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Luta e resistência do Povo Tenharin frente ao empreendimento Barragem Tabajara no rio Machado
Fight and resistance of the Tenharin People in the face of the Tabajara Barrage project on the Machado river
Lutte et résistance du peuple Tenharin face au projet de barrage de Tabajara sur le Rio Machado
Revista Presença Geográfica, vol. 08, núm. 02, Esp., 2021
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 08, núm. 02, Esp., 2021

Recepção: 27 Fevereiro 2021

Aprovação: 16 Setembro 2021

Resumo: A História do Povo Tenharin está envolta nos processos de ocupação da Amazônia, principalmente aqueles ligados ao sistema de Seringal e a construção da BR-230, nos anos 1970. A Transamazônica, como política estatal, modificou a organização social, cultural, política, econômica e estrutural das aldeias. Estrategicamente, os Tenharin passaram a ocupar a margem da estrada, como forma de garantir a defesa territorial e cultural, num esforço de empreender a luta por seus direitos constitucionais. Este trabalho teve como objetivo problematizar os dilemas da "ilusão da participação" de povos indígenas, especialmente os Tenharin-Kagwahiva afetados pela implementação de grandes empreendimentos, notadamente no que concerne a Hidrelétrica do Tabajara. De fato, 50% dos castanhais naturais da terra indígena Tenharin irão ser comprometidos pela hidrelétrica. Além disso, este trabalho buscou pontuar as estratégias indígenas de resistência frente a ação da agência estatal.

Palavras-chave: conflitos socioambientais, Tenharin Kagwahiva, Sul do Amazonas.

Abstract: The History of the Tenharin People is involved in the processes of occupation of the Amazon, mainly those linked to the Seringal system and the construction of the BR-230, in the 1970s. The Transamazônica, as a state policy, changed the social, cultural, political and economic organization and structural of the villages. Strategically, the Tenharin started to occupy the side of the road, as a way to guarantee the territorial and cultural defense, in an effort to fight for their constitutional rights. This work aimed to problematize the dilemmas of the "illusion of participation" of indigenous peoples, especially the Tenharin-Kagwahiva affected by the implementation of large projects, especially with regard to the Tabajara Dam. In fact, 50% of the natural nut groves in the Tenharin indigenous land will be compromised by the hydroelectric plant. In addition, this work sought to highlight indigenous resistance strategies against the action of the state agency.

Keywords: socio-environmental conflicts, Tenharin Kagwahiva, South of the Amazonas.

Résumé: L'Histoire du Peuple Tenharin est impliquée dans les processus d'occupation de l'Amazonie, principalement ceux liés au système Seringal et à la construction de la BR-230, dans les années 1970. La Transamazônica, en tant que politique de l'État, a changé la donne sociale, culturelle, l'organisation politique et économique et structurelle des villages. Stratégiquement, les Tenharin ont commencé à occuper le bord de la route, comme un moyen de garantir la défense territoriale et culturelle, dans le but de lutter pour leurs droits constitutionnels. Ce travail visait à problématiser les dilemmes de « l'illusion de participation » des peuples autochtones, notamment les Tenharin-Kagwahiva touchés par la mise en œuvre de grands projets, notamment en ce qui concerne le barrage de Tabajara. En fait, 50% des plantations de noix naturelles dans les terres indigènes Tenharin seront compromises par la centrale hydroélectrique. En outre, ce travail a cherché à mettre en évidence les stratégies de résistance indigènes contre l'action de l'agence étatique.

Mots clés: conflits socio-environnementaux, Tenharin Kagwahiva, Amazonie.

INTRODUÇÃO

O Rio Machado, afluente do Rio Madeira, foi um dos canais de escoamento de seringa e lenha das regiões do interior do estado de Rondônia no século XVIII. Foi pelo rio Machado que nos anos de 1950 os garimpeiros se instalaram na região de Rondônia, que posteriormente se tornaram cidades do Estado. Praticamente esgotado o potencial hidrelétrico dos melhores eixos da região Sul e Sudeste, a indústria barrageira[1] tem se voltado para a Amazônia, caracterizada como uma nova fronteira hidrelétrica, detentora de 44% do potencial total do país (FURNAS, 2005). O mapa elaborado por Aline Rick e Oswaldo Servá identificou 304 barragens na Amazônia, dentre aquelas já construídas ou inventariadas, 58 apenas na bacia do rio Madeira.


Figura 1
Barragens na Amazônia
Fonte: Osvaldo Servá e Aline Risk, 2005.

No início do governo Lula, a Amazônia deixou de ser foco como “fronteira agrícola” e passou a ser pensada concretamente como a “nova fronteira hidrelétrica” (44% do potencial de geração de energia de todo o país).

Os principais rios que foram mapeados no governo militar, como o rio Tocantins, o rio Tapajós, o rio Xingu, o rio Madeira e seus afluentes concentram hoje a maior parte das barragens propostas ou já executadas. No primeiro projeto de construção da hidrelétrica na década de 1980, a Terra Indígena (TI) Igarapé Lourdes do Povo Arara e Gavião seria inundada devido a construção da hidrelétrica de Ji-Paraná. As aldeias, as roças antigas, os cemitérios, os locais de caça seriam alagados pelo tamanho do reservatório (NOBREGA, 2008).

A justificativa do Governo para a realização do empreendimento na década de 1980 se pautava na ocupação de terras e também pela expansão agrícola através das estradas que estavam sendo construídas como a BR-364. A intenção era realizar um projeto em área pouco explorada economicamente, com o objetivo de interiorizar o “desenvolvimento” na Amazônia (NOBREGA, 2008, MESQUITA, 2015).

As consequências deste empreendimento hidrelétrico na década de 1980, afetaria os municípios de Jaru, Ariquemes, Ji-Paraná e Ouro Preto do Oeste em um montante de 9.600 famílias, nove terras indígenas, segundo um levantamento realizado pela ELETRONORTE em 1980. Mediante os impactos que poderiam ocorrer o Banco Mundial resolveu cancelar um empréstimo do governo brasileiro para financiar o empreendimento.

