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Conflitos e Tensões em Territórios Indígenas, ano de 2018: O caso das Terras Indígenas na Comunidade Kaxarari em Extrema, Rondônia
Conflicts and Tensions in Indigenous Territories, year 2018: The case of indigenous lands in the Kaxarari Community in Extrema, Rondônia
Revista Presença Geográfica, vol. 08, núm. 02, Esp., 2021
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 08, núm. 02, Esp., 2021

Recepção: 24 Janeiro 2021

Aprovação: 15 Junho 2022

Resumo: Esta pesquisa resulta de uma investigação realizada na Terra Indígena Kaxarari no ano de 2018 em Extrema no estado de Rondônia. O objetivo deste artigo foi de verificar os conflitos e tensões em territórios indígenas, mais precisamente na comunidade Kaxarari, objeto de estudo. O método utilizado para este estudo foi a abordagem etnográfica baseado em Souza (2013), por acreditar que, a partir desse método seria possível produzir uma visão autêntica dos fatos e relatos pesquisados. Como instrumentos metodológicos empregamos a observação participante e entrevista com a aplicação de questionários fundamentado em Godoy (1995b). Os principais conflitos existentes na Terra Indígena Kaxarari, conforme relatado pelas lideranças indígenas foram a entrada e permanência dos madeireiros, bem como, o pagamento de propina a alguns líderes de aldeias pertencentes a Comunidade Kaxarari. A assistência dos órgãos de proteção aos indígenas eram negligentes às garantias dos direitos básicos dos/as indígenas. Como conflitos internos, destacou-se os principais tipos de violência: doméstica e institucional. Portanto, diante das constatações verificadas, propomos o desenvolvimento de ações pontuais específicas, que dêem atenção às políticas públicas transversais de gênero, raça e etnia, enfatizando inclusive o empoderamento de mais mulheres nas lideranças indígenas.

Palavras-chave: Conflitos, Territórios Indígenas, Violência Doméstica, Lideranças Indígenas.

Abstract: This research results from an investigation carried out in the Kaxarari Indigenous Land in 2018 in Extrema in the state of Rondônia. The purpose of this article was to verify conflicts and tensions in indigenous territories, more precisely in the Kaxarari community, object of study. The method used for this study was the ethnographic approach based on Souza (2013), for believing that, using this method it would be possible to produce an authentic view of the facts and reports researched. As methodological instruments we used participant observation and interview with the application of questionnaires based on Godoy (1995b). The main conflicts existing in the Kaxarari Indigenous Land, as reported by the indigenous leaders, were the entry and permanence of the loggers, as well as the payment of bribes to some leaders of villages belonging to the Kaxarari Community. The assistance of indigenous protection bodies was negligent in guaranteeing the basic rights of indigenous people. As internal conflicts, the main types of violence were highlighted: domestic and institutional. Therefore, in view of the verified findings, we propose the development of specific specific actions, which pay attention to public policies of gender, race and ethnicity, including emphasizing the empowerment of more women in indigenous leaders.

Keywords: Conflicts, Indigenous Territories, Domestic violence, Indigenous leadership.

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta um estudo sobre os conflitos e tensões em territórios indígenas, no ano de 2018, em específico, nas terras indígenas da comunidade Kaxarari, no município de Extrema, Rondônia, parte da Amazônia Legal brasileira.

A pesquisa investigou sobre os conflitos em territórios nativos, pautado na ciência geográfica brasileira. A geografia é responsável por analisar os fenômenos relacionados às categorias de espaço, lugar, território, paisagem e região, assim como, verificar os contextos sociais, em diálogo com outras ciências como a antropologia, direito, etc.

Avaliar a complexidade dos conflitos e tensões reside em fatores sobre a maneira como os povos indígenas percebem e compreendem o mundo, da mesma forma, como os conflitos estão relacionados na política brasileira. De acordo com Zanatt (2014):

Conflito pode ser definido como a oposição de interesses, ideias e sentimentos, em que há uma luta, uma disputa por algo. Os conflitos surgem a partir deste contexto de dissociação de ideias e interesses. No caso das sobreposições territoriais entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas os conflitos se entrelaçam e envolvem diferentes atores, como as populações indígenas e as instituições responsáveis pela territorialização empreendida pelo Estado. Os conflitos relativos à apreensão do uso do território se relacionam com as legislações e obrigações dos atores territoriais. Tais conflitos vão influenciar na configuração espacial do território, e nas paisagens inseridas neste espaço em disputa (ZANATT, 2014, p. 24-25).

Para construção deste estudo realizamos uma visita à terra indígena Kaxarari. A viagem iniciou no dia 01 de Novembro do ano de 2018, acadêmicos/as e professores/as aguardavam a chegada de todos(as) envolvidos(as) para essa viagem. Graduandos/as e pós-graduandos/as do curso de Geografia da Universidade Federal de Rondônia – UNIR tinha como primeiro objetivo participar do I Encontro de Mulheres Indígenas Kaxarari, que aconteceu nos dias 01 e 02.11.2018 (Figura 1). Paralelo ao encontro foi realizado um diagnóstico com os indígenas presentes no evento e na aldeia que sediaram o evento.


Figura 1
Local do Evento: I Encontro de Mulheres Indígenas Kaxarari
Fonte: MENDES, M. L. M. Acervo Pessoal, 2018.

