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O cidadão parceiro do comitê de bacia: guia prático para aprimorar o processo de mobilização social no planejamento de recursos hídricos
The citizen partner of the basin committee: a practical guide to improve the process of social mobilization in water resources planning
Revista Presença Geográfica, vol. 9, núm. 2, Esp., 2022
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 9, núm. 2, Esp., 2022

Recepção: 05 Julho 2021

Aprovação: 30 Setembro 2021

Resumo: O modelo de gestão descentralizada e participativa de recursos hídricos, preconizado pela Lei Federal No. 9433/97, trouxe mudanças nos processos decisórios de elaboração de políticas com participação social. Dar legitimidade a este novo modelo de governança através da implementação do principal instrumento de gestão, o plano de bacia, e propiciar a apropriação das informações nele contidas, é um grande desafio para gestores públicos e para os comitês de bacia. Este estudo foi inspirado na necessidade premente de uma mobilização social capaz de propiciar a apropriação dessa informação pela sociedade e dar início a construção de pactos que tornem efetivas as ações aprovadas no Plano. É neste contexto que o presente trabalho tem como objetivo principal propor um guia para apoiar o processo de mobilização social no planejamento participativo dos recursos hídricos. Para tal, a abordagem metodológica utilizada foi qualitativa, do tipo pesquisa participante, envolvendo a utilização de entrevistas e análise documental. Como resultado, foi elaborado um guia de diretrizes e conceitos básicos para criação de planos de articulação e projetos de mobilização social intitulado “O cidadão parceiro do Comitê de Bacia: Guia Prático para aprimorar o processo de mobilização social no planejamento participativo de recursos hídricos”.

Palavras-chave: Planejamento participativo, Plano de Recursos Hídricos, Governança das águas.

Abstract: The model of decentralized and participatory management of water resources, advocated by Federal Law No. 9433/97, brought changes in decision-making processes for the elaboration of policies with social participation. Giving legitimacy to this new governance model through the implementation of the main management instrument, the basin plan, and enabling the appropriation of the information contained therein, is a major challenge for public managers and for the basin committees. This study was inspired by the urgent need for social mobilization capable of promoting the appropriation of this information by society and starting the construction of pacts that make the actions approved in the Plan effective. It is in this context that the present work has as main objective to propose a guide to support the process of social mobilization in the participatory planning of water resources. For this, the methodological approach used was qualitative, of the participant research type, involving the use of interviews and documentary analysis. As a result, a guide of guidelines and basic concepts was created for the creation of articulation plans and social mobilization projects entitled “The citizen partner of the Basin Committee: Practical Guide to improve the social mobilization process in the participatory planning of water resources”.

Keywords: Participatory planning, Water Resources Plan, Water Governance.

INTRODUÇÃO

Este artigo é uma contribuição a discussão sobre boa governança dos recursos hídricos, elemento essencial para alcançar as Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 - Água Potável e Saneamento (ODS6), através do fortalecimento da gestão integrada dos recursos hídricos, descentralizada e participativa (ONU, 2015 e 2018). Tem por finalidade aprimorar o processo de mobilização social na elaboração do plano de recursos hídricos nos limites da bacia hidrográfica ou região hidrográfica (RH).

O objetivo principal é apresentar a proposta de um guia metodológico para apoiar o processo de mobilização social no planejamento participativo dos recursos hídricos, de forma a suprir as lacunas existentes, apesar dos avanços deste modelo de participação social desde a criação da Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH em 1997. Atualmente existem muitos questionamentos sobre a sua efetividade, onde nota-se que a sociedade em geral não está suficientemente capacitada e mobilizada para tomar tais decisões (CASARIN, 2018; SOUZA, 2017; DOWBOR, 2008). Por sua vez, os órgãos públicos gestores de recursos hídricos e das agências de água/delegatárias têm apresentado dificuldades para cumprir o papel de capacitá-la para tais avaliações, com tomadas de decisão, de maneira que a sociedade compreenda as informações e possibilite uma efetiva mobilização social em torno do plano, o que faz pensar que estes “não passam de "tigres de papel" ou “promessas a serem cumpridas por outros” (OCDE, 2002).