É na década de 1980, que as primeiras formas de resistência ressurgem contra a implantação da Hidrelétrica do rio Machado, principalmente a luta do Povo Gavião e Arara em defesa dos seus territórios tradicionais contra o empreendimento estatal. Segundo Nobrega (2008), o Povo Gavião e Arara organizaram diversas assembleias para denunciar os malefícios da construção da Hidrelétrica e como tal empreendimento acarretava na própria sobrevivência física e cultural do Povo Arara e Gavião. Nesse sentido, o Povo Arara e Gavião denunciaram ao Banco Mundial os danos ambientais, culturais e econômicos que a obra poderia causar em suas terras tradicionais.

A partir de 2005, a indústria Barrageira realizou cinco estudos de viabilidade energética na bacia do rio Madeira, um desses estudos foi realizado no rio Machado, afluente do rio Madeira. Em 2005 a THEMAG realizou um novo inventário financiado pela iniciativa privada, uma parceria entre FURNAS, ELETRONORTE e Queiroz Galvão. Nesse novo inventário, a usina de Ji-Paraná foi excluída e a de Tabajara (no rio Machado) teve redução da área alagada para 128,8 km² e potência de 350 MW.

No novo inventário, segundo a THEMAG (2005) não há impactos diretos desta vez; mas o PARNA-Campos Amazônicos[2] está ameaçado, a TI Marmelos (a terra indígena ficará inundada numa área de 740m da TI). O igarapé Preto e as Reservas Extrativistas (RESEX) no rio Preto e rio Jacundá, bem como a Vila de Tabajara serão completamente submersas. Ocorrerá o deslocamento compulsório de sua população. Há também o risco de extinção dos Kagwahiva em situação de isolamento voluntário[3].

Em março de 2010 a ELETRONORTE promoveu uma audiência pública em Machadinho do Oeste, em Rondônia. Nessa audiência, apenas foram convidados os representantes de Furnas Energia, Empresa Queiroz Galvão, parlamentares, IBAMA, entidades locais. É nesse período que os Tenharin passam a mobilizar-se para compreender os impactos da construção da Hidrelétrica Tabajara.

Segundo Antônio Tenharin, os povos indígenas Arara e Tenharin emitiram uma carta aberta de repúdio contra a implantação da UHE Tabajara, relatando os possíveis impactos socioculturais, como: aumento da invasão de madeireiros vindos de Machadinho do Oeste e Ji-Paraná; afetação da reprodução de peixes nas Cabeceiras do rio Marmelo e rio Preto; afetação aos castanhais e povos indígenas Kagwahiva isolados.

Na contemporaneidade, verifica-se que no Brasil diversos processos de flexibilização de direitos territoriais de uso comum. Tem sido recorrente com a demanda de grandes empreendimentos, resultando em conflitos sociais na ordem do dia. Consoante a isso, assevera Almeida (2013, p.8), que o negligenciamento dos mecanismos de participação de povos e comunidades tradicionais em projetos de desenvolvimento (rodovias, hidrelétricas, linhões, barragens) tem possibilizado “fragilizar o instituto das terras tradicionalmente ocupadas e os direitos que eles são coextensivos”. Nesse sentido, para as estratégias empresariais, as “terras tradicionalmente ocupadas” são grandes obstáculos ao desenvolvimento de infraestrutura e ao mesmo tempo, ao mercado de terras na Amazônia.

Nessa perspectiva, esta reflexão buscou investigar como as audiências públicas sobre grandes projetos de desenvolvimento mascaram a participação de Povos Indígenas e comunidades tradicionais. Verificou-se também que no Brasil, a ratificação da convenção 169 e a Declaração da ONU sobre Direitos Humanos dos Povos Indígenas, por si só, não vem assegurando a efetiva garantia dos direitos dos povos indígenas em participar sobre o direito de consulta prévia e informada sobre os grandes empreendimentos que afetam os territórios indígenas.

A PERSPECTIVA TENHARIN SOBRE O EMPREENDIMENTO TABAJARA

A relação entre a construção da usina e o uso que os Tenharin fazem, principalmente, do rio Marmelos, mas também do rio Preto, emergem dois pontos centrais das narrativas sobre os perigos que a construção de uma usina UHE no rio Machado pode trazer, uma é sobre a cabeceira do rio Marmelos e o perigo de que o lago formado pela barragem afete diretamente a bacia do rio Marmelos e neste sentido emerge o conceitos nativo da Pirakwara – local onde se reproduzem os peixes na cabeceira do rio – e também as narrativas sobre os isolados – os Tenharin temem que com a construção da UHE de Tabajara os isolados sejam diretamente afetados.

Os Tenharin, principalmente os mais velhos, descrevem ponto a ponto as aldeias antigas, as capoeiras antigas, os pontos naturais da paisagem que foram palcos para eventos históricos entre tantas outras narrativas como a da cobra grande que servem para descrever e marcar essa ocupação antiga do território à margem do rio Marmelos e do rio Preto.

Por toda esta importância para a cosmologia Tenharin que tem o rio Marmelos, é que um dos principais problemas da construção da UHE é a possibilidade de que esta história, marcada na paisagem, se perca devido o alagamento. As cabeceiras do rio Marmelos estão muito próximas da área que será alagada com o barramento do rio Machado. Além disso, é possível observar que as informações sobre o projeto não foram devidamente esclarecidas para os Tenharin.

Como disse Marinho Tenharin, o importante é que todos sejam devidamente informados para que ocorra um bom diálogo entre o empreendedor e os Tenharin. Para o professor Tenharin, o impacto da construção da BR-230 foi grande o bastante para que os Tenharin também aprendessem com ele. A desinformação por parte do empreendedor leva às dúvidas como a do cacique Duca Tenharin: “abrirão a comporta [em caso de cheia] ou deixarão encher o rio Marmelos”? Ademais, devido a constante cheia do rio Madeira em 2014, no qual a cidade de Humaitá e de Porto Velho foram completamente alagadas, e também devido a cheias incomuns no próprio rio Marmelos apontam para a constante dúvida de muitos Tenharin sobre o fato do rio Marmelos ser ou não ser afetado. Como apontou Duca Tenharin: “a natureza não é controlada pela escritura”.