Através de uma parceria participaram do Projeto “Viver Kaxarari”, alunas e alunos que se inscreveram nas disciplinas: Populações Amazônicas, ministrada pelo Professor Dr. Adnilson de Almeida Silva. E na disciplina Geografia Cultural, sob a responsabilidade do Professor Dr. Josué da Costa Silva, e outros/as pesquisadores/as convidados/as dos Grupos de Pesquisas GEPCULTURA e GEPGÊNERO.

Sendo assim, uma das temáticas a ser trabalhada foi verificar Relações e Tensões dentro e fora da Terra indígena. E, para obter esses dados foi utilizado o método etnográfico, explorado aqui para demonstrar uma análise minuciosa e completa por meio de seus instrumentos e, uma participação ativa dos sujeitos pesquisados (SOUZA, 2013).

Através das observações durante o evento das mulheres Kaxarari, aplicou-se um questionário com as lideranças das comunidades do povo Kaxarari. A proposta metodológica de pesquisa que enlaça a geografia e a etnografia é uma forma de auxiliar pesquisadores/as em estudos científicos. Segundo Souza (2013, p. 55):

Denominamos essa interação de geoetnografia, que se caracteriza pela vivência do pesquisador com o ambiente pesquisado. Nesse caso, consideramos que a pesquisa se faz a partir do momento em que o pesquisador começa a pensar sobre ela, e não apenas quando inicia seu trabalho de campo. Da mesma forma, ela também não tem ponto final, mas uma pausa para pensar e até desconstruir certas afirmações.

Para desenvolvimento do Projeto “Viver Kaxarari”, houve uma parceria com o Instituto Federal de Rondônia – IFRO, em relação ao automóvel e motorista. Durante o trajeto, os/as pesquisadores/as enfrentaram alguns desafios, os quais, pessoas que moram e precisam fazer o mesmo percurso encaram diariamente. A estrada é asfaltada, mas, em alguns lugares, estavam em reforma ou construção, exigindo a espera em diversos locais e por longos períodos.

Um dos trajetos que mais chamou a atenção foi a travessia com a balsa, observamos que há um projeto para a construção de uma ponte onde não precise apenas da balsa, mas, infelizmente é um plano estagnado, invibializando melhorias para a população rondoniense.

Após um dia de viagem, acadêmicos/as e professores/as chegaram ao local do evento. Bem recepcionados/as pelos/as moradores/as e convidados/as, houve a continuidade de uma experiência única, que cada pessoa integrante poderia vivê-la a seu modo.

Alguns pela primeira vez, outros/as pela segunda ou terceira vez, mas com a certeza de que o Povo Kaxarari teria muito a contribuir e compartilhar com todes[1].

As entrevistas foram realizadas com as lideranças Kaxarari, caciques e cacicas descritas abaixo:

a)Américo Costa Kaxarari (Manu) – Aldeia Barrinha;

b)Paulo Costa Kaxarari / Maria das Graças Martins Kaxarari – Aldeia Txakuby;

c)Miguel Alves Costa Kaxarari / Maria Costa Kaxarari – Aldeia Nova;

d)Manoel caxinauá (Maru) / Raimunda Kaxarari – Aldeia Buriti;

e)Ivaneide Kaxarari (Porexá) – Aldeia Central;

f)Domingos Martins Kaxarari / Rita Alves Costa Kaxarari – Aldeia Marmelinho;

g)José Cézar Kaxarari (Mayá) / João Souza da Silva Kaxarari (Rixá) – Aldeia Kawapu;

h)Lucilene Souza da Silva Kaxarari / Franco Cézar Kaxarari – Aldeia Paxiú-ba;

i)Marizina Cézar Kaxarari / Negão Kaxarari – Aldeia Pedreira

j)Edson - Presidente da Organização KAIBU.

Sendo assim, no ano de 2018 constatou que, nove (09) aldeias constituíam o povo Kaxarari, em todas as aldeias existiam as lideranças e destas, seis (06) eram homens e três (03) mulheres. A função dos caciques e cacicas relatado nas entrevistas: oferecer suporte as comunidades indígenas do povo Kaxarari, resolver os conflitos internos e externos, procurar melhorias em relação à saúde, educação, infra-estrutura em meio ao governo e autoridades competentes.

Por considerar a subjetividade, especificidade do gênero feminino e a construção de uma sociedade patriarcal (SILVA & ALVES, 2019), na comunidade Kaxarari as mulheres indígenas ocuparam um espaço considerável nas discussões e decisões do povo Kaxarari. Elas articulam encontros, fazem artesanatos, ou seja, iniciaram o processo de interseccionalidade à ciência geográfica, conceito descrito por Silva e Nascimento Silva (2014).

Por outro ângulo, foi visto que os homens tentam dominar os espaços das mulheres, porém, as cacicas se mostraram um tanto empoderadas, e repercutindo suas idéias para melhoria e independência das mesmas. As decisões entre as aldeias da comunidade Kaxarari, tinha a participação garantida de todas as pessoas maiores de idade entre homens e mulheres.

As próprias lideranças relataram que trabalham juntos/as, no entanto, a divisão de tarefas para homens e mulheres era específica: aos homens, o trabalho na roça, quebra de castanha, e, para a mulher, os trabalhos voltados aos cuidados da casa, do marido e filhos/as.