O modelo de gestão descentralizada e participativa de recursos hídricos, preconizado pela Lei Federal No. 9433/97, trouxe mudanças nos processos decisórios de elaboração de políticas com participação social. Tornar este novo modelo uma boa prática de governança, através dos comitês de bacia, é um grande desafio para gestores públicos, para o setor usuário de água e para a sociedade civil organizada (ABERS e KECK, 2004, 2008; SOUZA, 2018). Os diferentes segmentos têm seu envolvimento na governança das águas garantido por lei e nos limites de um território, precisamente as bacias hidrográficas, ou um conjunto delas, através do comitê: espaço de representatividade destes setores e de interações permanentes entre os vários entes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGREH. Neste sentido, é essencial que os cidadãos envolvidos sejam contemplados por um nivelamento de informações que fundamentem a tomada de decisão coletiva, um dos fundamentos que inspirou a escrita do Guia Prático.

Para começar precisamos saber que o planejamento é uma prática que possibilita perceber a realidade, avaliar os caminhos, construir um referencial futuro, o caminho adequado e reavaliar todo o processo para alcançar aquilo a que ele se destina. Planejar é decidir com antecedência o que fazer, como fazê-lo, quando fazê-lo, e quem deve fazê-lo. O planejamento demarca os cenários entre onde estamos e para onde queremos ir. “É importante que o planejamento seja entendido como um processo cíclico e contínuo das determinações do plano, necessitando haver constante realimentação de situações, propostas, resultados e soluções” (BANCO MUNDIAL, 2018, pg.31). É um instrumento dinâmico, baseado na multidisciplinaridade e interatividade, num processo contínuo de avaliação e tomada de decisão.

No contexto do SINGREH, planejar recursos hídricos é definir regras para o uso da água como prioridades de outorga, condições de operação reservatórios, diretrizes e critérios de cobrança pelo uso da água, os estudos técnicos de enquadramento, dentre outras. Em resumo, como destaca o Plano Estratégico de Recursos Hídricos das bacias hidrográficas dos rios Guandu, da Guarda e Guandu-Mirim: “planejar é conceber futuros plausíveis e desejados, e os meios práticos para alcançá-los” (PERH GUANDU, 2018, p.11).

A PNRH possui dois instrumentos de gestão que são de planejamento: o plano de bacia e o enquadramento, porém o plano de bacia é o que integra e articula todos os demais instrumentos, ou seja, o sistema de informação, a outorga, a cobrança e o próprio enquadramento (Figura 1). Este visa mitigar, minimizar e se antecipar aos problemas relacionados aos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, de forma a promover os usos múltiplos da água e sua gestão integrada. Em outras palavras, o plano engloba todo ordenamento necessário para tentar manter uma infinidade de usos, como abastecimento, em qualidade e quantidade, produção de energia, pesca, diluição de resíduos, atividades recreativas, espiritual e cultural, representados na lei das águas pelos usos múltiplos de um rio e de vários rios, no caso de uma bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento. Deve promover a redução de conflitos reais e potenciais de uso da água, dos eventos hidrológicos críticos, bem como a percepção da água como valor socioambiental relevante.


FIGURA 1
Relação entre os instrumentos de gestão
Fonte: BANCO MUNDIAL, 2018, p. 4.

Desta forma, a seguir, serão apresentadas as especificidades de um Plano de Bacia, os caminhos metodológicos trilhados no desenvolvimento da pesquisa e os resultados obtidos que levaram à elaboração do Guia metodológico “O cidadão parceiro do Comitê de Bacia: Guia Prático para aprimorar o processo de mobilização social no planejamento participativo de recursos hídricos”.

Cabe ressaltar que esta pesquisa foi realizada no âmbito do mestrado profissional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua) e teve como estudo de caso a bacia do Guandu (CASARIN, 2018). No entanto, as reflexões sobre o planejamento participativo que aqui se apresentam se aplicam a toda e qualquer bacia hidrográfica.