O problema de afetar ou não o rio Marmelos e o rio Preto não é somente pensado pelos Tenharin em relação a enchente na cabeceira dos rios Preto e Marmelos, ou seja, da água do rio Machado transpor para o rio Marmelos no período da enchente, mas também por baixo, pelo lençol freático. Os Tenharin descrevem um conjunto de “pedras moles” entre a cabeceira do rio Marmelos e do rio Preto com o rio Machado. A água também passa por estas pedras conhecidas pelos Tenharin como Itakwara. Como narrou Duca Tenharin: “não vai alagar por cima, mas pode alagar por baixo, pelo subsolo”. Esta transposição subterrânea da água é conhecida, pela Geociência, de fluxo hiporréico.

Nestes termos o principal perigo para os Tenharin é que a cheia afete diretamente a Pirakwara, local onde nascem os peixes nas cabeceiras dos rios Preto e Marmelos. Ademais marcam o medo de que está cheia afeta os pontos de caça, os “barreiros” – local onde os animais vão comumente chupar o sal deste solo específico, este local é frequentado principalmente pelas antas, principal alimento de caça para os Tenharin - localizados à margem dos rios e também temem que afetem os cemitérios localizados à margem do rio Marmelos. O medo de que os cemitérios sejam alagados é o medo de que parte da história Tenharin seja apagada como ocorreu durante a construção da rodovia Transamazônica na década de 1970.

Além do problema de afetar a Pirakwara, “a fazenda dos Tenharin”, os cemitérios, os pontos de caça e a coleta de remédios, os Tenharin enfatizam que será afetada os pontos de coleta da Taboca, material utilizado para confeccionar a Yrerua, clarineta Tenharin. É na margem do rio Marmelos, principalmente na região onde passa pelos campos amazônicos que estão localizados esta espécie específica de bambu utilizada para a confecção da Yrerua, instrumento utilizado durante os rituais Kagwahiva.

Se a maioria dos discursos Tenharin sobre a construção da barragem mostram a preocupação com a Pirakwara e com os índios em situação de isolamento, outros elementos também aparecem em seus discursos sobre Tabajara, como a preocupação de invasão de seu território por madeireiros e garimpeiros. Hoje a principal pressão sofrida pelo território onde vivem os Tenharin é na Terra Indígena Tenharin Marmelos (Gleba B), na divisa com o distrito de Santo Antônio do Matupi. O fato é que nunca houve a limpeza da picada e os fazendeiros costumam mudar a placa de demarcação de lugar. O medo é que os madeiros da região de Ouro Preto D’Oeste atinjam a região sul do território Tenharin como ocorreu durante o período que a Paranapanema minerou na região onde hoje é a Terra Indígena Tenharin do Igarapé Preto. Durante a década de 1970 uma longa estrada passou pela região sul e leste da TI Tenharin Marmelos chamada carnaval setenta. Ela servia como meio de locomoção de mineradores e equipamentos da região do rio Machado para a região do Igarapé Preto, no final da estrada há uma pista de pouso desativada.

Outra estrada que gera algum tipo de pressão sobre o território Tenharin é a rodovia do estanho que liga a Transamazônica até a cidade de Ouro Preto D’oeste (RO) e o norte do estado do Mato Grosso. Nesta rodovia se localizam as aldeias Tenharin da TI Tenharin do Igarapé Preto e também as aldeias Jakuí e Karanaí na TI Tenharin Marmelos. Esta estrada também foi aberta pela Paranapanema durante o período da mineração no Igarapé Preto.

Esta pressão de madeireiros e mineradores sobre o território Tenharin também passa pelas constantes queimadas que vem ocorrendo na região dos Campos Amazônicos. No ano de 2014 houve um grande foco de queimada que partiu da região das cabeceiras do rio Marmelos até a proximidade da aldeia Karanaí. Foi uma longa faixa de terra queimada. Os Tenharin do programa Prev-Fogo que trabalharam durante vários dias combatendo estes fogos de queimada que se espalhou rapidamente pelos Campos Amazônicos alertaram sobre um outro modo de pressão sobre o território Tenharin, a possibilidade de aumento do fogo de queimada devido a pressão vinda da construção da UHE de Tabajara.

SITUANDO OS CONTEXTOS DA EMPRESA BARRAGEIRA

Praticamente esgotado o potencial hidrelétrico dos melhores eixos da região Sudeste, a indústria Barrageira nas primeiras décadas do século XXI, tem se voltado para a Amazônia, caracterizada como uma nova fronteira hidrelétrica, detentora de 44% do potencial total do pais (MARIN e NOVAIS, 2015).

No início do século XXI, a Amazônia passou a ser racionalizada para além de uma fronteira agrícola, passou a ser pensada concretamente como a "nova fronteira hidrelétrica" (44% do potencial de geração de energia de todo o país). Os principais rios que foram estudados como potenciais hidrelétricos são: Tocantins, Tapajós, Xingu e Madeira. Os rios Tocantins, Xingu, Madeira e Tapajós e seus afluentes concentram a maior parte das barragens propostas, planejadas ou executadas até o momento.

Em Rondônia na década 1980, houve a intensificação das pequenas barragens (PCH’s) como pequenas soluções de médio prazo. Em 1983 a ELETRONORTE contratou o Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (CNEC) para fazer o inventário do Madeira. Por estar próximo de Porto Velho, o rio Machado foi considerado de bom aproveitamento hidrelétrico.

Durante o estudo ainda no final dos anos 1980, o rio Machado foi dividido em 4 trechos: (I) da sua foz até o Dois de Novembro (sem desnível necessário); (II) Do Dois de Novembro até a cidade de Ji-Paraná, queda de 80 metros; (III) entre Pimenta Bueno e Ji-Paraná, área com muitos municípios; (IV) De Pimenta Bueno até a cabeceira em Vilhena. Marcados 77 pontos para barramento e o trecho 2 o mais atraente. A ELETRONORTE queria erguer rapidamente a UHE porque era uma região que seria rapidamente povoada. Deste primeiro inventário surgiu o projeto das duas hidrelétricas gerando um total de 1.285 MW, sendo 520 MW no eixo Ji-paraná e 765 no eixo Tabajara com área total inundada de 1.627 km² (NOBREGA, 2008).