Os conflitos e tensões envolvendo a terra indígena Kaxarari, existiam dentro e fora do território nativo, os conflitos foram marcados principalmente com a entrada dos madeireiros. Isso se tornou um conflito a partir do momento em que, alguns indígenas permitiram o livre acesso de tais madeireiros. Para Zanatt (2014) esse é um conflito de cunho territorial, referente às diferentes maneiras de se utilizar o território.

A constituição de 1988 foi um avanço em relacionados aos povos nativos e reconheceu legalmente as terras ocupadas por eles. Conforme destacado nos artigos a seguir:

1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existente (Brasil, 1988).

A constituição garante que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, além dos direitos à propriedade garantida são imprescritíveis. Portanto, a análise dos conflitos e tensões na comunidade indígena Kaxarari, será possível a partir da compreensão de como se constitui o território e a assistência garantida em lei, pelos órgãos e autoridades competentes a essa população.

Os aspectos citados apontam para a necessidade de uma análise intercultural entre os relacionamentos dentro da comunidade indígena pesquisada, bem como, o fortalecimento de políticas públicas eficaz no uso do território.

OBJETIVOS

O objetivo geral deste artigo é investigar os conflitos e tensões em territórios indígenas, mais precisamente, na comunidade indígena Kaxarari, no ano de 2018, em Extrema, estado de Rondônia, parte da Amazônia Legal brasileira. Como objetivos secundários estão a apresentação dos principais conflitos existentes a partir das narrativas das lideranças da terra indígena Kaxarari, assim como, verificar a eficiência das instituições parceiras ou programas de apoio ao acesso a terra.

METODOLOGIA

Por considerar a necessidade de aprimorar os conhecimentos e entender mais precisamente a realidade pesquisada. A Geografia adotou de outras ciências, qualitativas técnicas e procedimentos que não se limita ao/a pesquisador/a apenas à coleta de dados quantitativos.

Neste sentido utilizamos a etnografia como suporte metodológico na realização desta pesquisa. Da mesma forma que é o estudo etnográfico responsável por produzir uma visão autêntica dos fatos. Souza (2013) realizou uma análise do autor Malinowski, considerando então que junto ao povo indígena, a verificação por meio do estudo etnográfico terá sucesso, se a observação for minuciosa e com a devida atenção que merece.

O autor afirma que é necessário conhecer o idioma nativo, afastar-se de outras pessoas da sociedade externa e conviver dentro da aldeia. Só assim, o pesquisador não seria um elemento perturbador para o grupo pesquisado. Bem como, a experiência de obter uma visão integral do dia a dia do povo indígena (SOUZA, 2013).

Portanto, a partir da perspectiva etnográfica nos propomos a escrever este artigo, e oportunizar as lideranças indígenas da terra Kaxarari um espaço de fala relacionado aos conflitos existentes nas aldeias. As entrevistas foram realizadas com 09 (nove) lideranças indígenas do povo Kaxarari.

Os instrumentos metodológicos utilizados foram a observação participante e entrevistas semi-estruturadas por meio de questionário. Para tanto, a pesquisa etnográfica abrange a descrição e a interpretação de determinado grupo, e o pesquisador deve tentar relacionar os fenômenos observados e vividos como conhecimento teórico baseado em sua temática de pesquisa (GODOY, 1995b).

RESULTADOS/AVANÇOS

O FENÔMENO DAS TENSÕES E CONFLITOS CONTRA A COMUNIDADE INDÍGENA KAXARARI

A Terra indígena Kaxarari foi homologada pelo decreto s/n° em 13 de agosto de 1992, localizada na Amazônia Legal brasileira, no município de Extrema, no estado de Rondônia e divisa com Acre e Amazonas (Figura 2).


Figura 2
Mapa da Terra Indígena Kaxarari
Fonte:https://www.terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3727/. Acesso 23/01/2021.

A população indígena Kaxarari pertence a família lingüística Pano, de acordo com a última estatística (2014), havia aproximadamente 445 pessoas pertencentes a comunidade indígena (Site/terrasindígenas.org.br)

Para analisar e investigar sobre os conflitos contra os povos indígenas Kaxarari é preciso discutir, as características que envolvem o uso do território, e a assistência dos órgãos governamentais e redes de apoio as questões e povos indígenas.

A principal instituição envolvida com os direitos indígenas, a demarcação e a gestão das Terras indígenas é a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a mesma tem como princípios:

I - estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista, baseada nos princípios a seguir enumerados: a) respeito à pessoa do índio e as instituições e comunidades tribais; b) garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de tôdas as utilidades nela existentes; c) preservação do equilíbrio biológico e cultural do índio, no seu contacto com a sociedade nacional; d) resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas;

II - gerir o Patrimônio Indígena, no sentido de sua conservação, ampliação e valorização;

III - promover levantamentos, análises, estudos e pesquisas científicas sobre o índio e os grupos sociais indígenas;

IV - promover a prestação da assistência médico-sanitária aos índios;

V - promover a educação de base apropriada do índio visando à sua progressiva integração na sociedade nacional;

VI - despertar, pelos instrumentos de divulgação, o interesse coletivo para a causa indigenista;

VII - exercitar o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio. (BRASIL, LEI Nº 5.371).