O Plano de Recursos Hídricos (PRH)

O plano de recursos hídricos, também chamado de plano de bacia hidrográfica ou ainda só plano de bacia, como dito anteriormente, é um instrumento que permite integrar e articular os demais instrumentos, ou seja, o sistema de informação, o sistema de outorga, a cobrança e o enquadramento. Constitui-se na base para uma gestão integrada e participativa dos recursos hídricos, pois é um instrumento de planejamento que permite ao Comitê, aos órgãos gestores e aos demais componentes do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos com responsabilidade sobre a região, gerirem seus recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

A principal base legal para um plano de recursos hídricos é a Lei Federal 9.433/97, na sua Seção I, Art. 6º que indica: "Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos". Destacamos o Art. 7º, que diz: "Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão conteúdo mínimo" e ainda vale ressaltar que os itens VI e VII, que versam, respectivamente, sobre responsabilidades para execução das medidas, programas e projetos e seu cronograma de execução e programação orçamentário-financeira foram vetados. Pode se dizer que já se previa a construção de "pactos vinculantes" como apontado pelo Banco Mundial (2018). Em nível nacional, é a Resolução Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) n° 145/2012, que estabelece as diretrizes e o conteúdo mínimo para a elaboração de PRHs, regulamentando o art. 7º da Lei n° 9.433/1997.

As etapas mínimas de um PRH, de acordo com a Lei 9.433/97, Art. 7., são apresentadas no Quadro 1. As metas estabelecidas, normalmente praticadas, são de curto, médio e longo prazo. Os planos elaborados pelo país utilizam essa mesma estrutura, considerando as especificidades de cada bacia hidrográfica, como por exemplo o Plano da Bacia do Rio Paraíba do Sul (PBRPS 2007-2010) e o PRH Paranaíba (ANA, 2013). É dentre todos os instrumentos de gestão, aquele que contêm o planejamento geral.

Além do Plano Nacional e dos planos estaduais, a ANA aponta que já foi concluída a elaboração de 176 PRHs, sendo 164 de bacias hidrográficas estaduais e 12 PRHs de bacias hidrográficas interestaduais, cuja elaboração é de responsabilidade da União (BANCO MUNDIAL, 2018). Ainda, de acordo com o Banco Mundial, a construção de um plano de recursos hídricos deve buscar o planejamento integrado articulado com a gestão ambiental, considerar os licenciamentos previstos na região e a gestão municipal dos municípios, e também articular com outros planejamentos existentes na área ambiental na região.

QUADRO 1
Etapas mínimas de um PRH

Fonte:Casarin, 2018, p. 32.

O documento "Diálogos para o Aperfeiçoamento da Política e do Sistema de Recursos Hídricos no Brasil" chama a atenção para a importância de que a construção de um plano seja parte de um processo contínuo e cíclico de monitoramento, onde seja feita avaliação de desempenho e aprendizado, e preparação, adaptação e resposta frente a eventos críticos e impactos das mudanças climáticas que ocasionem problemas na oferta e na demanda dos recursos hídricos na bacia (BANCO MUNDIAL, 2018).

Em outras palavras, ele engloba todo ordenamento necessário para tentar manter uma infinidade de usos e serviços, como abastecimento, na indústria, produção de energia, pesca, diluição de resíduos, atividades recreativas, representados na lei das águas pelos usos múltiplos de um rio e de vários rios, no caso de uma bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento. O planejamento se torna complexo quando visa garantir e manter os múltiplos usos da água em uma bacia hidrográfica. Um planejamento inadequado para a região restringe a capacidade do corpo hídrico de diluição, causa poluição, destruição do ecossistema e impede o atendimento às demandas socioambientais.

Basicamente, o processo de elaboração/construção do plano de recursos hídricos é composto por etapas distintas (Figura 2) que deverão ser adaptadas, considerando as particularidades de cada bacia ou região hidrográfica, conforme já ressaltado (BANCO MUNDIAL, 2018).


FIGURA 2
Etapas de um plano
Fonte: Inspirado no PERH Guandu, 2018 e Banco Mundial, 2018.

O horizonte de um Plano pode ser de até 25 anos, planejada com metas de longo prazo para 10, 15 ou 20 anos e metas de curto e médio prazo (BRASIL, 2012). Tais prazos se definem de acordo com os programas, projetos e recursos financeiros disponíveis e/ou pactuados, podendo ainda ser estabelecidas metas de curtíssimo prazo, no sentido de buscar credibilidade e confiança no plano, mais rapidamente, junto a sociedade. Uma nova abordagem tem sido praticada nos Planos Estratégicos de Recursos Hídricos (PRHs) aprovados recentemente como, por exemplo, o do PERH Guandu 2018, Bacia do Grande e Bacia do Paraguai. Esta abordagem envolve a concepção de um plano mais realista, que define um passo a passo para a implementação de ações estratégicas por meio de um manual operativo (MOP) (ANA, 2017).