A justificativa do governo para a realização do Empreendimento na década de 1980: a ocupação de terras, planos governamentais, expansão agrícola e estradas (BR-364) tem ido para a região norte, a intenção é realizar um projeto em área pouco explorada economicamente. A intenção era interiorizar o desenvolvimento. Consequências deste projeto da década de 1980: afetariam os municípios de Jaru, Ariquemes, Ji-Paraná e Outro Preto D’Oeste, 9.600 atingidos (número da empresa, na verdade mais pessoas seriam atingidas). Desse modo, Nóbrega (2008) pontua algumas questões que poderiam ter ocorrido com a construção do Empreendimento hidrelétrico no final da década 1980:

A ELETRONORTE nunca se preocupou com a população atingida, somente aquela que estava nos assentamentos do INCRA (hoje são os municípios de Machadinho D’Oeste e Vale do Anari). A ELETRONORTE dizia que por serem migrantes (pessoas vindas do estado do PR e MT) facilmente seriam deslocados para outras áreas.11 mil hectares da TI Igarapé Lourdes seriam inundados, aldeias, cemitérios, roças, locais de caça. Reserva Biológica (REBIO) de Jaru afetada em 4 mil hectares. Os trechos inundados facilitariam o acesso de invasores na REBIO. Mobilização contra a barragem no final da década de 1980 e início de 1990 (NÓBREGA, p. 118: 2008).

Com a mobilização intensa no início dos anos 1990, articulada entre igreja católica (diocese de Ji-Paraná), igreja protestante, população rural, população indígena, surge o MABRO-Movimento dos Atingidos por Barragens de Rondônia. É também no final década de 1980 que o governo brasileiro solicitou um empréstimo de 500 milhões de dólares ao Banco Mundial para o setor elétrico. O empréstimo tinha como condição a adequação as exigências ambientais do Banco. No entanto, o empréstimo previsto para a construção da UHE de Ji-Paraná, não foi concretizado, devido à pressão dos movimentos sociais locais e da pressão internacional exercida pelas ONGs. As Lideranças Gavião e Arara enviaram uma carta ao presidente do Banco Mundial para que não ocorresse o empréstimo. No caso do rio Machado, o argumento da Empresa, foi tentar promover geração de energia para o sistema Acre-Rondônia, no entanto, o interesse especulativo financeiro, era exportar energia para as outras regiões do país assim como aconteceu com as Usinas de Jirau e Santo Antônio.

PROJETO ATUAL DA HIDRELÉTRICA E O POVO TENHARIN

As hidrelétricas na região amazônica fazem parte de um Projeto de Iniciativa Integração Infraestrutura Regional Sul-Americana – IIRSA, que tem como objetivo promover o desenvolvimento, a competitividade, a sustentabilidade e a integração dos países sul americanos[4]. Estão incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC[5], o qual prevê a construção de diversos projetos de geração de energia elétrica na região Amazônica, sobrepondo os interesses dos povos que vivem na região, como será possível observar nos relatos que se seguem.

No caso das hidrelétricas, Cavalcante (2012, p.67) alerta: “Os projetos hidrelétricos constituem obras de maior impacto já realizado pelo homem, pois incidem em diferentes níveis, que vai desde o ecológico, ao econômico, o cultural e até ao social.

No caso da hidrelétrica Tabajara, segundo o inventário da THEMAG não há impactos diretos desta vez; Nesse ponto, Paz (2006, p.52) esclarece que,

A simples classificação do impacto, quer seja em direto e indireto, ou por bacia ou proximidade geográfica, é insuficiente para compreender a verdadeira natureza do dano que uma hidrelétrica pode causar em um povo indígena. É de fundamental importância que se tenha um profundo conhecimento da história, da cultura e dos problemas regionais dos povos indígenas a serem atingidos por um determinado empreendimento hidrelétrico para que se possa construir um quadro mais real de qual população poderá vir a ser impactada e, assim, obter diretrizes adequadas para a interação com esses povos e para o tratamento do dano em si.

No entanto, observa-se que o PARNA Campos Amazônicos está ameaçado, a TI Marmelos (área inundada a 740m da TI) e Igarapé Preto, Reservas Extrativistas (RESEX) no rio Preto, Jacundá; Vila de Tabajara será completamente submersa e o deslocamento compulsório de sua população; risco de extinção do Kagwahiva em situação de isolamento.

Em 2008 o ICMBIO solicitou a suspensão do licenciamento motivado pelos riscos do empreendimento para a área dos Campos Amazônicos e para própria sobrevivência do rio Machado. O Ibama emitiu um parecer, informando ao Empreendimento que estaria impossibilitado de formalizar encaminhamentos do termo de referência para elaboração do EIA RIMA, tal impedimento fundamentado na manifestação do ICMBIO contraria a continuidade do licenciamento em razão do empreendimento afetar UC de proteção integral. No mesmo ano, o Ibama, por meio de órgão responsável de licenciamento ambiental questiona, o parecer do ICMBIO junto a Advocacia Geral da União.

Em dezembro de 2008, a AGU, emite o parecer 1834/2008, contra o licenciamento requerido pelo consórcio Empreendedor. Nos anos seguintes, as empresas interessadas se mobilizam para o governo haja em favor dos seus interesses econômicos. Em 2011, surge a medida provisória 542/2011 e da Retomada do Processo de Licenciamento. Esta medida provisória do Governo Dilma tinha como objetivo, alterar os limites do Parque Nacional Campos Amazônicos, excluindo de seu interior as áreas de alagamento a ser formado pela construção da UHE Tabajara.

TRAÇANDO FORMAS DE RESISTÊNCIA INDÍGENA

Em 2011, os Tenharin, e os Arara e Gavião, junto com o movimento atingidos por Barragem (MAB) denunciaram ao MPF e a Sexta Camará Federal, o empreendimento, por ferir a convenção 169 da OIT. A estratégia nesse momento, foi utilizar a convenção Internacional da OIT, a 169, que obriga o Estado brasileiro a realização de consultas aos povos indígenas afetados por qualquer empreendimento. Em 15 de setembro de 2011, os Povos indígenas Arara e Tenharin divulgam uma carta aberta de repudio contra a implantação da UHE Tabajara, relatando os possíveis impactos socioculturais, como:Aumento da invasão de madeireiros vindos de Machadinho do Oeste e Ji-Paraná; afetação da reprodução de peixes nas Cabeceiras do rio Marmelos e rio Preto; afetação aos Castanhais e povos Indígenas Kagwahiva isolados.

