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A importância do livro didático para o ensino da geografia na modalidade avançar de 6º ao 9º ano, Amazonas-Brasil
The importance of the didactic book for the teaching of geography in the modality of advancing from 6th to 9th grade, Amazonas-Brazil
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 1, Esp., 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 1, Esp., 2023

Recepção: 25 Março 2023

Aprovação: 26 Março 2023

Resumo: Neste trabalho foi feito uma contextualização do processo histórico do livro didático para entender a sua importância no ensino. Analisou-se um livro didático de Geografia do projeto Avançar/SEDUC-AM com os seguintes procedimentos metodológicos: como parâmetro, observou-se os elementos de análise propostos por Castrogiovani e Goulart, as competências previstas na BNCC e as propostas do Referencial Curricular Amazonense. Verificou-se que o livro didático corresponde as competências e propostas previstas, e serve de introdução para o desenvolvimento de habilidades específicas. Todavia o livro apresenta os assuntos propostos para os temas das unidades de forma superficial; ilustra algumas questões com mapas, mas não aborda conteúdos referentes a conceitos e projeções cartográficas; foi encontrado muitas figuras soltas relacionadas aos temas, mas sem descrição ou chamado nos textos; e a contextualização se resume a informações e dados quantitativos. As oportunidades identificadas nesta análise podem ser utilizadas para aprimorar as próximas edições do livro do projeto Avançar.

Palavras-chave: Ensino de Geografia, Livro Didático, BNCC, Referencial Amazonense, Projeto Avançar.

Abstract: In this work, a contextualization of the historical process of the textbook was made to understand its importance in teaching. A Geography textbook from the Avançar/SEDUC-AM project was analyzed with the following methodological procedures: as a parameter, the elements of analysis proposed by Castrogiovani and Goulart, the competences foreseen in the BNCC and the Amazonian Curricular Reference proposals were observed. It was verified that the textbook corresponds to the foreseen competences and proposals, and serves as an introduction for the development of specific skills. However, the book presents the subjects proposed for the themes of the units in a superficial way; illustrates some issues with maps, but does not address content related to cartographic concepts and projections; many loose figures related to the themes were found, but without description or name in the texts; and contextualization boils down to information and quantitative data. The opportunities identified in this analysis can be used to improve future editions of the Avançar project book.

Keywords: Geography Teaching, Textbook, BNCC, Amazonian Reference, Avançar Project.

INTRODUÇÃO

O livro didático continua sendo um dos principais recursos didáticos no contexto escolar do Brasil no século XXI. A democratização dos meios de comunicação e a ampliação das redes de serviços de internet que chega até as comunidades mais carentes e regiões mais isoladas do nosso país tem viabilizado a muitos jovens e adolescentes o acesso antecipado ao conhecimento que anteriormente só era apresentado na escola pelo professor com o auxílio do livro didático.

O imenso ambiente virtual que conecta pessoas do mundo inteiro em tempo real por meio da internet dispõe de um rico acervo de informações sobre qualquer assunto, no entanto, é importante considerar que nem tudo que está disponível em sites, blogs, redes sociais, youtube e similares sobre determinados assuntos é necessariamente verdadeiro, requerendo daquele que acessa o conteúdo a responsabilidade de verificar as fontes, antes de compartilhar aquilo que conhecemos como fake news.

O atual contexto que vivemos impõe cada vez mais um ritmo acelerado na vida das pessoas e o cuidado em nos mantermos atualizado demanda fontes seguras para isto. Embora o livro didático seja uma importante fonte de informação e conhecimento com credibilidade, uma vez que são produzidos por especialistas credenciados e avaliados dentro de um rigor metodológico que certifica a autenticidade do conteúdo disponibilizado, está sujeito a ideologias e interesses de uma elite intelectual que muitas vezes fazem uma leitura da sociedade distantes das realidades locais e regionais. Ainda assim, o livro didático contribui na formação intelectual e consolidada de crianças, adolescentes e jovens que adentram a escola.

Neste trabalho veremos uma análise do livro didático de geografia do projeto Avançar (6° ao 9° ano), uma iniciativa do Governo do Estado do Amazonas para contemplar alunos que não puderam estudar de forma seriada os conteúdos previstos para o Ensino Fundamental. Partindo de uma breve história do livro didático no Brasil, que fundamenta a importância do livro didático na vida escolar do aluno, apresenta-se em seguida os documentos normativos em vigor para a elaboração destes livros que possibilitou uma análise mais acurada do livro didático do projeto Avançar.

REFERENCIAL TEÓRICO

O livro didático é um recurso pedagógico para o professor, uma política pública (PNLD) que garante direitos voltados a Educação escolar, com conteúdo fundamentados pela ciência, por fatos sociais e culturais, com o objetivo de comunicar o conhecimento para distintos públicos em diferentes faixas etárias e graus de aprendizagem. Para o professor, o livro didático é um importante recurso facilitador do ensino dentro do processo que desenvolve o aluno na escola, representando uma “bússola” para o profissional educador ao desempenhar suas competências dentro da sala de aula.

Uma breve história do livro didático no Brasil

Ao investigarmos a história do livro, podemos compreender a necessidade humana de gravar informações e conhecimentos para os seus contemporâneos e gerações posteriores. Na antiguidade, os primeiros homens gravaram suas experiências e perspectivas em pedras, nas paredes das cavernas, e tabuas de argila. As civilizações que se desenvolveram na Mesopotâmia e no Nilo se utilizavam dos “khartes”, cilindros de folhas de papiro de fácil transporte.

