela menciona é que a participação nos eventos faz com que elas levem para outras mulheres os conhecimentos adquiridos, tornando-se multiplicadoras de novos saberes para as mulheres Kaxarari.

Diferente do povo Migueleno, as mulheres Kaxarari possuem hoje três cacicas, Luciene, Marizina e Ivaneide Kaxarari, o sistema de eleição para o cacicado é feito mediante concordância da maioria da população, podendo ser feita por eleição, herança, entre outras formas como aponta Alves et al, em que a “atuação no cacicado depende da aceitação e concordância do coletivo, logo, a existência de cacicas expressa o reconhecimento e respeito pelas atuais lideranças femininas” (2019, p. 9). Mas sabemos que mesmo com essas conquistas, ainda é um processo gradual de mudança:

É nos enfrentamentos cotidianos que as cacicas Kaxarari seguem participando das votações em assembleias, debatendo, apresentando demandas e contribuindo com sugestões, porém essa participação carece do apoio da família e nem sempre ocorre de forma harmoniosa. Outro ponto de tensão para a vivência política das cacicas Kaxarari é a escassez de recursos e a dificuldade de acesso a outras fontes de apoio (como organizações não governamentais) que tornem possível a participação delas em encontros, audiências públicas, seminários e processos de formação que ocorrem fora do território indígena. (ALVES, MATARÉSIO, SOUZA, NASCIMENTO SILVA, 2019, p 11)

Para Gleiciane (Kaxarari), que faz parte de um povo que tem mulheres em uma hierarquia mais alta, as expectativas estão em empoderar cada vez mais suas guerreiras, pois apesar das cacicas existirem, temas delicados como a violência contra a mulher, ainda são tabus a serem quebrados. As correntes que as prenderam por tantos anos deixaram marcas profundas em suas essências, que levarão tempo para serem completamente sanadas. Contudo, essas mulheres fortes e guerreiras indígenas continuam buscando seus espaços e lutando pelos seus modos de vida tradicionais, pela defesa de seus territórios e meio ambiente, além de construírem redes de apoio feministas de empoderamento indígena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres, sejam indígenas ou não, possuem um olhar mais atento para as relações humanas desde uma perspectiva ética e política com o seu entorno. Em um mundo machista e essencialmente patriarcal, as mulheres são subalternizadas e suas vozes silenciadas ou excluídas de processos decisórios que na maioria dos casos irá afetá-las mais do que a qualquer outro. Sendo o patriarcado um sistema de dominação que serve de base para outros tipos de dominação (raça, classe, religião), as relações são socialmente construídas por meio de determinantes ideológicos, étnicos, econômicos, etc. Nessa lógica dominante, a condição feminina torna-as mais alertas para todas as formas de destituição do poder, fazendo com que elas lutem com unhas e dentes pela construção de um mundo mais justo.

Sendo indígenas, as mulheres enxergam com ainda mais clareza que a exploração e a conservação estão imbricadas nessas construções e que precisam ser rompidas para manter aquilo que é de bom em suas tradições, em seus territórios, no seus modos de vida. As guerreiras indígenas da AGIR se dedicam a desmanchar os mecanismos de coerção estrutural que as rebaixam para níveis hierárquicos sem poder, o que elas querem e enfatizam em suas falas, é que mulheres e homens tomem as decisões em conjunto, que todos participem dos debates, e tenham voz ativa em suas comunidades. Isso porque se vive em conjunto, não são seres desconectados, são complexas relações comunitárias em que anciãos, adultos, jovens e crianças são impactados pelos resultados de ações externas e internas em seus territórios.

Cada um dos povos aqui representados neste trabalho por nossas entrevistadas, demonstram que as mulheres, mesmo que estejam em diferentes etapas dessa batalha, continuam empenhadas em mostrar seu potencial articulador em torno das múltiplas questões que envolvem o sustento de suas comunidades.

Sabemos que o caminho ainda será árduo, mas que as guerreiras estão sendo bem equipadas para a guerra com as armas disponíveis, o feminismo, a sororidade, o conhecimento e a partilha, enquanto nutrem seus corpos e dos seus com as pequenas vitórias que as vão acompanhando neste processo.

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Autor notes

[1] Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulheres e Relações Sociais de Gênero - GEPGÊNERO
[2] Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulheres e Relações Sociais de Gênero - GEPGÊNERO
[3] Historiadora, Mestre em Geografia pelo PPGG/UNIR; Doutoranda em Geografia pelo PPGG/UNIR; Sociofundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé; Pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Geografa, Natureza e Territorialidades Humanas (GENTEH)
[4] Membra da diretoria da Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia (Secretaria), liderança do Povo Migueleno.
[5] Feminista; Ativista indígena; Liderança do povo Kaxarari


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