A medida Provisória de 2011, tornou-se lei em 2012. A lei 12.678 de 25 de junho de 2012, alterou os limites do Parque Nacional dos Campos Amazônicos. No mesmo período, a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recém Contato da FUNAI (CGIIRC) se manifestou, indicando preocupações, com a presençade índios isolados no local da UHE Tabajara.

Em maio de 2012 a Funai emitiu o Termo de Referência. No Termo o órgão apresenta as diretrizes e procedimentos a serem adotados para elaboração do Estudo do Componente Indígena da Terra Indígena Tenharin/Marmelos. O Termo de Referência elaborado pela Funai feriu os princípios da consulta prévia e informada, ignorou os princípios da Convenção 169 da OIT. Na medida em que o próprio termo não foi construído coletivamente, em que os Tenharin não foram consultados e nem ouvidos.

Somente em 2013, a Eletronorte organizou uma audiência pública para apresentar o empreendimento Tabajara para o Povo Tenharin. A assembleia ocorreu em Rondônia prejudicando a participação ativa do Povo Tenharin no diálogo, e principalmente o direito da consulta prévia como consta na Convenção 169 da OIT. De acordo com Zhouri (2012, p.58)

Uma instância relevante do ponto de vista da participação da população no processo de licenciamento ambiental, as Audiências Públicas são o único momento formal em que a participação está prevista durante todo o processo. Concebidas como espaço de debates sobre a viabilidade dos empreendimentos, na prática as Audiências se configuram tão somente como uma etapa de formalização do processo de licenciamento ambiental, um jogo de cena de procedimentos democráticos e participativos. Programadas para uma etapa do licenciamento já em curso, as Audiências acontecem tardiamente, quando decisões já foram tomadas e as dificuldades de acesso à documentação, apontadas anteriormente, dificultam uma participação informada.

Em 02 de janeiro de 2013, a Funai definiu a TI Tenharin Marmelos como objeto de estudo para o Estudo do Componente Indígena e esclareceu que, em relação à solicitação de instrução para tratar a questão de índios isolados na referida TI, caberá à Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) a condução das tratativas por ser esta a instância da FUNAI responsável pelas ações de proteção aos isolados. Até o momento a CGIIRC ainda não elaborou um laudo antropológico evidenciando a permanência de grupos isolados na cabeceira dos rios Marmelos e rio Preto.

Em 30 de outubro de 2013 foi protocolado o Plano de Trabalho que detalhava a metodologia e as atividades referentes ao trabalho de campo que seria realizado junto aos Tenharin Kagwahiva. Em nenhum momento, a metodologia de trabalho foi discutida e construída coletivamente com o Povo Tenharin, ferindo desta forma, os princípios da Convenção 169 da OIT e do Decreto 6040 sobre Povos e Comunidades tradicionais no Brasil.

No final de 2013, com o surgimento do conflito (a chamada guerra de Humaitá[6]), talvez, isso acabou atrapalhando e fragilizando os Tenharin em aprofundar os debates sobre os malefícios da Usina Tabajara em suas terras. O ECI (Estudo de Componente Indígena) através da JGP Consultoria e um grupo de trabalho coordenado por dois antropólogos, o estudo foi realizado em três meses de trabalho.

Os estudos foram realizados em duas etapas, sendo a primeira em novembro de 2014, e a segunda entre novembro e dezembro de 2015, como consta no ECI em sua versão preliminar de 2017. Nesse período, O lobby Político de Senadores e deputados de Rondônia, cresceu em torno do Empreendimento. Em fevereiro de 2017, Aneel aprovou os estudos de Viabilidade, destacando no diário oficial da união.

A Agência Nacional de Energia Elétrica deu o aceite aos estudos de viabilidade da UHE Tabajara, que está prevista para ser construída no rio Ji-Paraná, estado de Rondônia. O despacho consta da edição desta quarta-feira, 1º de fevereiro, do Diário Oficial da União. A potência prevista para o empreendimento aumentou de 350 MW para 400 MW. As empresas envolvidas nesse estudo são a Eletronorte, Construtora Queiroz Galvão, Furnas, Enel Brasil, PCE Projetos e Consultorias e JGP Consultoria e Participações. Após a aprovação do estudo sobre a viabilidade da hidrelétrica pela Aneel, as empresas poderão obter a emissão de uma licença prévia, o empreendimento fica disponível para ter a concessão oferecida em licitação pelo governo federal (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 02 de fevereiro, 2017).

Em junho de 2017, o Ministério de Minas e Energia anunciava que estava preparando a licitação da UHE Tabajara para início das Obras em 2018. Em agosto de 2017, os Tenharin por meio algumas estratégias junto a Funai e o MPF realizaram uma Assembleia Pública. A pauta principal que norteou toda assembleia foi a UHE Tabajara. Nesta assembleia estavam presentes os Antropólogos da Eletronorte para defender os estudos de viabilidade do empreendimento, representantes da FUNAI, e o procurador do MPF de Porto Velho. Antes da Assembleia, a JGP responsável pelo ECI- estudo do componente indígena, ainda não tinha apresentado os resultados do Estudo, No entanto, a ELETRONORTE, já tinha emitido parecer favorável, assim como a Aneel pela viabilidade do Estudo em Maio de 2017.

A vinda da Eletronorte na Aldeia, tinha um objetivo claro e especifico, convencer por meio da retorica antropológica e técnica, o “fato consumado da viabilidade do empreendimento”, imaginavam os antropólogos da Eletronorte, que o povo Tenharin não possuíam conhecimento de como o ECI foi elaborado pelos técnicos da JGP, ou como o ECI poderia ser prejudicial ao Povo Tenharin.

Um dia antes da presença do grupo de trabalho da Eletronorte, os Tenharin se reuniram com um antropólogo da Universidade Federal do Amazonas, que teve acesso ao ECI. Este antropólogo detalhou todos os malefícios que poderiam ocorrer com a construção da Hidrelétrica Tabajara, e além disso, foi ressaltado que mesmo ocorrendo a construção do empreendimento, o ECI não se mostrava viável em termos de uma compensação que pudesse sanar e amenizar o desequilíbrio ambiental, cultural e econômico causado pelo impacto da usina Tabajara.