Os indígenas têm autonomia para fazer uso do território demarcado, porém, há divergências sobre a eficiência dos órgãos de proteção a essa população. Outro viés discutido é de que os indígenas habitam em suas terras muito antes da criação ou regularização das mesmas, por isso, não apenas pelo direito de usar o território, como também são responsáveis pela manutençãoda biodiversidade ali existente (ZANATT, 2014).

A assistência dos órgãos governamentais como IBAMA, IDARON, Ministério Público, Educação, Saúde e outros, são fundamentais para a resolução ou o aumento de tensões e conflitos. Fany Ricardo (2004) adverte que os conflitos em terras indígenas se configuram de forma acentuada na região amazônica, pois essas populações estão mais vulneráveis, com menos condições de exercer sua cultura diferenciada, assim como proteger suas terras.

A FUNAI conforme relatou todas as lideranças entrevistadas, são negligentes às questões indígenas. De acordo com Zanatt (2014) o Estado Brasileiro historicamente nunca resolveu os conflitos nas terras indígenas. Ainda, Leitão (2004) afirma que há uma negligência por parte dos governos em resolver com questões indígenas, além dos casos serem tratados com pouca seriedade pela esfera pública.

Os/as indígenas vivem casos de preconceitos e discriminação em diversos lugares, os quais necessitam freqüentar, fora da terra indígena. O mesmo acontece com a violência, a qual está se tornando mais visível, já se tem relatos de violência doméstica, apesar de, algumas mulheres ficarem em silêncio. Por outro lado, outras indígenas conseguem dizer o que passou e porque suportou a violência.

Dona Antônia, por exemplo, explica:

Já sofri violência pelo meu falecido marido indígena, além do meu marido, sofri também do filho e neto dele. Hoje não sofro violência com meu atual companheiro, mas me sujeitei a violência porque tinha medo das ameaças que eram constantes” (Dona Antônia, 55 anos).

Outra violência denunciada através das entrevistas foi a relação das adolescentes indígenas com os não indígenas principalmente madeireiros.

Um caso não menos preocupante, que também está mais visível em algumas aldeias do povo Kaxarari é o tráfico de drogas, entendido por meio dos relatos que começou acontecer por causa da influência do/a não indígena.

Quando há indícios de violência doméstica e tráfico, a solução fica na responsabilidade do cacique ou cacica, cada qual é responsável pela sua comunidade indígena, caso uma liderança precise da ajuda de outros líderes tem a liberdade de pedir auxílio e, os demais manifestam suas opiniões.

Segundo as lideranças está se tornando cada dia mais comum na terra Kaxarari, os relacionamentos com jovens indígenas e não indígenas, afirmam que isto acarreta muitos problemas para a comunidade, sendo principal motivo: a não adaptação do homem ou mulher “branca"[2] na aldeia e, por isso não aprovam os casamentos com pessoas não indígenas.

O principal castigo à pessoa não indígena é a expulsão destas, caso não obedeçam às regras de cada aldeia indígena, conforme relata a liderança (I/AC): “se a pessoa que não é indígena infringir as regras esta pessoa é expulsa da comunidade” (I/AC).

Os crimes como homicídios não são recorrentes na comunidade indígena Kaxarari. No entanto, segundo as lideranças entrevistadas já aconteceram crimes envolvendo nativos e pessoas da sociedade externa. Nesses casos, a polícia militar foi acionada, porém, estes crimes continuam sem decisão da justiça, alguns porque não encontraram o réu e outros porque segundo os/as entrevistados/as “não deu em nada"[3].

Portanto, observou-se a existência de diversos tipos de violência existentes na comunidade indígena Kaxarari. Sendo assim, os sub tópicos foram criados a fim de exemplificar melhor as temáticas de violência e invisibilidade de gênero, principais aspectos de conflitos e tensões no campo estudado.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência doméstica é uma realidade nas aldeias indígenas Kaxarari, ainda invisível, as mulheres não falam do que sofrem, e os homens em muitos casos tratam o assunto como normal. Quando admitem que haja casos de violência doméstica, ressaltam que é resolvido entre as aldeias. Cada líder é responsável em conversar e resolver os conflitos entre os casais.

Existem casos de violência doméstica na aldeia. Quando isso chega ao conhecimento do cacique o mesmo se reúne com a família pra saber quem começou a discussão e procura analisar os casos pra não se repetir e na maioria das vezes a própria família decide e tentam se resolver” (M/AN).

Violências domésticas existem, a maioria das mulheres sofrem violência e não falam porque têm medo e são ameaçadas. Minha experiência, sofri violência e tive que sair da aldeia onde morava com o antigo esposo e fugi para aldeia onde moro atualmente”(P/K).

Segundo a cacica (P/K), a violência com homens brancos é ainda maior, além disse, existe facção nas aldeias. E, essa realidade reflete nos relacionamentos, aumentando o número de violências.

As mulheres ainda têm pouca manifestação em meio aos povos, falam pouco, é verídica a existência da violência doméstica, mas, poucas mulheres procuram conversar com a cacica.

