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A Permacultura no espaço escolar: O planejamento espacial do IFB Campus Riacho Fundo/DF
Permaculture in the school space: The spatial planning at IFB Campus Riacho Fundo/DF
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 2, 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 2, 2023

Recepção: 21 Fevereiro 2022

Aprovação: 13 Março 2023

Resumo: O presente trabalho visa discutir os resultados alcançados com a pesquisa realizada entre os anos de 2019 e 2020 no Instituto Federal de Brasília campus Riacho Fundo, acerca do potencial de implementação de práticas de permacultura nas áreas que compõem a unidade acadêmica mencionada. Recorreu-se a estudos bibliográficos, levantamento de dados com o público que compõe a comunidade atendida pela instituição, bem como a visitas técnicas para obtenção dos dados ora apresentados e discutidos. Trata-se de um primeiro passo a fim de garantir o planejamento para a efetivação da permacultura considerando as especificidades locais e as expectativas da comunidade.

Palavras-chave: Permacultura, Planejamento espacial, Interdisciplinaridade, campus Riacho Fundo.

Abstract: This paper aims to present the results achieved with the research carried out between 2019 and 2020 at the Federal Institute of Brasília, Riacho Fundo campus, about the potential for implementing permaculture practices in the areas that make up the academic unit. Bibliographic studies, data survey with the public that make up the community served by the institution were used, as well as technical visits to obtain the data presented herein. This is a first step in order to ensure planning for the realization of permaculture considering local specificities and community expectations.

Keywords: Permaculture, Spatial planning, Interdisciplinarity, Campus Riacho Fundo.

INTRODUÇÃO

As possibilidades de sistematização de aprendizagens a partir da construção e cuidados com hortas escolares se mostram consolidadas na literatura pertinente, conforme pode ser verificado nos estudos de Morgado (2006), Cribb (2010),Coelho e Bógus (2016), dentre outros. As hortas têm demonstrado potencial integrador e interdisciplinar, o que favorece a articulação e diálogo entre diferentes campos do conhecimento e do currículo escolar (Moraes; Mendonça, 2020). O que se verifica da parte dos estudantes inseridos em projetos como esses é o envolvimento com a proposta e a constituição de uma topofilia pelo espaço no qual são trabalhadas as dinâmicas de planejamento e execução das hortas (Tuan, 2012). O quadro apresentado, no entanto, não inviabiliza que outras reflexões sejam oportunizadas a partir do tensionamento entre o que foi alcançado com esses projetos e a realização de novas proposituras de inserção da comunidade escolar em iniciativas que visam não só a implementação de hortas escolares, mas que versam sobre práticas de permacultura voltadas à integração sistêmica entre os conjuntos sociais, culturais, ambientais e econômicos, nos cenários rural, urbano e físico-natural de uma determinada espacialidade.

A fim de situar a questão, reconhece-se que as práticas de permacultura partem dos ecossistemas e suas redes de equilíbrio para promover atuações de organização, melhoramento, cooperação e sustentabilidade socioambiental em um dado contexto socioespacial. Nessa perspectiva, entende-se que a permacultura envolve atividades assessórias que vão desde ações de horticultura, agroecologia, sistemas agroflorestais, hortas urbanas, captação e tratamento de água por princípios alternativos, produção de energias sustentáveis, separação, destinação e reciclagem de resíduos sólidos, até tratamento e reinserção de recursos hídricos advindos de esgoto e construção de sistemas de fossa biodigestora, tratamento e recuperação de solos, recuperação de áreas degradas, reflorestamento, produção de água, entre outras práticas (Soares, 1998; Mollison, 1998). A permacultura envolve, portanto, dialogicamente diferentes práticas em prol da reorganização espacial e funcionamento desses espaços a partir das lógicas e ritmos da natureza.

Todas as atividades mencionadas têm como requisitos a inter-relação dos princípios da autonomia sociocultural e econômica (economia solidária ou cooperativa) e o equilíbrio socioambiental (recriação de dinâmicas naturais e ecológicas). Convergindo com essa ideia, Holmgren (2007, p. 3) demarca que:

A permacultura não se resume apenas à paisagem, ou mesmo às técnicas da agricultura orgânica, ou às formas de produção sustentáveis, às construções eficientes quanto ao uso da energia, ou ao desenvolvimento das ecovilas, mas ela pode ser usada para projetar, criar, administrar e aprimorar esses e todos outros esforços feitos por pessoas, famílias e comunidades em busca de um futuro sustentável.

Diante do apresentado, verifica-se possibilidades de ler as práticas de permacultura sob o olhar geográfico, visto que este campo do conhecimento busca, dentre outras possibilidades, “[...] responder à questão do porquê da lógica das localizações, seja ela ordenada pelos elementos naturais ou pelos humanos” (Gomes, 2017, p. 19). Por meio da Geografia é possível problematizar, sob a lógica das localizações, porque a permacultura surgiu na Austrália e seus princípios não podem ser aplicados diretamente, isto é, sem adequações às realidades brasileiras, quais são as possibilidades de trabalho com essa forma de produção de alimentos no contexto do Cerrado, quais áreas de um determinado sítio podem ser melhor apropriadas por determinadas atividades e não por outras. Reconhece-se, pelo exposto, a aproximação entre permacultura e Geografia e a importância do planejamento espacial para a realização das práticas de permacultura em uma determinada localidade.