Eis que os Tenharin se pintaram para guerra, para a reunião com a Eletronorte. Pela manhã do dia seguinte, todos os guerreiros Tenharin se pintaram, rememorando seus antigos guerreiros quando lutavam pela defesa do território contra os seringalistas no processo de pacificação. Os Tenharin estavam se pintando para uma guerra, uma guerra política em defesa do território, para viver do território.

Um povo vivenciou cem anos de guerras com as intervenções do Estado em tentar assimilá-los, um conflito a mais, apenas os colocava como uma sociedade voltada para fins guerreiros. O cerimonial da abertura da Assembleia para os antropólogos da Eletronorte foi o mesmo realizado nas festas Mboatawa[7], quando simulam um ataque ao inimigo. Depois da recepção os Tenharin tinham convicção que a guerra política com a Eletronorte estava apenas no início, outras batalhas viriam, e eles precisavam de outras estratégias políticas.

A tentativa da Eletronorte, foi convencer o povo Tenharin, que a terra indígena não seria impactada diretamente. Nesse sentido, as lideranças Tenharin foram descontruindo o discurso do órgão Empreendedor, afirmando que não aceitariam o empreendimento em suas terras tradicionais, pois a Hidrelétrica Tabajara seria como a BR230, “um golpe de morte no nosso coração” (A, Tenharin, junho de 2017). Entre as 500 páginas que contêm o laudo antropológico (ECI), os resultados apontam que terra indígena Tenharin sofrerá apenas um impacto indireto, não levando em conta que a margem de erros pode estar subdimensionada como apontou a perícia antropológica realizada pelo Ministério Público Federal.

AS TENTATIVAS DA ELETRONORTE EM CONSIDERAR A TERRA INDÍGENA DENTRO DE UM IMPACTO INDIRETO

Desde o Termo de Referência (TR) que foi elaborado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, sem consultar os povos indígenas Kagwahiva, verifica-se a primeira violação da Convenção 169 da OIT Sobre o direito de consulta livre e esclarecida para a população que será impactada com o empreendimento.

Tal termo, deu origem ao Estudos de Impactos ambientais (EIA) e o Relatório de Impactos ambiental (RIMA), que utilizou como proposta de trabalho, o uso da polarização entre áreas (influência direta/AID, diretamente afetada/ADA, influência indireta/AII, indiretamente afetada/AID), sem critérios metodológicos plausíveis, como mensurar os futuros impactos e as possibilidades de compensação e de mitigação? (LAUDO MPF, 2017). Desde a metodologia usada no trabalho realizado do EIA-RIMA, ECI, é empobrecido porque não leva em conta a perspectiva e o conhecimento indígena como um instrumento valorizo, e que poderia contribuir na qualidade dos relatórios de impactos ambientais.

Ao debatermos sobre essa distinção (impacto direto versus indireto), há passagens interessantes dentro do ECI como: “as entidades que protegem a floresta vão embora [com a destruição da mata]” ou a fala de Margarida: “nessa mata tem vários tipos de entidades, é gente mesmo [descreve algumas dessas entidades]”; ao final há o seguinte diagnóstico do ECI:

No contexto da AHE Tabajara, os locais próximos às aldeias que são utilizados para a coleta de plantas medicinais não serão afetados pelo futuro reservatório, já que os ambientes utilizados para tais fins se situam, via de regra, no entorno direto das aldeias, ao passo que as áreas que poderão sofrer impactos “INDIRETOS” estão localizadas ao sul do território demarcado, próximas à cabeceira do rio Preto (ECI, p.345, 2017).

Ou seja, constrói-se toda uma argumentação, mas ao final o que se revela é o impacto direto e indireto e as entidades da mata simplesmente desaparecem das análises, mascarando a possibilidade de desastre ambiental e cultural, com a implementação do Empreendimento no território indígena.

Nesses termos, vale enfatizar as descrições presentes no EIA RIMA e no ECI evidenciam sempre uma informação de interesse do empreendedor, na qual os impactos são descritos em dois sentidos, ou completamente obliterados, ou quando apontados pela equipe são sempre amenizados. Como bem descreveu Rebeca de Campos Ferreira do MPF[8], via análise de dados e documentos anteriores ao EIA/RIMA e ao ECI no laudo em 2017. Há um subdimensionamento dos impactos dados de antemão: subdimensionamento da área atingida, da população atingida, da perda de biodiversidade. O único impacto real e que sempre era anunciado pela equipe da JGP durante o trabalho era que somente a possibilidade de existência da barragem já gera na população Tenharin um impacto, mas como colocam ao final, quando descrevem o diagnóstico, isso pode ser revertido a partir de informações fidedignas.

Por fim, cabe mencionar que, a estratégia da Empresa (ELETRONORTE), ao afirmar no ECI que uma terra pode ser impactada direta e indiretamente, é usada para reduzir as responsabilidades das empresas com relação às populações atingidas.

PONTOS CRÍTICOS QUE ESTÃO NO ECI

Há um claro subdimensionamento do impacto causado na Terra Indígena Tenharin/Marmelos pelo barramento do rio Machado. Essa diminuição do impacto aparece como algo dado antes mesmo do acesso às narrativas e à complexidade das práticas e conhecimentos dos Tenharin, isso fica claro durante a metodologia e ao longo de todo o texto. Como mostrou o relatório apresentado pela antropóloga do MP, Rebeca de Campos Ferreira, pode-se falar desse subdimensionamento do impacto a partir da própria análise dos Termos de Referências e dos documentos que antecederam o EIA/RIMA e o ECI. O subdimensionamento era esperado.

Esse subdimensionamento dado a priori, revela uma imprecisão metodológica do ECI. Nesses termos o ECI se transforma em mero material viabilizado com a finalidade de garantir a diminuição máxima dos impactos causados pelo barramento do rio Machado não levando em conta toda a complexidade narrada pelos Tenharin.

A ocorrência do alagamento da porção sul da TI pode ser averiguado por dois argumentos, o primeiro é a possibilidade de erro no cálculo da área alagada em 20%, como está apontado no relatório elaborado pela Rebeca de Campos Ferreira do MPF[9]; o segundo é que alguns técnicos declaram, em conversas particulares aos Tenharin, a possibilidade real de alagamento visto a situação da região entre a bacia do rio Madeira e a bacia do rio Machado que presenciaram durante os estudos do EIA/RIMA.