Bascom (2014) afirma que a violência contra a mulher indígena no Brasil, existe desde a chegada dos colonizadores, talvez, a mulher indígena sem entendimento, sofreu a agressão no campo subjetivo que não tardou a se materializar na forma de violência sexual, devido muitas serem “estupradas"[4].

A violência contra a mulher indígena é resultado de uma construção histórica conforme explica Heilborn, Araújo & Barreto (2011c, p. 28):

Os/As indígenas de toda América do Sul eram considerados/as “bárbaros/as” ou “infiéis” pelos missionários/as católicos/as como os/as jesuítas, dominicanos/os e franciscanos/as. O argumento é de que eles não conheciam a “verdadeira fé”, fé católica, e por isso deveriam ser catequizados/as. Pela catequização se tentou exterminar a religião, a cultura e os valores indígenas. Além da escravidão de indígenas, as ordens religiosas proibiam a pajelança, a poligamia, o nomadismo, a nudez e a antropofagia.

Sendo assim, a violência doméstica contra as mulheres indígenas, foi pautada na tentativa de desconstrução de sua cultura, ao mesmo modo, em que lhes impuseram as normativas da cultura ocidental baseada no sexismo (BASCOM, 2014). Mesmo as lideranças femininas no povo Kaxarari possuem dificuldade para afirmar que existe a violência doméstica, ao mesmo tempo em que, atribui para cada família, a responsabilidade de resolver o problema entre o casal, impossibilitando a mulher de conhecer e utilizar de seus direitos que são assegurados pela Lei Maria da Penha.

VIOLÊNCIA COM OS NÃO-INDÍGENAS

O estigma alimentado contra os povos indígenas está presente atualmente junto a sociedade externa, baseado no colonialismo, suas características étnicas e culturais não são respeitadas, resultando em diversos conflitos (BASCOM, 2014). O relacionamento dos indígenas e não indígenas não é normal às lideranças, além de aumentar violência na comunidade Kaxarari. E isso fica mais claro no relato das pessoas entrevistadas:

O relacionamento dos jovens indígenas está cada vez mais comum terem contato com os não indígenas. Atualmente muitos estão casando com os não indígenas. Se um não indígena que mora na aldeia cometer erros este é castigado” (M/AN).

Antes não podiam casar com branco, antes quando um branco queria casar com alguém da aldeia era dada a mulher mais velha pra não ter filho com branco, atualmente essas regras não existem mais, está cada vez mais comum haver casamentos entre brancos e indígenas” (P/K).

Os casamentos com os não indígenas é uma preocupação das lideranças, pois, este acreditam que muitas coisas ruins eles trazem para dentro da aldeia. Não somente os costumes, mas a bebida, tráfico de drogas e prostituição. “Alto número de prostituição com meninas indígenas entre 12 e 13 anos de idade. Há usuários de drogas. As meninas não querem ser indígenas, querem viver a vida dos brancos. Não querem falar mais na língua materna” (P/K).

I/AC tem um genro que não é indígena, ela afirma que este não é igual, não se envolve não se mistura com os indígenas. “Por isso é difícil o relacionamento com os “branco"[5], porque estes não demonstram interesse pelas causas nem pelos povos indígenas” (I/AC).

Não existem leis que proíbe casamentos indígenas, mas, a regra na aldeia Kaxarari é não casar com os não indígenas. Quando é efetivado um casamento, os sujeitos ficam expostos as regras impostas pelas lideranças da aldeia, seja homem ou mulher.

Shirley (2010) alega como direito indígena o termo consuetudinário, ou seja, a família e a comunidade são as responsáveis e ordenadoras da aplicação de sanções previstas no controle social, ou seja, à família e ao cacique ou cacica é dado a responsabilidade de resolver conflitos e comungar acordo, bem como, específico a cada caso em particular.

A aceitação das pessoas da sociedade externa baseia-se em obedecer e cumprir os deveres de acordo com as leis indígenas. Porém, conforme descrito nas entrevistas: é mais fácil o indígena abandonar a aldeia, do que o não indígena fixar moradia na comunidade.

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

A violência institucional retrata a falta de assistência dos órgãos competentes às necessidades básicas como saúde, educação e infra-estrutura conforme relatou, as lideranças dos povos indígenas Kaxarari.

Todas as lideranças relataram a falta de assistência dos órgãos competentes, principalmente a FUNAI. Como principais negligências destacaram as invasões de madeireiros e a permanência destes em terras indígenas. Essa realidade é confirmada por (M/AN):

Existem casos de invasões atualmente. Outros parentes deixaram algumas pessoas entrarem na terra e hoje não querem sair. Existem muitas famílias “brancas” nessa situação, algumas, já estão há cinco anos em nossas terras. A justiça não se manifesta, e por isso precisamos nos organizar para cobrar esta decisão. Em relação a outras instituições, como FUNAI, SEDAM, Ministério Público, nós indígenas completamente desassistidos. Os órgãos governamentais vêem as invasões, sabem do que acontecem, porém, não se manifestam. Os principais conflitos são com os madeireiros, ano passado (2017) houve até homicídios com parentes por parte dos madeireiros” (M/AN).

Durante a realização da pesquisa, constatou-se que a equipe de saúde demorava meses pra chegar até as aldeias Kaxarari. Eram precários os números de profissionais, como dentista, ginecologista e outros especialistas na área de saúde, além da insuficiência em transportes.