DESENVOLVIMENTO

Para alcançar nosso objetivo, a abordagem metodológica foi qualitativa, do tipo Pesquisa Participante, em função da subjetividade implícita nos conflitos e acordos que fazem parte desse tipo de espaço deliberativo, além da utilização de pesquisa bibliográfica, da investigação documental no tratamento da coleta de dados, entrevistas informais e percepções dos diversos debates sobre o tema, nos vários eventos da área de governança dos recursos hídricos, ao longo dos anos de 2017 e 2018. Esta experiência abriu novas perspectivas sobre "formas alternativas de tratar os objetos, de investigação, a vida, o mundo, as práticas sociais e, sobretudo, as implicações do investigador com seu objeto de pesquisa" (MINAYO, 2008, p. 132).

A pesquisa qualitativa permite desvendar processos sociais que se referem a grupos específicos e ainda “[...] propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação” (MINAYO, 2008, p. 57). A pesquisa bibliográfica objetivou argumentar e fundamentar teoricamente a investigação documental, através da análise da literatura. A investigação documental identificou as atuais orientações legais estaduais e nacionais que tratam da gestão dos recursos hídricos, especialmente em relação à mobilização social na elaboração de planos de recursos hídricos, além da legislação relativa à gestão de recursos hídricos, e de saneamento básico.

O estudo de caso da bacia do Guandu, que deu origem à pesquisa, foi uma oportunidade de associar a participação da autora principal como representante da sociedade civil, nesse fórum, com a pesquisa de campo necessária para subsidiar a elaboração de um guia para o processo de mobilização social no planejamento participativo de recursos hídricos. A escolha dos entrevistados baseou-se no interesse e disponibilidade de tempo para ceder a entrevista, na importância de cada ator na história do Comitê, como coordenadores e subcoordenadores de CTs - Câmaras Técnicas, membros atuantes da diretoria e nas condições práticas de acesso da pesquisadora aos entrevistados atores da gestão de recursos hídricos durante as várias oficinas realizadas. Foram entrevistados, ao todo, quinze membros do Comitê, sendo que, dois foram entrevistados por duas vezes, totalizando, assim, 18 entrevistas/conversas realizadas entre os meses de julho de 2017 a outubro de 2018. Paralelamente à realização das entrevistas, foi realizado o acompanhamento presencial em reuniões e eventos do CBH Guandu, valendo-se de técnicas de Pesquisa Participante. Em todos os eventos foi possível observar, participar dos debates, apresentar ideias, aprofundar os assuntos que são desafios na gestão de recursos hídricos, conversar com atores relevantes e integrantes do SINGREH, bem como pesquisar, coletar documentos e colher dados empíricos que subsidiassem a construção do Guia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O comitê de bacia é composto por representantes do poder público, usuários de água e sociedade civil organizada atuando como cidadãos. Entendemos, como Toro e Werneck (1997, p. 8) que "cidadão é a pessoa capaz de criar ou transformar, com os outros a ordem social e a quem cabe cumprir e proteger as leis que ele mesmo ajudou a criar". Uma das questões chave no desafio de planejamento de recursos hídricos é o envolvimento das partes interessadas com vistas a fortalecer as relações institucionais e promover uma interatividade efetiva.

A gestão descentralizada busca e necessita o engajamento de entidades que pertençam e/ou tenham atuação no território da bacia/região hidrográfica, desde os grandes usuários de água quanto os pequenos produtores rurais, por exemplo, que, no conjunto, também causam impacto ambiental na bacia. Neste sentido, a parceria entre o comitê de bacia e o cidadão deve ser buscada, incentivada e fortalecida através das instituições chave que ali atuam e eles representam, membros ou não do comitê, para que o processo de mobilização social tenha efetividade, transparência e a participação social e cidadã.