Soares (1998, f. 4) conceitua permacultura como “uma síntese das práticas agrícolas tradicionais com ideias inovadoras”. Depreende-se, portanto, que os postulados da permacultura estão direcionados para o reconhecimento e valorização das técnicas e práticas de uso da terra das populações tradicionais, das culturas ancestrais e dos povos autóctones e populações originárias, bem como, as tradições sustentáveis trazidas por demais culturas, visando à cooperação social, à economia solidária, à valorização dos arranjos produtivos locais, à autogestão socioespacial, à autonomia econômica, financeira e material dos sujeitos e grupos organizados, além da promoção do contato direto e integrado aos sistemas biológicos, naturais, ambientais e culturais.

Em sentido semelhante Shiva (2003) acentua a relevância de se buscar maneiras de pensar o convívio social e a obtenção de alimentos fora do modelo colonizador e limitante estruturado a partir do que a autora chama de “monoculturas da mente”. De acordo com Shiva (2003, p. 15) “as monoculturas da mente fazem a diversidade desaparecer da percepção [dos grupos sociais] e, consequentemente, do mundo. O desaparecimento da diversidade corresponde ao desaparecimento de alternativas – e leva à síndrome FALAL (falta de alternativas)”. A permacultura, no sentido preconizado, vai de encontro a este modelo à medida em que resgata saberes, busca a harmonia entre os corpos e objetos de um determinado habitat e extrapola estruturas sedimentadas na sociedade tomadas como verdades incontestes.

Pensar a permacultura sob a ótica socioespacial, aplicando seus pressupostos em uma instituição escolar sediada na área periférica do Distrito Federal (DF) – a Região Administrativa do Riacho Fundo –, foi o fator mobilizador de elaboração e execução da pesquisa que originou este trabalho. Entende-se como desafios as questões inerentes aos aspectos físico-naturais do Cerrado (Ab’Sáber, 2003), além da necessidade de mudança no pensamento da comunidade atendida pela instituição lócus da proposição de planejamento.

A fim de caracterizar o local de realização do estudo, tem-se que o Campus Riacho Fundo do Instituto Federal de Brasília (IFB), aqui tratado na condição de possível sítio de permacultura (Mollison, 1998), oferta atualmente onze cursos de diferentes modalidades e segmentos direta ou indiretamente vinculados ao eixo tecnológico de Turismo, Hospitalidade e Lazer (Figura 1). Dentre esses cursos, pelo menos cinco estão voltados para o campo da alimentação, a qual é entendida como uma prática social (Silva, 2024). Para atender às demandas formativas desses cursos, o campus está equipado com um conjunto de laboratórios nos quais são realizadas atividades práticas de preparação e montagem de pratos. Dentre os laboratórios, pode-se mencionar os de Habilidades Básicas, Cozinha Quente, Serviços de Bar e Restaurante e Panificação e Confeitaria. Há ainda o laboratório de Mise en place, destinado ao uso do pessoal técnico que compõe o quadro de servidores da instituição. Além desses espaços também existe a Cantina do campus, a qual, porém está fechada desde o primeiro semestre letivo de 2019, em decorrência de questões de âmbito jurídico-burocrático.


FIGURA 1
Cursos ofertados no Instituto Federal de Brasília Campus Riacho Fundo
Fonte: https://www.ifb.edu.br/riachofundo/cursos

A escolha desse campus como sítio de realização da pesquisa se deu pelo entendimento de que uma instituição que oferta cursos ligados a alimentação pode fomentar configurações coletivas e ambientalmente sustentáveis de aquisição de alimentos, bem como de convivência e sociabilidade com os vizinhos em praças, parques, lotes e áreas sem uso no tecido urbano. Tal pressuposto está assentado na ideia do ensino por meio do formato “multiplicador”, o qual é caracterizado por um sujeito de aprendizagem que conhece um determinado conjunto de princípios e práticas e em seu quadro vivencial, fora do ambiente escolar, replica tais aprendizados junto aos seus pares.

Trata-se, portanto, de um texto tem por objetivo avaliar o potencial de implementação das práticas de permacultura nas áreas do sítio do IFB campus Riacho Fundo, de acordo com as especificidades do espaço local e da cultura escolar desenvolvida junto à comunidade que integra o campus.

METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo estabelecido, a pesquisa se apresenta pautada no modelo exploratório de caráter qualitativo, visto que conforme apontam Doxsey e De Riz (2003, p. 26):

a exploração do fenômeno tem como objetivos desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias. Esse tipo de pesquisa é realizado especialmente quando há poucas informações disponíveis sobre o tema ao qual se relaciona o objeto de estudo. Justamente devido ao escasso conhecimento do assunto, o planejamento é flexível, de forma que os vários aspectos relativos ao fato possam ser considerados. A escassez de informações torna difícil a formulação de hipóteses, como requerem as pesquisas descritivas e explicativas.