A garantia de direitos básicos está consolidado no Estatuto do Índio e outra Leis conforme expõe Bascom (2014, p. 29):

O direito indigenista no Brasil está consolidado no Estatuto do Índio, (Lei nº 6.001, de dezembro de 1973), nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, além do Estatuto a Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010). É importante compreender que na elaboração destas Leis, os povos indígenas tiveram pouca ou nenhuma participação. Também deve-se ter em mente que embora muitas literaturas se refiram às Leis citadas como direitos indígenas, estas leis devem ser entendidas como direito exógeno a estes povos, pois foram pensadas e positivadas por legisladores não índios, ao contrário de seu direito endógeno, que é extraído das relações de vivência e traz em seu bojo uma carga moral e cultural.

A população Kaxarari tinha como garantia básica e avançada de saúde sob a responsabilidade governamental do estado do Acre, e a Educação ficava a critério do estado de Rondônia. A educação possuía déficit em qualidade de ensino, materiais didáticos, profissionais qualificados e merenda escolar. Conforme relatado pelas lideranças indígenas, nas aldeias era oferecido apenas até o 6º ano/série do ensino fundamental. Dessa forma, relatou algumas lideranças entrevistadas da comunidade indígena Kaxarari:

A FUNAI não dá nenhum apoio as comunidades indígenas. Existe um total abandono às nossas terras. A educação é de Rondônia, mas, não vem merenda pra escola, não temos recurso para infra-estrutura, nem material didático. Todos os repasses financeiros ficam com a FUNAI e, quanto a merenda, fica de 03 a 04 meses sem chegar merenda aos alunos. Quando a merenda chega, esta é precária e de baixa qualidade. Outras instituições governamentais como o IBAMA, sua atuação nas terras indígenas foi de apenas prejudicar, porque queimaram os meios de transporte que os indígenas utilizavam para quebrar castanha, em vez de responsabilizar os grandes madeireiros” (P/K).

Em relação a saúde e a educação não são atendidos como deveria ser. “A FUNAI não ta nem aí pra nós, tem quatro anos que tem a estrada, antes era apenas carreador. A estrada foi aberta pelos próprios madeireiros, o governo não teve participação para abrir as estradas” (I/AC).

O relacionamento com a FUNAI é precário” (M/AP).

A escola está sem merenda, a demanda não consegue atender todos e todas em relação a saúde. O carro estava sem dinheiro do combustível pra fazer os atendimentos” (L/AK).

A comunidade Kaxarari está localizada no município de Extrema, este fica na divisa entre os estados de Rondônia, Amazônia e Acre, a terra indígena citada é dividida em nove aldeias. Os depoimentos acima, foram descritos por caciques e cacicas de aldeias que têm melhor acesso via terrestre.

Por outro lado, a aldeia Buriti é a mais distante da localização principal da comunidade indígena. O líder dessa aldeia falou sobre as dificuldades que enfrentam em relação a assistência dos órgãos governamentais:

A FUNAI demora mais de ano para visitar nossa aldeia. Só tem um professor lá, muitas crianças pararam de estudar, na língua portuguesa não tem professores. O IBAMA já foi na aldeia mas, tiveram conflitos devido alguns invasores que estavam na aldeia. Quando necessitamos de algo somos os últimos a ser atendidos porque ficamos muito distante, 160km daqui[6]. A saúde também é precária, eles demoram aproximadamente 3 meses para visitar e dar assistência a saúde na aldeia Buriti (M/AB).

CONFLITOS INTERNOS E EDUCAÇÃO D@S FILH@S: FUTUROS LÍDERES

Dentre os aspectos descritos que desenvolvem tensões e conflitos na Terra Indígena Kaxarari, e sobre as leis de proteção e garantias a essa população, Bascom (2014) reforça a idéia de que os indígenas têm suas próprias leis, direito, imagina-se, portanto, que cada etnia têm variadas formas de lidar com os conflitos internos, entrando em acordos na maioria das vezes sem a interferência do Estado.

Segundo o relato do senhor (A/AB), os povos Kaxarari foram descobertos em 1968 por uma das lideranças que hoje é falecido e deixou como sucessor seu filho, senhor A. da aldeia Barrinha, que se denomina como cacique.

Para o cacique (A/AB), existe diferença entre alguns povos Kaxarari, ou seja, uns possuem maiores prestígios e melhor renda financeira. Os conflitos acontecem entre os próprios integrantes da comunidade indígena, por isso, criaram outra organização dentro da comunidade Kaxarari.

As atividades domésticas também são exclusivas para homens e mulheres indígenas. Aos homens cabe a responsabilidade de plantar seringa, trabalhar na roça, quebrar castanha; as mulheres ficam com as tarefas da casa, como limpar, cozinhar, lavar e cuidar dos/as filhos/as e marido.

De acordo com o senhor P. da Aldeia Txakuby, para as decisões numa determinada aldeia só é permitida a opinião de outra liderança se a mesma for convidada, caso contrário, não é permitido o envolvimento de opiniões alheias. Lobo (2006) afirma que os sistemas abrangidos podem ser de origem estatal e instituídos a partir de sua organização política sobre o território.