A questão dos Kagwahiva em situação de isolamento voluntário aparece no texto do ECI, como sendo algo ainda não comprovado, mesmo as narrativas dos Tenharin dizendo o contrário. Ao final, quando são pensadas ações mitigatórias os isolados deixam de aparecer completamente do texto. Vale enfatizar que o relatório da Rebeca de Campos Ferreira pede a suspensão dos trabalhos até a localização desses grupos isolados. O ECI não seguiu os pressupostosda Convenção 169 sobre a Consulta Prévia, como mencionado durante algumas partes do texto os Tenharin nunca foram devidamente informados pela empresa de consultoria ambiental nem mesmo pela Eletronorte. A possibilidade de negar o empreendimento nunca foi possível para a comunidade, muito se deve ao esforço constante de minimizar qualquer tipo de impacto à TI Tenharin Marmelos. Como é possível observar nos impactos listados, o único de maior proporção é aquele referente ao deslocamento da fauna.

Toda a questão do contexto regional é completamente esquecida durante o ECI. Não há nenhuma referência a fronteira de expansão da Agricultura, a possibilidade de diminuição das UC’s na região Sul do Estado do Amazonas. Além de se negarem a realizar um levantamento sobre essas questões, não existe no ECI nenhuma referência a estudos comparativos com outras experiências dentro do próprio estado de Rondônia.Em termos do contexto de vulnerabilidade na qual está inserida a Terra Indígena Tenharin/Marmelos com a Transamazônica, rodovia do Estanho e a fronteira de expansão que age de maneira bastante violenta, cabe aprofundar quais os impactos sociais e ambientais que o barramento do rio Machado pode trazer frente a sua justificativa (demanda por energia e geração de empregos para os trabalhadores que participaram da obra de Jirau e Santo Antônio). Tal questão, pensada via a ideia de uma total obliteração dos impactos narrados pelos Tenharin, mostra que o ECI não se propôs à pensá-la como deveriam.

Primeiro mapa: Área de impacto da UHE Tabajara sobre a terra indígena Tenharin Marmelos – Divisa entre os municípios de Humaitá (AM) e Machadino do Oeste (RO).

Segundo mapa: Modelo digital de elevação da área de impacto da UHE Tabajara sobre a terra indígena Tenharin Marmelos


Figura 2
Área de impacto da UHE Tabajara sobre a terra indígena Tenharin Marmelos – Divisa entre os municípios de Humaitá (AM) e Machadino do Oeste (RO)
Fonte: Jordeanes N. Araújo e Monica Cortez, 2017.Núcleo Campus UFAM Humaitá-Am.


Figura 3
Modelo digital de elevação da área de impacto da UHE Tabajara sobre a terra indígena Tenharin Marmelos
Fonte: Jordeanes N. Araújo e Monica Cortez, 2018. Núcleo Campus UFAM Humaitá-Am

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início de 2018, o Ibama embargou o EIA/RIMA alegando uma série de erros que deveriam ser corrigidos pelo Consocio responsável pelo Estudo. Uma semana depois, a empresa (A ELETRONORTE) protocolou um novo relatório respondendo as questões alegadas pelo Ibama.

No início de junho 2018, o MPF convocou as lideranças Tenharin para uma reunião com a Eletronorte, Funai e Sexta Câmara em Brasília. A recomendação do MPF, foi acompanhada do laudo antropológico de Rebeca Ferreira, perita do MPF, que recomendava ao Consocio Tabajara refazer os estudos pertinentes as cabeceiras dos rios Preto e Marmelos e incluir como povos afetados diretamente todos os povos Kagwahiva e o Povo Pirahã.

Para os Tenharin, o MPF poderia fazer somente a seguinte recomendação “Não queremos a hidrelétrica Tabajara” (JOAO SENA cacique da aldeia Marmelos, 2017). No momento, o empreendimento aguarda um momento político favorável para solicitar uma nova licença para iniciar a construção da UHE Tabajara.

Por fim, na perspectiva cultural Tenharin, a UHE Tabajara é vista e imaginada como um grande inimigo que precisa ser derrotado, possivelmente canibalizado como nos rituais da dança da cabeça. Portanto, todas as vezes que algum especialista da Eletronorte resolve aventurar-se pelas aldeias Tenharin, segundo os próprios Tenharin “nós nos pintaremos para a guerra, uma guerra política que atravessa nosso dia-dia”.

A ilusão da participação em audiências públicas, envolve a negação de um regime de conhecimento, o regime de conhecimento indígena é descartado e marginalizado dentro das audiências públicas, bem como através dos estudos de impacto realizado por especialistas, principalmente antropólogos a serviço de grandes empresas. Todo esse desconforto é causado pelo descaso das autoridades à comunidade ribeirinha e os povos indígenas, resultado de racismo ambiental e inferiorização das classificações identitárias da região, assim mostrando como determinados povos são silenciados e desvalorizados e até vendidos, se assim pode dizer.

O impulso à ameaça aos direitos dos povos indígenas, tomou forma principalmente a partir da década de 1940, com o processo de interiorização e exploração mais ativa dos recursos naturais dispostos na região Norte, afetando diretamente a vida dos povos indígenas que vivem em torno dos rios e terras visionadas por grandes empresas de exploração agrícola e hidráulica, como as usinas destacadas no presente trabalho.

Dessa maneira, o impasse que se destaca é a forma de uso dos rios amazônicos pelos Tenharin e a exploração dos mesmos pela empresa ELETRONORTE, ocasionando em um paradoxo entre crescimento econômico insustentável e preservação sociocultural. Desde o início da exploração dos recursos amazônicos, até a atualidade, o desenvolvimento econômico não se baseia na sustentabilidade, mesmo com a iniciativa de programas e políticas destinadas a esse fim – como o Plano Amazônia Sustentável (PAS). Os principais afetados por esse descaso, são os povos indígenas e comunidades tradicionais.

Diante do grande acervo cultural indígena, a paisagem é um dos elementos principais a serem afetados negativamente pela instalação da usina Tabajara. Gerando não somente impacto cultural, bem como social, desequilibrando a cadeia alimentar e dificultando os recursos de subsistência, para os Tenharin e os povos indígenas isolados.