A pesquisa que deu o suporte para a construção do texto em tela teve como formato de desenvolvimento o estudo bibliográfico, bem como o levantamento junto à comunidade escolar de possíveis práticas e rotinas de permacultura que fazem parte de seu cotidiano – ou que poderão vir a fazer. Também foram realizadas visitas técnicas anteriores ao isolamento social oriundo da pandemia de Covid-19 (SARS-CoV-2). Tais visitas tiveram como objetivo o reconhecimento de práticas de permacultura já implementadas no contexto do Cerrado e passíveis de serem replicadas. Todas as atividades mencionadas tiveram caráter interdependente, de modo a favorecer a efetivação de uma proposição de arranjo permacultural amplo, coerente e orgânico em suas etapas e formulações.

O estudo bibliográfico teve como meta o aprofundamento teórico acerca da temática de modo que pudesse correlacionar e compreender a discussão sobre permacultura de maneira contextualizada com diferentes áreas do conhecimento, em especial com a Geografia. Essa premissa dialoga com os apontamentos de Henderson (2012, p. 15), o qual afirma que “a permacultura pode ser definida como uma ciência holística e transdisciplinar, que tem caráter dinâmico, isto é, recebe constantemente contribuições das diversas áreas do conhecimento, dessa forma, é uma ciência que se encontra em construção”. Estando em construção, entende-se que o mencionado campo do conhecimento se mostra aberto para intersecções e aproximações, o que só pode ser plenamente realizado a partir de estudo teórico-bibliográfico e experimentações.

Conjuntamente ao estudo bibliográfico foi construído questionário (com doze questões fechadas) a fim de coletar informações sobre o perfil da comunidade que utiliza o campus, visando, entre outros pontos, conhecer o entendimento de permacultura desses grupos e a viabilidade de envolvimento dos mesmos no caso da implementação de um projeto permacultura nas dependências do estabelecimento educacional.

Por se tratar de um primeiro levantamento de dados, optou-se pela aplicação do formulário junto às pessoas regularmente vinculadas à instituição, isto é, alunos, professores, técnicos. Todavia, considerando os objetivos de criação dos Institutos Federais (Brasil, 2008), reconhece-se que a comunidade atendida pelo campus Riacho Fundo não se limita somente a esses sujeitos, visto que, há o constante trânsito de pessoas da comunidade externa que acessam o equipamento educacional em busca de serviços ali ofertados – essas pessoas podem ser alvo da pesquisa em um segundo momento. O formulário foi disponibilizado em plataforma digital (Google Forms) por dois motivos básicos: 1. A premissa da sustentabilidade que permeia o projeto foi respeitada sempre que possível; 2. Dado o contexto de isolamento social do período pandêmico, entendeu-se que esta seria a maneira mais rápida e segura de contatar a comunidade.

Para finalizar as estratégias de obtenção de dados, indica-se que foram realizadas duas visitas técnicas com o objetivo de conhecer práticas ligadas às possibilidades de permacultura desenvolvidas em diferentes localidades do Distrito Federal (DF). Dessa maneira conheceu-se o que tem sido praticado no campus do IFB de Planaltina no âmbito da agroecologia e o que o Jardim Botânico oferece à comunidade enquanto possibilidades de aprendizagem a partir da sociobiodiversidade manifestada no Cerrado. Todas essas estratégias de coleta de dados são identificadas por Tomiello e colaboradores (2009), como etapas consolidadas do planejamento ambiental. Os resultados da pesquisa são apresentados e discutidos no tópico a seguir.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para compreender as práticas de permacultura (hortas, agroflorestas, bioconstrução, compostagem, criação de animais e outros) específicas para a configuração espacial desta pesquisa as visitas técnicas foram essenciais. Nesse sentido, foi procurado catalogar práticas conectadas com o cotidiano da instituição educacional alvo do planejamento espacial ora proposto. Ou seja, intentou-se identificar aquelas práticas que pudessem ser inseridas no contexto do campus sem que atrapalhassem as dinâmicas de funcionamento institucionais, e que ao mesmo tempo facilitassem e ampliassem o convívio das pessoas entre si e com o espaço, promovendo assim, nas palavras de Tuan (2012), maior sensação de bem-estar e de afetividade com o espaço vivido. Também se buscou a proposição de um resgate político e epistemológico relacionado à diversidade de pensar e produzir, uma vez que, de acordo com Shiva (2003, p. 19) “a diversidade, enquanto maneira de pensar e enquanto maneira de viver, é necessária para superar o empobrecimento gerado pelas monoculturas mentais”.

A primeira visita foi realizada em parceria com o curso de Agroecologia do IFB Campus Planaltina. Por meio dessa visita se teve contato com práticas de agrofloresta e compostagem em larga escala. Para além disso, a visita a esta instituição favoreceu o conhecimento de formas de trabalho com a terra específicas para ambientes de Cerrado, ou seja, apontou para práticas socioespaciais de lidar com as questões físico-naturais do Cerrado em prol da organização espacial de atividades ligadas à permacultura. Pontuar esse aspecto é imprescindível ao se entender que a sazonalidade do Cerrado proporciona que um mesmo ambiente possua características diversas ao longo do ano. De acordo com Ab’Sáber (2003, p. 119-120):

O ritmo marcante da tropicalidade regional, com estações muito chuvosas alternadas com estações secas que inclui um total de precipitações anuais de três a quatro vezes aquele ocorrente no domínio das caatingas, implica uma (...) estação seca de meio de ano. (...)