É necessário que se construa credibilidade e confiança entre os entes envolvidos na busca de uma ação conjunta e integrada, reconhecendo a inter-relação dos recursos hidrológicos, ecossistêmicos, sociais e econômicos da região. O acompanhamento e monitoramento perpassam todas as etapas, e o fortalecimento deve acontecer, de maneira permanente, através, por exemplo, da informação e capacitação, uma vez que acontecem trocas de representantes ao longo do tempo, principalmente os representantes dos municípios que, por sua vez, são responsáveis pelo uso do solo e possuem grande influência no planejamento geral da bacia. Portanto, é importante conhecer o plano estratégico de desenvolvimento de cada um deles e da região, quando houver, além de compatibilização com os planos regionais existentes.

O Guia Prático busca aprimorar as abordagens sociais que contribuam para criar espaços de confiança mútua, de construção do conhecimento e de interação entre o comitê e seus entes parceiros durante todo o processo de construção e implementação do plano de recursos hídricos. Ainda não se tem uma publicação específica sobre o tema que apresente uma visão geral e abrangente de orientação metodológica do assunto.

São três níveis diferentes para as interações entre governo e cidadãos, com influência crescente no processo de decisão, identificados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): Informação, Consulta e Participação ativa. Considerando os diferentes públicos de uma bacia ou região hidrográfica, estas referências foram utilizadas para descrever de maneira introdutória o processo de informação e de mobilização social proposto para a participação na construção de um Plano de Recursos Hídricos (PRHs), no qual as interações entre instituições do governo, usuários, sociedade civil organizada e cidadãos da bacia encontram-se em permanente interação (OCDE, 2002).

A Figura 3 apresenta essas referências que são sugeridas para cada etapa do plano.


FIGURA 3
Referências de informação e mobilização nas etapas do plano
Fonte: A autora, adaptação ampliada do Banco Mundial, 2018, p. 32.

A Informação trata de uma relação em um único sentido, na qual as entidades responsáveis e/ou envolvidas na construção do plano (comitês, delegatárias ou órgão gestores) divulgam informações através de imprensa escrita ou falada ou, ainda, através da disponibilização dessas informações em um site da internet ou redes sociais, conforme seus interesses.

Já a Consulta é o instrumento utilizado quando o comitê de bacia e/ou delegatária tem questões específicas as quais se faz necessário e recomendável obter respostas dos diferentes públicos alvo do Plano, em busca de uma formulação conjunta. Para receber respostas, o comitê de bacia e/ou delegatária definem questões e pontos de vista que são buscados durante o processo de construção do plano. É importante perceber que, para receber respostas satisfatórias de uma consulta pública, é necessário o fornecimento de informações ao público alvo com certa antecedência. Neste sentido, a consulta cria uma relação bidirecional entre o comitê de bacia e/ou delegatária e cada segmento do público alvo (quando houver mais de um).

Na Participação ativa os cidadãos assumem um papel no processo decisório para a gestão, através de uma relação bidirecional avançada entre o comitê e seus membros, baseada no princípio da parceria. Ou seja, para além da participação nas consultas públicas, os cidadãos se envolvem ativamente na tomada de decisão e na formulação das diretrizes do plano, mais diretamente, como membros do comitê que o aprovam. As questões que surgirem poderão, inclusive, ser analisadas em cada uma das etapas, no âmbito das CTs - Câmaras Técnicas e/ou da criação de Grupos de Trabalho temáticos entre entidades parceiras afins de algum programa ou diretriz específica, no sentido de aperfeiçoar e/ou complementar o proposto. Na construção do PRHs, a participação ativa é estruturada entorno dos representantes da sociedade da bacia hidrográfica no âmbito do comitê, dos membros titulares e suplentes. Durante todo o processo, deve-se buscar o envolvimento desses representantes, assim como dos segmentos e setores por eles representados. Em todas as etapas eles participam e aprovam o produto de cada uma delas.

Há, porém, desafios a serem vencidos, pois há muitas reservas quanto ao desenvolvimento destas atividades propulsoras ou mantenedoras das relações comitê-cidadão. É importante refletir sobre o papel das lideranças, o compromisso e a corresponsabilidade que cada uma delas tem para fazer frente aos desafios, pois informações, consulta e participação ativa exigem recursos como: tempo, experiência e dinheiro, como qualquer outra atividade de um plano e de uma boa governança.