M. cacique da Aldeia Nova é professor na comunidade onde é responsável. É docente desde 1987, luta por benefícios para a comunidade, educação, saúde, leva informações à aldeia. Possuem na aldeia, conselheiro e agente de saúde. O líder da Aldeia Nova explicou que:

A mulher fica em casa, cuida dos serviços de casa, o homem vai caçar, fazer roçada, a mulher também ajuda a plantar na roça. A comunidade é quem escolhe os caciques e cacicas. Eles escolhem as pessoas que melhor representam a aldeia e possuem vontade de ajudar. E como líderes precisam se organizar para melhor resolver os conflitos (M./AN).

Com o relato do cacique (M/AN), foi possível entender que a regra na comunidade Kaxarari, a responsabilidade pela educação dos/as filhos/as é da mãe. Desde criança as meninas aprendem a cuidar da casa e os meninos aprendem a trabalhar na roça.

Outro desafio segundo as lideranças indígenas é resgatar a língua materna, uma vez em que, com a falta de estímulo estão perdendo o hábito de falarem a língua de origem. As crenças de origem indígena também estão desaparecendo, com entrada das religiões cristãs nas aldeias, a maioria dos indígenas se classificam como evangélicos. “O direito interno aos povos indígenas é integralmente construído de acordo com seus usos, costumes e tradições” (BASCOM, 2014, p. 30).

Em relação aos crimes e a relação com a polícia, o cacique (M/AN) relatou:

Já houve crimes nas aldeias e a polícia foi chamada. Recente teve um crime de parentes por briga de castanha, mas, a polícia não encontrou os homens que mataram os parentes. Aconteceu outro crime com branco e parente num ponto de castanha, mas, ainda está em investigação. A polícia também não pode entrar na aldeia sem a permissão da FUNAI (M/AN).

As relações de tensões e conflitos nas aldeias Kaxarari, assim como as divisões do trabalho doméstico são reflexos da cultura indígena, transferida de geração a geração. A entrevista com o presidente da Organização KAIBU reafirmou a necessidade de buscar melhorias para as aldeias.

Segundo o presidente, atualmente algumas escolas e postos de saúde estão em construção, obras que estavam paradas há muito tempo. O representante está a dois anos no cargo e criticou os representantes antecessores por não apresentar de acordo com sua visão um trabalho eficiente diante da comunidade indígena (P/OK).

Existem vários indígenas que aceitam propinas dos madeireiros, por dia chegam a lucrar R$ 2.000,00. A FUNAI é a responsável junto a outros órgãos como IBAMA e Exército. Mas, essas instituições não dão apoio aos indígenas. Os representantes da FUNAI são indígenas e o que impede as colaborações são os próprios conflitos internos entre os povos indígenas, brigas de poder entre os líderes indígenas. A saúde é uma vergonha, é mantida pelo Acre. Crimes já aconteceram, três mortes na aldeia, mas não foi resolvido. Acabou em nada.

I. da Aldeia Central, segundo ela não há diferença entre cacique homens e mulheres. Na aldeia, o homem faz roçada, planta, e a mulher também ajuda na roça, no artesanato o homem também auxilia. Para tomar decisões é preciso sentar e decidir com a comunidade.

A menina é ensinada a cuidar da casa. O menino é ensinado a fazer serviços junto ao pai, roçar, caçar, quebrar castanha, os responsáveis ensinam o respeito e este vale pra homens e mulheres, as meninas também aprendem a cuidar do marido. A educação dos filhos é direcionada ao pai e a mãe.

Existem muitos casos de invasões, principalmente de madeireiros, antes também tinha muita invasão de caça e pesca. Atualmente é mais a saída de madeiras e drogas. “A saída da madeira é necessário combater, porém, alguns parentes deixam e convidam os madeireiros” (I/AC). A cacica já foi muito ameaçada pelos parentes segundo ela, “os indígenas não possuem ajuda nem renda de nada. A única renda é a época da castanha e sua produção é de novembro a abril” (I/AC).

No caso da castanha, segundo a líder I. da aldeia Central, se tiram muito estraga, se não tiram estraga também. O dinheiro que é recolhido pelos madeireiros, cada qual fica com sua parte e faz o que achar necessário. O gado é de poucos indígenas, não vendem o leite, mas os animais servem de alimento e às vezes vendem pra comprar algo, mas há dificuldade em formar pasto, fazer cerca. Muitas pessoas não têm salário e não tem como viver.

M. da Aldeia Pedreira, é sabedora indígena, trabalha com as mulheres da aldeia onde mora. As mulheres participam das decisões juntos aos homens. Para ela os filhos precisam estudar. Nessa aldeia tem educação até o ensino médio.

L. da aldeia Paxiú-ba afirma que os meninos são ensinados a fazerem os serviços mais pesados. Porém, é necessário dar prioridade a educação. Não houve confrontos com a polícia. Sofrem discriminação e preconceito por serem indígenas. São julgados como vagabundos, que não trabalham e não precisam de terra.

M. da Aldeia Buriti, sua função é cuidar da comunidade, tem 15 famílias, é a aldeia mais distante. A equipe da saúde demora até três (03) meses pra fazer visita na aldeia. Os homens trabalham com colheita da castanha, farinha, a venda é realizada pela maioria homens. Este foi escolhido cacique porque fala melhor a língua portuguesa.