Climaticamente, o domínio dos cerrados – em sua área nuclear – comporta de cinco a seis meses secos, opondo-se a seis ou sete meses relativamente chuvosos. As temperaturas médias anuais variam de amplitude, de um mínimo de 20 a 22ºC até um máximo de 24 a 26ºC, levando-se em conta o espaço total dos cerrados desde o sul de Mato Grosso até ao Maranhão-Piauí. Nenhum mês possui temperatura inferior a 18ºC (Nimer, 1977). Entretanto, a umidade do ar atinge níveis muito baixos no inverno seco (38 a 40%) e níveis muito elevados no verão chuvoso (95 a 97%). Tal fato acentua a sazonalidade que tem sido vista, sobretudo, em termo de alternância de estações chuvosas com estações secas. Entretanto, no inverno seco, a taxa de umidade do ar no domínio dos cerrados é tão baixa quanto aquela do domínio das caatingas na mesma época ou mesmo mais baixa.

O descrito pelo autor é facilmente identificado no sítio da investigação, uma vez que enquanto no período chuvoso (Figura 2A) a presença do capim e outras gramíneas é uma constante, já no período de estiagem (Figura 2B) esse tipo de vegetação praticamente desaparece restando, grosso modo, arbustos e arvoredos. A visita técnica ao Campus Planaltina do IFB também favoreceu a compreensão de que, enquanto no período chuvoso a matéria orgânica oriunda da roçagem do capim pode servir de recurso para hortas e outros plantios, no período seco há a necessidade de buscar fontes contínuas de água e de reserva de material orgânico que possa melhorar o desempenho do solo em atividades de plantio, por isso a importância da compostagem no contexto investigado. Para ambos os períodos é importante que sejam catalogadas plantas com potencial de repelir formigas e outros insetos que venham a comprometer o desenvolvimento de espécies vegetais de ciclo curto e altamente sensíveis, como é o caso das folhagens e outras.


FIGURA 2
IFB Campus Riacho Fundo: comportamento da vegetação em diferentes épocas do ano, (A) 2019, (B) 2020

A – Comportamento da vegetação do campus em período chuvoso. Área após ser capinada. Matéria orgânica foi adicionada para tratamento do solo.

B – Comportamento da vegetação do campus em período seco. Área sem capina e com baixa presença de matéria orgânica a ser adicionada para tratamento do solo.

Fonte: Autores, 2019; autores, 2020

Os resultados da visita e o inventariado das primeiras limitações identificadas no sítio de implantação do projeto de permacultura, suscitaram a composição de relatório técnico o qual subsidiou o planejamento de estratégias permaculturais condizentes com a realidade da área – tais como: espaços para criação de galináceos, definição de espaços para hortas horizontais e verticais, bem como a possibilidade de implantação de espécies frutíferas em esquema de agroflorestal e/ou associação de culturas.

Os pontos não explicitados na primeira visita técnica, foram alvo de atenção durante a segunda visita – realizada no Jardim Botânico de Brasília (JBB) –, onde se teve conhecimento acerca de processos de biodigestão, cultivos de frutíferas e lida com insetos em áreas de plantação. Nesse contexto buscou-se estudar especialmente espécies frutíferas e/ou com quantidade significativa de flores, o que favorece a atração de pequenos insetos que desempenham a função de polinizadores no projeto de permacultura. Essa escolha metodológica foi necessária visto que:

O bioma Cerrado abriga mais de 11.000 espécies vegetais, das quais 4.400 são endêmicas, além de uma grande variedade de vertebrados terrestres e aquáticos e elevado número de invertebrados. No Cerrado a heterogeneidade espacial é um fator determinante para a ocorrência dessa diversidade de espécies. Os ambientes do Cerrado variam significativamente no sentido horizontal, sendo que áreas campestres, florestais e brejosas podem existir em uma mesma região. Essa enorme biodiversidade qualifica o Cerrado como a savana mais rica do mundo (Medeiros, 2011, p. 14).

Ter esse conjunto de considerações em mente se mostra imprescindível para que a proposta de planejamento permacultural não contemple espécies alheias a esse contexto biogeográfico (área core de Cerrado), ou quando o faça, que seja realizado de maneira coerente e consciente. A premissa básica dessa preocupação é que em uma proposta de permacultura é necessário que todos os componentes “dialoguem” em prol do desenvolvimento mútuo.

Ao se considerar os modelos de permacultura concebidos por Mollison (1981; 1998), Holmgren (2007) e Henderson (2012) – que tratam dos estilos de permacultura para realidades “domésticas” do tipo chácaras, ranchos e pequenas fazendas – e o levantamento realizado por Nery (2018), que constatou que no Brasil a maior parte dos projetos de permacultura é de iniciativa individual/particular, buscou-se projetar design permacultural voltado para a realidade do IFB Campus Riacho Fundo. Tal design começa com planejamento por setores, sendo seguido de planejamento por zonas.