O processo inteiro, desde a informação até a consulta e a participação ativa, faz crescer a influência que os cidadãos podem exercer na construção do plano e nem sempre isso é bem entendido ou aceito, mesmo que desejável e politicamente correto num processo participativo como é a gestão de recursos hídricos. Apesar de estar prevista na lei, uma maior abertura e transparência na construção da gestão e seus instrumentos, precisa de amadurecimento da cultura participativa, tanto dos órgãos gestores como os entes do sistema e cidadãos. A sociedade se torna cada vez mais complexa, assim como os desafios para os comitês de bacia que devem buscar, ativamente, fortalecer essas interações através de um trabalho dedicado e permanente de mobilização social.

Neste sentido, apresentamos as principais conclusões colhidas na pesquisa de campo e que inspiraram a elaboração do Guia:

- A necessidade de maior atenção às especificidades locais;

- Necessidade de pesquisa e relação prévia de atores-chave para compor o Plano, a fim de que estes participem da formação de rede local e da construção do Plano desde o início;

- Necessidade de realização de visitas técnicas para coleta de dados, realizadas por mobilizadores sociais;

- Necessidade de nivelamento entre sociedade civil, usuários e poder público;

- Previsão, no Plano, da possibilidade do surgimento de demandas locais e “menores” nas audiências, pois é necessário que o Plano preveja um nível de atendimento às demandas locais;

- Formação de Multiplicadores: necessidade de realização de capacitação preparatória de lideranças locais, formação de rede, que podem ou não fazer parte dos futuros subcomitês;

- Criação de grupos de trabalho ou comissões locais, a partir das unidades hidrográficas, que possibilitem a conexão entre a população e as regulamentações em prol de efetivar uma política descentralizada e participativa;

- Implementação da corresponsabilidade nos processos de controle e monitoramento social de políticas públicas por parte da sociedade civil e dos diferentes setores de usuários (pactos);

- Elaborar um Termo de Compromisso documental entre os entes.

Sugere-se ainda que, associada ao plano de mobilização, seja realizada uma capacitação preparatória de lideranças, numa ideia de multiplicadores agentes daquela política. Esta seria uma forma não só de receber as demandas locais como de incluí-las a partir da formação de uma rede local, como um braço daquela política: a criação de referências e pontes entre o micro e o macro, entre o local e o governo.

A partir da experiência acumulada, o Guia contemplou as seguintes discussões, divididas em três partes:

- Na Parte 1 é abordado o que é um planejamento de recursos hídricos; por que escolhemos o instrumento de gestão Plano; as características do Plano; sua duração. Discute-se, também o papel do cidadão parceiro do Comitê e a importância da contextualização regional;

- Na Parte 2 a temática é voltada para a mobilização social, descrevendo as etapas de Informação, Consulta e Participação ativa, além de discorrer sobre os possíveis desafios;

- A Parte 3 é voltada para apresentação de sugestões de atividades e de roteiros metodológicos para o desenvolvimento de cada etapa discutida na Parte 2.

Além disso, foi elaborado um Glossário que visa introduzir conceitos básicos da gestão de recursos hídricos para um público diverso.

O produto desta pesquisa, o Guia “O cidadão parceiro do Comitê de Bacia: Guia Prático para aprimorar o processo de mobilização social no planejamento participativo de recursos hídricos” encontra-se disponível no endereço: <https://drive.google.com/file/d/13iRJCk6U3nk8oXDYkMiOPj4xBB8GLIvv/view> e pode ser entendido como uma forma de contribuição para a área de gestão de recursos hídricos, que, longe de estar pronta, é uma semente em gestação.