A situação de vulnerabilidade destes indígenas se solidifica com a indiferença estatal, que não se preocupa em preservar a memória dos povos nativos, e ainda menos viabilizar a exploração sustentável, ao contrário, o poder executivo e legislativo nos últimos anos apresentam cada vez mais, um menor interesse em proteger e garantir os direitos dos indígenas, principalmente quando se trata em demarcação de suas terras. Assolados pela desinformação acerca do projeto de implementação da usina Tabajara, os Tenharin em 2011, juntamente com os Arara e o movimento atingidos por barragem, buscaram a efetivação de seus direitos, amparados pela Convenção 169 da OIT, que resguarda o direito à consulta prévia, livre e informada aos indígenas, denunciaram o empreendimento aos órgãos competentes, uma vez que a FUNAI, em 2012 emitiu um termo de referência, apresentando as diretrizes e procedimentos a serem adotados para elaboração do Estudo do Componente Indígena da Terra Indígena Tenharin/Marmelos sem consulta-los, resultando em um conjunto de modificações nas leis ambientais que passaram a favorecer ainda mais o consocio Empreendedor. Consoante a isso, a resposta que obtiveram foi uma carta de repudio, que serviria de alerta aos impactos socioculturais negativos futuros, tais como a afetação da reprodução dos peixes da Cabeceiras do rio Marmelo e rio Preto; Aumento da invasão de madeireiros vindo de Machadinho do Oeste e Ji-paraná; Afetação aos castanhais e povos indígenas Kagwahiva isolados.

Consequentemente, cientes de tais impactos, e com o apoio regional do governo ao empreendimento, o mesmo ganhou força, favorecendo o enriquecimento dos grandes empresários e abandonando indígenas que se encontram em situações desfavoráveis a própria efetivação de seus direitos intrínsecos. Cabe evidenciar que o conjunto de modificações nas leis, acima mencionados, são preceitos de atos antijurídicos, pois vão ao desencontro aos direitos dos indígenas preservados no ordenamento jurídico brasileiro, o que ressalta o caráter impetuoso do capitalismo em acessão, visionário apenas do lucro, e, portanto, desenvolvendo para as próximas gerações um saldo negativo com a natureza, e sadicamente gerando o esquecimento e desvalorização de umas das principais culturas brasileira, a indígena.

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Termo de Referência elabora pelo IBAMA. 02.001.004419/2007-31/IBAMA. EIA-RIMA. Maio de 2012

Procedimento Administrativo do IPHAN. 01410.000527/2013-06. 2017. Referente ao acompanhamento do licenciamento da UHE TABAJARA, autuado em 17/09/2013. Última manifestação da autarquia em 24/04/2017.

Termo de Referência elaborado pela FUNAI para orientar os Estudos de Componente Indígena. 2012

Notas

[1] O conceito “indústria Barrageira” vem sendo usado como um termo sociológico para explicar como as grandes corporações capitalistas transformaram as bacias amazônicas em produtos de investimentos voltados para o Capital Internacional.Tais recursos naturais são associados as estratégias empresariais que trabalha dentro da lógica dualista que separa “o tradicional” de “moderno” e que associa a ideia de desenvolvimento ao “crescimento econômico” (ALMEIDA, 2013, P. 19).
[2] O Parque Nacional Campos Amazônicos (PARNA) foi criado em 2006 com uma área de 961, 317 mil hectares, localizado entre três estados brasileiros, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso.
[3] Esta pesquisa é fruto de um relatório de campo realizado em 2018 com o Povo Tenharin na BR 230 sobre a possibilidade da implantação do Empreendimento Hidrelétrico Tabajara. Através do método etnográfico,buscamos problematizar os dilemas da "ilusão da participação" de povos indígenas, especialmente os Tenharin-Kagwahiva afetados pela implementação de grandes empreendimentos, notadamente no que concerne a Hidrelétrica do Tabajara. De fato, 50% dos castanhais naturais da terra indígena Tenharin irão ser comprometidos pela hidrelétrica. Além disso, este trabalho buscou pontuar as estratégias indígenas de resistência frente a ação da agência estatal e das corporações financeiras interessadas na construção da Hidrelétrica no rio Machado.
[4] Brasil, Peru, Bolívia, Argentina, Colômbia, Venezuela, Chile, Paraguai, Uruguai, Equador, Guiana e Suriname.
[5] Em 2007, foi criado o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em seguida foi lançado a segunda etapa do programa (PAC2), em 2011. Com duração de 4 (quatro) anos o PAC – 1, objetivou estimular o investimento privado em obras de infraestrutura baseado em três “eixos” de investimento, assim intitulados: (1) Logístico: onde estão incluídas as obras de transporte terrestre e fluvial. (2) Energia: onde estão incluídas obras dos setores elétrico e petrolífero. (3) Infraestrutura Social: onde se incluem as obras de construção e ampliação de metrôs; habitação e saneamento; acesso à água; e o programa Luz para Todos. O PAC- 2 ampliou alguns eixos, porém o objetivo principal foi à continuidade do PAC 1.
[6] Este conflito que ficou conhecido pela Mídia Nacional como a “guerra de Humaitá”, pois a população de Humaitá, revoltada com o desaparecimento de três pessoas na BR230, resolveu fazer “justiça com as próprias mãos”, incendiou a FUNAI, embarcações do órgão, carros, a casa de Saúde Indígena e encurralou 200 indígenas nas dependências do Exército em dezembro de 2013.
[7] A festa Mboatawa é a festa cultural do Povo Tenharin. Ocorre sempre no mês de julho, durante três dias o povo Tenharin celebram e revivem suas tradições. Três elementos são fundamentais nesta festa: a Anta, a farinha Mandyogwi e a Castanha, completando assim a passagem de um ciclo ecológico (a coleta) para outro ciclo ecológico (da plantação).
[8] Laudo Pericial realizado por Rebeca de Campos Ferreira, Perita e Antropóloga do Ministério Público Federal de Rondônia, Documento público para consulta, no ano de 2017. Todos os documentos aqui registrados se tornaram públicos em 2017, não havendo necessidade de autorização para consulta pelos órgãos competentes como IBAMA E MPF.
[9] Laudo Pericial realizado por Rebeca de Campos Ferreira, Perita e Antropóloga do Ministério Público Federal de Rondônia, Documento público para consulta, no ano de 2017.


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