O trabalho por setores refere-se à consideração das energias externas que têm influência dentro do sítio (que é como se chama, no design, a área em que o projeto será aplicado). Esse trabalho por setores, segundo as proposições de Mollison (1981;1998), garante melhor percepção das áreas afetadas por essas energias, o que é essencial para o próximo passo: o planejamento por zonas.

No modelo adaptado da teoria de Mollison para o Campus Riacho Fundo (Figura 3), dado as condições físico-naturais do Cerrado, com insolação constante independentemente da época do ano (setor de sol de inverno/verão), é recomendado que para este setor seja dado prioridade à vegetação de comportamento arbóreo-arbustivo para que depois seja viável o cultivo de outras espécies como gramíneas e vegetação herbácea. A ação dos ventos (setor de ventos fortes), por sua vez, demanda a proposição de quebra-ventos ao norte e a leste. Para este fim, o ideal, inicialmente, é o uso de espécies de comportamento ramificado (do tipo trepadeira) que possa diminuir o intenso fluxo de ar que adentra as demais áreas do sítio.

Posteriormente é importante que se instale vegetação de crescimento rápido e com altura por volta de dez metros, para que novas espécies sejam, conjuntamente, inseridas no design, ampliando a quantidade de matéria orgânica disponível. A área norte do design de permacultura do campus Riacho Fundo também é identificada como a área de onde advém maior quantidade de material poluente por via atmosférica, desse modo, essa área foi identificada como o setor de poluição. Para minimizar os impactos da atividade poluente, oriunda principalmente da circulação de veículos em uma avenida de médio porte da Região Administrativa do Riacho Fundo (DF), identificou-se que as alternativas apresentadas para solucionar a intensa circulação de ar também se adéquam a este setor.


FIGURA 3
Planejamento por setores permaculturais no “sítio” IFB Campus Riacho Fundo (2019)
Adaptado de: Mollison (1981;1998). Fonte: Autores, 2019

Os setores de sombreamento coincidem com as construções/edificações e outros espaços que demandam economia de energia elétrica ou ampliação do conforto térmico. Esses espaços são prioritariamente o estacionamento e áreas que apresentam forte potencial para agregar pessoas e garantir interações e convivencialidade, tais como os prédios da Vivência, Ginásio, Bloco Didático, Bloco de Laboratórios e o hall entre a Biblioteca e o Auditório.

Tomou-se por empréstimo os ensinamentos de Henderson (2012, p. 22), quando este sinaliza que “a elaboração do design para sistemas cultivados tem como inspiração os sistemas naturais. O conhecimento e a observação da natureza e todas as suas interconexões é o que norteia e rege o planejamento ou design de permacultura”. Como isso, o design pronunciado buscou reconhecer as potencialidades dos diferentes espaços presentes no sítio no que diz respeito ao que pode ser produzido, bem como ao impacto visual e ambiental a ser gerado.

Ao se reconhecer, na área do Campus os setores propostos por Mollison (1998), verifica-se maior facilidade nas demais etapas de planejamento das atividades permaculturais. Junto a essa organização reconhece-se a necessidade da constituição de grupos de trabalho que possam operar, em tempos específicos, os preceitos relacionados a cada setor anteriormente descrito. A definição do trabalho em grupos está assentada na concepção filosófica que sistematiza a permacultura. Esses grupos podem realizar rodízios nas diferentes atividades de modo que conheçam as especificidades das dinâmicas vigentes em todos os setores do design projetado, compreendendo assim, as especificidades e modos de organização e planejamento de cada setor. Árvores voltadas para o sombreamento das edificações e estacionamento, por exemplo, têm ritmo de crescimento diferente das hortaliças e ervas, por isso, é importante a organização de uma estrutura temporal coerente com as expectativas do projeto e se considere os tempos da natureza no processo de avaliação dos resultados alcançados.

A partir do planejamento por setores, pode-se realizar o planejamento por zonas (Figura 4), o qual auxilia na escolha da localização dos elementos espaciais a partir da distância em relação a zona zero, que é a área core do sítio – no caso do campus, os prédios pedagógicos e administrativos. A identificação das zonas em numeração de zero a cinco está presente na produção teórica de Mollison (1998) e por isso foi mantida e adaptada ao sítio estudado.


FIGURA 4
Planejamento por zonas permaculturais no sítio IFB campus Riacho Fundo (2019)
Fonte: Autores, 2019

A zona zero consiste no núcleo primordial do design de permacultura (Mollison, 1998), é onde está concentrada, em potencial, a energia humana (capacidade laboral). No caso do campus, essa zona é constituída por bloco administrativo/pedagógico, pavilhão de laboratórios de cozinha, ginásio, bloco de serviços, cantina e biblioteca.

A zona um é referente aos elementos que necessitam de manejo diário. Assim, é necessário que fiquem mais próximos das construções. No campus, abrange a horta, o jardim entre o bloco administrativo/pedagógico e o pavilhão de laboratórios de cozinha, além das pequenas áreas verdes do estacionamento, cuja intenção é preencher com árvores frutíferas.