Este Guia foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES) - no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos - ProfÁgua, do Polo UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com o apoio financeiro do Comitê Guandu, através do Auxílio à Pesquisa para a Elaboração de Estudos, Edital AGEVAP N. 02/2017. Trata-se de uma contribuição à boa governança dos recursos hídricos, elemento essencial para alcançar as Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 - Água Potável e Saneamento (ODS6), através do fortalecimento da gestão integrada dos recursos hídricos, descentralizada e participativa. A ODS6 integra os 17 objetivos do documento "Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” aprovada em 2015 pelas Nações Unidas, também conhecida como Agenda 2030.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As principais conclusões colhidas na pesquisa de campo e que inspiraram a elaboração do Guia são a necessidade de maior atenção às especificidades locais, uma pesquisa mais aprofundada e relação prévia de atores representativos com interface na área de recursos hídricos, a fim de que estes participem da construção do Plano, desde o início da fase preparatória até sua efetiva implementação, de forma que se crie vínculos e propicie a pactuação a execução das ações do Plano. As visitas técnicas para coleta de dados poderiam ser realizadas por mobilizadores sociais e nivelar informações básicas entre sociedade civil, usuários e poder público. Também um olhar mais acolhedor para o surgimento de demandas locais e “menores” nas audiências públicas, pois o plano deveria prever um nível de atendimento às demandas locais, além de propiciar a formação de multiplicadores de informação através de capacitação preparatória de lideranças locais, formação de rede, que podem ou não fazer parte dos grupos de trabalho ou comissões locais que se formem a partir das unidades hidrográficas criadas e que venham possibilitar a conexão entre a população e o comitê de bacia. Um trabalho para a criação de vínculos e de credibilidade do Comitê junto aos atores dos diferentes locais do território hidrográfico possibilitará a construção de corresponsabilidade nos processos de controle e monitoramento social de políticas públicas por parte tanto da sociedade civil como dos diferentes setores de usuários (pactos).

Desta forma, o grande desafio para reverter o quadro da pouca mobilização social é criar um ambiente e cultura de participação com corresponsabilidade durante a elaboração e implementação de qualquer um dos instrumentos de gestão de recursos hídricos, seja a cobrança, o plano, a outorga, ou o enquadramento. Também um permanente trabalho de capacitação e de informação em linguagem adequada e acessível aos diferentes segmentos de representação da sociedade no âmbito da bacia hidrográfica, a fim de evitar a “exclusão participativa”, nos termos apontados por Souza (2017):

[...] a exclusão participativa, que se dá até por meio da estigmatização, na medida em que uns dominam os códigos de linguagem que lhes franqueiam maior capacidade de argumentação livre e consciente, enquanto outros são tolhidos por não lograrem expressar-se nessa linguagem, sendo desvalorizados por serem detentores de conhecimentos empíricos e saber popular (SOUZA, 2017, p. 1066).

Tal linguagem, por vezes, necessita de um olhar diferenciado e de uma postura de acolhimento das sugestões e não apenas participar as decisões tomadas. Deve-se buscar a discussão de cada tema com cada um dos diferentes públicos e segmentos.

Sugere-se ainda que, associada ao plano de mobilização, seja realizada uma capacitação preparatória de lideranças, numa ideia de multiplicadores agentes daquela política. Esta seria uma forma não só de receber as demandas locais como de incluí-las a partir da formação de uma rede local, como um braço daquela política: a criação de referências e pontes entre o micro e o macro, entre o local e o governo de estado e o comitê. Essas proposições podem possibilitar e contribuir para a melhoria da legitimidade desta política descentralizada e participativa, de modo que o plano seja melhor apropriado pelos atores, instituições, governos locais ou órgãos estaduais.

O Guia Metodológico é o resultado da pesquisa e vem apoiar mais diretamente o processo participativo durante a elaboração e de articulação anteriores à aprovação e implementação de um plano de bacia pelo comitê. Ele traz diretrizes para criação de planos de articulação e projetos de mobilização social e intitula-se “O cidadão parceiro do Comitê de Bacia: Guia Prático para aprimorar o processo de mobilização social no planejamento participativo de recursos hídricos”.

O Guia é direcionado aos comitês de bacia, técnicos das agências de água/delegatárias, dos órgãos gestores de recursos hídricos e técnicos responsáveis pela formulação dos Termos de Referência (TdRs) e acompanhamento dos planos e ainda atende à proposta de pesquisar soluções baseadas na experiência dos próprios atores e, ao mesmo tempo, dialogar com a academia.

O Guia encontra-se aberto a possibilidades diversas e propostas outras, que aqui não caberiam, mas que caberá na trajetória de tantos outros profissionais e pesquisadores que, atendendo ao chamado Freiriano, estão aprendendo a aprender, aprendendo a conviver e aprendendo a fazer, de outro modo, com outros (FREIRE, 2002). O guia, portanto, trás em seu bojo, não uma receita pronta, mas um convite a ter esperança do verbo esperançar, a não desistir, a seguir adiante, na luta diária para ampliar as parcerias e a mobilização social nas discussões e decisões sobre os recursos hídricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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