Existem invasões de madeiras e castanhas pelos atravessadores que vão comprar, porque eles não têm meio de transporte. Porém, não existem conflitos com esses atravessadores.

Tentamos resolver as violências e brigas nas aldeias através de diálogo. As mulheres e homens decidem juntos. A educação dos filhos são mais responsabilidades do pai. O menino aprende de acordo com a profissão que ele queira e tentar buscar meios pra eles conseguirem, se quer ser jogador, um cacique, engenheiro.

Houve crime de indígena com branco, o branco estava invadindo a castanha e o indígena matou o homem branco e até o momento não foi localizado.

Sabendo que, conforme relatado nos discursos das lideranças indígenas do povo Kaxarari, os conflitos existem principalmente com a permissão de alguns líderes indígenas aos madeireiros e permanência destes, a violência existe em vários ângulos nas aldeias que compõe o povo Kaxarari, entre elas as que mais se destaca é a violência doméstica e institucional, esta última pela precariedade na assistência e garantias dos direitos indígenas.

Portanto, a população indígena Kaxarari é uma entre as diversas etnias que necessitam do olhar sistêmico, e da articulação com a ciência geográfica para a ocupação do espaço. Moreira (2020) afirma que, a partir do momento em que propiciar um olhar geograficamente humano, assim como proporcionar ações que reduzam os preconceitos e estereótipos toda a sociedade receberá uma resposta positiva em meio a diversas culturas e etnias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo investigar os conflitos e tensões em territórios indígenas, mais exatamente, na comunidade indígena Kaxarari, no ano de 2018, em Extrema, estado de Rondônia, parte da Amazônia Legal brasileira. E, como objetivos secundários: apresentar os principais conflitos existentes a partir das narrativas das lideranças da terra indígena Kaxarari, assim como, verificar a eficiência das instituições parceiras ou programas de apoio ao acesso a terra.

Os indígenas pertencentes ao povo Kaxarari relataram conhecer seus parentes, mas não visitavam os mesmos e também não eram visitados, devido a falta de transportes e a localização ser muito distante segundo eles, por isso vêem os mesmos apenas em encontros indígenas que acontecem em diferentes lugares do país.

A semelhança das garantias básicas de direito da pessoa indígena, como educação, saúde, segurança, infra estrutura, demonstraram que, mesmo vivendo em aldeias diferentes, algumas mais distantes, o objetivo das lideranças são comuns: aprimorar a qualidade de vida do coletivo.

Por outro lado, a experiência de conhecer um pouco da história do povo Kaxarari foi enriquecida de conhecimentos vernarcular. Tornando-se importante, pesquisas como essa, pois há necessidade de uma desconstrução de opiniões falsas a respeito dos povos indígenas, é preciso conhecer seus costumes, crenças, cultura para então respeitarmos seu modo de vida.

Este encontro foi marcado de situações e vivências sendo possível perceber o engajamento das lideranças para melhorias a comunidade indígena Kaxarari, bem como, a ocupação do espaço de liderança da mulher nas decisões importantes da população indígena.

Portanto, a única exclusão comprovada, é da população externa que discrimina os indígenas, e a necessidade de maior eficiência na assistência dos direitos e garantias básicas de qualidade de vida aos indígenas, estabelecidas em Leis e órgãos de proteção a população nativa.

Ante a estas constatações propõe-se o desenvolvimento de ações pontuais específicas, que de atenção as políticas públicas transversais de gênero, raça e etnia, enfatizando inclusive o empoderamento de mais mulheres nas lideranças indígenas. Como destacou Agende (2007, s/p) “nenhuma sociedade trata tão bem suas mulheres como trata seus homens”. “Ou seja, a questão gênero ainda permeia o universo de todos os povos” (BASCOM, 2014, p. 57).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado, 1988.

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LOBO, Luiz Felipe Bruno. Direito indigenista brasileiro: subsídios à sua doutrina. São Paulo: LTR, 2006.

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SOUZA, Angela Fagna Gomes de. Saberes Dinâmicos:o uso da etnografia nas pesquisas geográficas qualitativas. In: MARAFON, G.J., RAMIRES, J.C.L., RIBEIRO, M.A., and PESSÔA, V.L.S., comps. In: Pesquisa qualitativa em geografia: reflexões teórico-conceituais e aplicadas [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, 540 p. ISBN 978-85-7511-443-8. https://doi.org/10.7476/9788575114438.

ZANATT, Vinícius Galvão. CONFLITOS INSTITUCIONAIS EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS:O caso das Terras Indígenas da Ilha do Bananal e o Parque Nacional do Araguaia – To. Monografia de final de curso submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Brasília como parte dos requisitos para obtenção do grau de bacharel em Geografia. Brasília, 2014.

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SHIRLEY, Roberto Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.

Notas

[1] Linguagem inclusiva para evitar preconceitos, discriminações e ofensas a indivíduos ou grupos, visando garantir a igualdade constitucional a todas as pessoas.
[2] Forma de expressar a mulher não indígena.
[3] Dupla negação, que significa sem acordo, ou que nada foi resolvido.
[4] Relações sexuais ou prática de ato libidinoso (com alguém) sem consentimento.
[5] Pessoa não indígena.
[6] Distância calculada do local onde ocorria o evento (município de Extrema, RO) para a moradia do líder entrevistado.


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