Apesar de não se destacar no design, que se trata de algo mais geral (dado a escala de representação), existem pequenas áreas verdes localizadas no centro do bloco administrativo/pedagógico (Figura 5), cuja intenção no design apresentado é servir como canteiros para temperos e ervas, que podem ser utilizados diariamente nas aulas práticas de cozinha ou pela comunidade escolar em outras atividades.


FIGURA 5
IFB campus Riacho Fundo: áreas verdes localizados no bloco pedagógico/administrativo (2020)
Fonte: Autores, 2020

De acordo com o design de permacultura de Mollison (1998), na zona dois ficam localizados os elementos que necessitam de manejo frequente, mas não diário. No sítio de permacultura IFB Campus Riacho Fundo, delimitou-se como referenciais para compor essa zona, o galinheiro, o pomar e áreas verdes espalhadas pelo campus, cuja finalidade é futuramente transformá-las em jardins que auxiliem na melhora do microclima, reduzindo a utilização do ar-condicionado, e com isso minimizando o gasto de energia elétrica nos espaços edificados. Acerca desse debate, Henderson (2012, p. 22) afirma que:

A questão energética é vista como chave no projeto de permacultura. Para que uma propriedade permacultural seja eficiente em termos energéticos é preciso que os elementos estejam posicionados corretamente. A energia [em suas diferentes formas] deve fluir ciclicamente na permacultura, quanto menos utilizarmos de recursos provenientes de fora do sistema mais perto o espaço estará de uma “autossuficiência”, por exemplo, de acordo com o modo de vida urbano-industrial todos os recursos energéticos utilizados por nós, seres humanos, vêm de fora como a luz e a água. Além disso, somos condicionados a descartar alguns potenciais energéticos, a água e a matéria orgânica, e não sabemos como aproveitar outros recursos como, por exemplo, a água da chuva.

Seguindo o raciocínio de Mollison (1998), a zona três necessita de cuidados menos frequentes que a zona dois. No campus, essa zona abrange uma área próxima à casa de máquinas, localizado na extremidade sul do campus. Essa área, que já conta com algumas espécies de plantas como bananeiras. Tem como característica ambiental, ser mais úmida, por isso se mostra ideal para o recolhimento de micro-organismos essenciais para a criação de biodigestor, por exemplo. A ideia é acrescentar novas espécies àquele espaço, configurando posteriormente uma agrofloresta, a qual servirá de fonte de matéria orgânica e outros recursos, como descreve Shiva (2003), a serem utilizados na manutenção e desenvolvimento do design de permacultura proposto.

A zona quatro é a que menos necessita de cuidados, de forma que se visita tal área apenas esporadicamente para recolher frutas e sementes, além de observar como funciona o ecossistema ali instalado. No campus, tal área localiza-se próximo a cerca, a oeste. O plano para essa zona é estender o mangueiral já existente do outro lado da cerca, de modo que se crie quebra-vento naquela porção do campus.

O design esboçado está assentado na realidade espacial do sítio IFB campus Riacho Fundo, propondo pequenas, mas importantes, intervenções de maneira a favorecer o desenvolvimento de práticas pouco debatidas no cotidiano da instituição. Por ser um projeto que deverá ser desenvolvido a muitas mãos, entende-se que a inserção de novas práticas será constante e, desde que estejam de acordo com a filosofia estabelecida, poderão ser incorporadas ampliando o potencial transformador do espaço e das pessoas a partir dos princípios da permacultura. Há um conjunto de espaços ociosos no design ora apresentado, os quais poderão ser utilizados para essas novas atividades no futuro.

Diante do contexto revelado, vê-se como oportuno discutir os dados alcançados com a aplicação de questionário enviado à comunidade interna do campus Riacho Fundo acerca da temática. Obteve-se o total de 79 respostas relacionadas a docentes e a estudantes dos diferentes cursos (Figura 6). Mas verifica-se a predominância de discentes dos dois cursos técnicos integrados ao ensino médio, o que pode ser justificado pelo peso (em relação ao número de matrículas) que os cursos integrados têm no campus.


FIGURA 6
IFB campus Riacho Fundo: público respondente do questionário (2020)
Fonte: Autores, 2020

O questionário buscou coletar informações da forma mais ampla possível a fim de que se pudesse traçar o perfil da comunidade acadêmica acerca de temáticas que perpassam o debate da permacultura em um sentido lato, não limitando-a a uma concepção de produção de alimentos. Dessa maneira, em relação a separação de lixo em ambiente doméstico (uma das premissas para a compostagem e reaproveitamento de materiais), 51,9% dos respondentes (41 pessoas em termos absolutos) assinalaram que realizam cotidianamente tal prática. Ao se considerar que ainda hoje o serviço de coleta seletiva não está universalizado no Distrito Federal (Sema, 2018), constata-se que o desenvolvimento desse hábito pode ser ampliado a partir de campanhas educativas mais consistentes, bem como a partir da ampliação da oferta do serviço.

Ainda em relação a separação de lixo, um número menor de respondentes afirmou que realiza tal prática no campus, 44,3%, o que corresponde a 35 respostas. Essa diminuição é explicada nos dados da pergunta seguinte, na qual se buscou avaliar de que maneira ocorre a separação dos resíduos nos espaços do campus. Apenas 10,1% dos respondentes (08 respostas) assinalaram que a separação é eficiente. Isso pode ser justificado pela ausência de cestos de lixo identificados por cores em toda a área do estabelecimento educacional, o que favorece o entendimento por parte de quem vivencia este local, que tal prática não ocorre ou que precisa ser melhorada.

Foram levantados também outros hábitos, por meio dos quais verificou-se que o conjunto de respondentes realiza deslocamentos cotidianos majoritariamente de forma motorizada (em veículo da família ou em transporte coletivo, 44,3 e 20,3%, respectivamente). O que dificulta que os espaços e paisagens da cidade sejam apreciados por essas pessoas. 5,1% dos respondentes assinalaram não ter o hábito de olhar a sua volta durante a realização dos deslocamentos cotidianos, 10,1% disseram que por onde transitam não há o que olhar e 65,8% pontuaram que apenas o fazem quando sobra tempo. Considerando a dinâmica da vida moderna e o modo de deslocamento utilizado, é de se supor que a interação com os espaços cotidianos de passagem seja mínima ou sequer exista.

Apreciar e contemplar lugares e paisagens é um dos aspectos elementares da Geografia (Gomes, 2013), assim como da permacultura. É por meio da observação que se tem os primeiros indícios das potencialidades latentes de cada área, bem como, é a partir do olhar atento que se torna possível encontrar espaços ociosos pela cidade que possam vir a congregar pessoas por meio da implantação de hortas e outras atividades correlatas. Porém para que isso possa ocorrer, é necessário a mudança de hábitos, no sentido de escolher formas mais contemplativas de deslocamento, buscar minimizar o uso de veículos poluentes e transitar a pé pelos espaços da cidade (somente 31,6% dos respondentes afirmaram que realizam deslocamentos cotidianos a pé – esse percentual corresponde a 25 pessoas).

Ainda sobre os hábitos cotidianos, foi perguntado como é o relacionamento dos respondentes com a alimentação. Inicialmente foi verificado que a maior parte dos pesquisados afirmaram que não consomem produtos orgânicos rotineiramente, mas que, quando possível o fazem (58 dos respondentes, o que corresponde a 75,3% do total). Outra parcela assinalou que os produtos orgânicos tendem a ser mais caros que os demais, o que por vezes inviabiliza este tipo de consumo (24, 7%, o que corresponde a 19 respondentes). Esse dado demonstra que o imaginário coletivo de preços elevados para produtos orgânicos ainda se manifesta numa parcela considerável da comunidade acadêmica do IFB Riacho Fundo, mesmo que o próprio campus tenha passado a sediar feira de pequenos produtores da comunidade rural Kanegae, localizada nas proximidades da instituição (Figura 7).


FIGURA 7
IFB campus Riacho Fundo: panfleto de divulgação da feira do produtor agrofamiliar (2019)
Divulgação: Redes sociais, 2019 Disponível em: encurtador.com.br/alEX1 Acesso: 12.dez.2019

Esse ponto demonstra que são necessárias ações de ensino, pesquisa e extensão no escopo da permacultura, agroecologia e alimentação de maneira articulada e compreendendo-as enquanto práticas sociais e políticas de posicionamento frente ao senso comum que permeia o imaginário de parte considerável da população brasileira. Rechaçar inverdades sobre o processo de aquisição de alimentos de boa qualidade e diretamente dos produtores é um ponto necessário a ser alcançado, em especial quando se considera que o campus investigado forma profissionais ligados à área da Cozinha/Gastronomia. Conforme assinalam Rotolo, Pimentel e Silva (2019, p. 64) “analisar a importância da alimentação e de seus processos produtivos na formação da cultura e da identidade brasileira, bem como demarcar a relevância desses conhecimentos para a formação do profissional da cozinha” é essencial para desmistificar o processo formativo desses futuros profissionais.

Ainda sob a perspectiva do acesso a alimentos em que se conhece a procedência, foi perguntado sobre os hábitos do cultivo e plantio do que o respondente habitualmente consome (Figura 8). Apenas 7,6% (6 respostas) apontaram a falta de tempo para realizar atividades dessa natureza, em sentido semelhante, 16,6% (13 respondentes) demonstraram pré-disposição em aprender os passos para a criação de uma pequena horta ou equivalente.


FIGURA 8
Comunidade do IFB campus Riacho Fundo: hábitos de plantio e cultivo do que se consome (2020)
Fonte: Autores, 2020

A partir desses dados reconhece-se que há junto à comunidade interna do campus o desejo de repensar as práticas e os regimes alimentares (Poulain, 2013; McMichael, 2016). Esses dados dialogam ainda com a vontade latente de 63,3% dos respondentes (esse percentual corresponde a 50 respostas) em participar de atividades ligadas às práticas de permacultura que possam vir a ser desenvolvidas pelo campus (Figura 9). Caso essas atividades sejam de caráter obrigatório, ou seja, estejam atreladas aos planejamentos e planos de ensinos das disciplinas, a esse número são somados mais 20,3% (o que corresponde a mais 16 respostas favoráveis às práticas de permacultura que podem ser desenvolvidas no campus).


FIGURA 9
IFB campus Riacho Fundo: interesse da comunidade em desenvolver práticas de permacultura (2020)
Fonte: Autores, 2020

Por meio do cruzamento dos dados, foi verificado que a comunidade do campus tem interesse em práticas de permacultura, mas carece de esclarecimentos de como pode realizar atividades vinculadas a esse modo de se relacionar com a natureza, com o espaço e com a sociedade. Na tentativa de aproximar ainda mais a permacultura do cotidiano dos sujeitos participantes da pesquisa, foi confeccionado um folder (Figura 10), o qual além de socializar conhecimentos básicos, buscou despertar o entusiasmo de docentes, técnicos, estudantes e demais interessados, para o desenvolvimento de tais práticas. No panfleto constam os principais passos a serem trilhados pela comunidade escolar. Não se trata de um guia a ser seguido à risca, mas um start para servir de diretriz geral para a efetivação de atividades vinculadas à permacultura.


FIGURA 10
IFB campus Riacho Fundo: folder de divulgação da permacultura para a comunidade (2020)
Fonte: Autores, 2020

Pelo conjunto de dados levantados constata-se o grande potencial de desenvolvimento de práticas de permacultura no âmbito do IFB campus Riacho Fundo, o que, no entanto, demanda apropriação da temática por estudantes, docentes, técnicos e demais membros da comunidade escolar/acadêmica acerca da temática. Isso pode ocorrer por meio de adequações dos currículos dos cursos ofertados na instituição pesquisada, bem como por meio do desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão que contemplem (ou efetivem) o modelo de permacultura ora esboçado. Trabalhar com práticas de permacultura vinculados aos conhecimentos “escolares” pode correlacionar aprendizagens cotidianas com as científicas aliando os conhecimentos técnicos e propedêuticos frente a uma situação-problema previamente delimitada pela comunidade escolar.

No que concerne ao conhecimento geográfico reconhece-se que o planejamento espacial (e ambiental) se mostra como um importante aliado da efetivação de um design de permacultura, visto que compreender o porquê da localização das coisas e fenômenos é um princípio básico deste conhecimento (Gomes, 2017). A Geografia, enquanto ciência e enquanto componente curricular da educação básica, também apresenta ferramentas pertinentes para aproximar as pessoas dos espaços numa complexa e necessária relação de afetos espaciais – algo igualmente fundamental para o sucesso da permacultura em qualquer espacialidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É comum o equívoco de que a possibilidade de uma relação harmônica entre a natureza e a sociedade seja inviável na contemporaneidade. Essa premissa esteve muito presente no imaginário coletivo pelo menos até a década de 1960, quando houve a efetivação de diversos estudos sobre essa relação, oriundos da ecologia e do movimento verde (Nery, 2018). A consequência de tal ascensão montou um cenário propício à inovação na área, o que fez com que na década seguinte, na Austrália, nascesse a permacultura. Muito mais que uma prática, a permacultura se trata de um estilo de vida, englobando uma ética de cuidado consigo mesmo, com o próximo e com o espaço.

A proposta esboçada neste estudo, por sua vez, tratou de verificar como relacionar as práticas de permacultura dentro do ambiente escolar do campus Riacho Fundo do Instituto Federal de Brasília, de forma que se possa fortalecer o senso de comunidade e trabalhar diversas áreas do conhecimento, já que a permacultura se mostra como um campo holístico e inter/transdisciplinar. Algo tão complexo e relativamente novo como a permacultura, não pode se resumir a apenas um estudo. Assim, esta pesquisa trata-se de uma porta sendo aberta para jovens pesquisadores que ainda estão porvir. Configura-se em um início, um pequeno rascunho de uma ideia que tem que ser aprimorada, por meio do diálogo horizontal, ao longo do tempo. E ao se falar em portas, defende-se que a permacultura é uma saída possível e, necessária, para esse mundo extremamente caótico em que vivemos. A articulação dos conhecimentos com o fomento à convivência social (em perspectiva ampla) podem favorecer a diminuição das desigualdades e da fome, por exemplo.

Se por um lado a pandemia demandou a reorientação do planejamento inicial, como a eliminação de algumas visitas técnicas previamente planejadas e substituídas por outras estratégias de coletas de dados. De outro, demonstrou, na prática, a importância de regimes alimentares e de modelos de sociabilização que favoreçam o reconhecimento de técnicas e organizações produtivas esquecidas no imaginário social coletivo em detrimento de uma maneira única de pensar a produção de alimentos e de convivência social (Shiva, 2003).

Portanto, pode-se assinalar a importância e o “peso” da permacultura no cotidiano. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas o início desse processo se mostra potente em gerar reflexões teórico-práticas e preocupação de mudanças de caráter ambiental e social, trazendo uma melhoria social para todos. Diante das desigualdades nas quais o mundo está mergulhado, a permacultura traz consigo a esperança e o sonho de romper com o modelo de produção nocivo vigente atualmente no Brasil.

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