Séculos depois, os pergaminhos feitos de pele de animais, por apresentavam maior durabilidade, serviram para documentar vários tipos de registros, dos quais muitos foram encontrados nos séculos XIX e XX, constando valiosos fragmentos de relatos históricos da humanidade e que hoje se encontram preservados em museus. No período do Império Romano, algo mais parecido com os livros que utilizamos hoje já circulavam nas cidades, palácios, feiras e bibliotecas. O “codex”, era uma espécie de caderno onde eram feitas notas nas folhas de papiro ou de pele de animais, em ambos os lados que eram dobradas e amarradas ao longo da dobra (MELLO JUNIOR, 2000).

A produção de documentos e livros foi um trabalho manual executado por escribas até a invenção da imprensa por Gutemberg no século XV. Através da impressão, o mesmo livro podia ser produzido em série viabilizando um alcance maior da informação. Este fato tem sido considerado um marco para a História da Humanidade, O primeiro livro impresso por Gutemberg foi a Bíblia Sagrada. O primeiro livro impresso que chegou no Brasil foi uma Bíblia Sagrada, trago pela Família Real Portuguesa em 1808, que fugia dos avanços de Napoleão Bonaparte com a sua política expansionista pela Europa (MICHEL, 2021).

A origem do livro didático ainda é tema de bastante discussão, no entanto, alguns autores sustentam que o livro didático tenha surgido por volta do século XIX como complemento aos ensinamentos que não constavam na Bíblia. Segundo Oliveira (1997) na década de 1840 os livros didáticos também passaram a assumir importante papel na aprendizagem e política educacional, escritos sobretudo para alunos matriculados em escolas de elite. A outra versão sobre a origem do livro didático defende que o mesmo fazia parte da cultura escolar antes da invenção da imprensa, quando os estudantes universitários produziam seus próprios cadernos de textos.

No Brasil, as primeiras ideias para se adotar este recurso facilitador do processo de ensino-aprendizagem surgiu por volta de 1929 com a criação do Instituto Nacional do Livro/INL em dezembro de 1937 com o objetivo de legitimar o livro didático no país e auxiliar na sua produção (MICHEL, 2021). O INL foi uma iniciativa do então ministro da Educação e da Saúde Gustavo Capanema no governo de Getúlio Vargas. Entre as atribuições previstas para o Instituto estava a edição de obras literárias de interesse para a formação cultural da população; elaboração de um dicionário e uma enciclopédia nacional, além da construção de bibliotecas por todo o território nacional.

Para os formuladores da política cultural da década de 1930, anos de busca de uma identidade nacional, a organização de uma enciclopédia e um dicionário da língua brasileira parecia fundamental à própria existência cultural do país. Já as bibliotecas, na definição de Capanema, eram necessárias por serem “centros de formação da personalidade, de compreensão do mundo, de autoeducação, enfim, centros de culturas” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2020).

Destaca-se nesse período da história um esforço para a efetivação de uma política pública do livro didático sob o entendimento de garantir um direito de acesso à políticas públicas educacionais por todos os brasileiros.

Ao final do Estado Novo, em 1945, o INL não havia concluído o dicionário nem a enciclopédia nacional, mas foi bastante eficiente na construção de bibliotecas por todo o país, principalmente nos estados menos prósperos da federação. Durante o governo de Getúlio Vargas, nenhum livro didático poderia ser adotado pelas escolas pré-primárias, primarias, secundárias e profissionais sem a autorização do Ministério da Educação e da Saúde (FERREIRA, 2008). A entrega de livros didáticos em escolas públicas foi um grande problema durante vários governos, até 1996 com a extinção da Fundação de Assistência ao Estudante e a transferência integral da política de execução do Programa Nacional do Livro Didático/PNLD para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/FNDE, responsável também pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar/PNAE.

Na década de 1960 os currículos escolares passaram a receber intervenções por parte dos governos militares visando a segurança nacional. Em 1966 foi criado a Comissão do Livro Técnico e Livro Didático/COLTED que tinha como função coordenar a produção, edição e distribuição do livro didático garantindo assim a continuidade do livro didático. Ressalta-se que essas medidas estimulou o avanço do ensino privado e formação tecnicista no país. A partir de 1971 o Instituto Nacional do Livro desenvolveu o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental/PLIDEF que posteriormente ficou sob a supervisão da Fundação Nacional do Material Escolar/FENAME, período em que o Governo Federal passou a comprar livros didáticos com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/FNDE e contribuições dos estados.

O Decreto-Lei n° 91.542/85 institui o Programa Nacional do Livro Didático/PNLD com a finalidade de distribuir livros aos estudantes matriculados em escolas públicas de 1° grau, atual Ensino Fundamental (BRASIL, 1985). O Decreto-Lei ainda estabelece regras para a seleção e uso dos livros didáticos adquiridos com verbas públicas pelo Governo (quadro 1).


QUADRO 1

Regras do PNLD

Fonte: BRASIL, 1985. Elaborado pela autora, 2022

No final da década de 1980 houve um movimento de renovação do livro didático. De acordo com Gatti Junior (2004) essa renovação possibilitou uma melhoria no padrão estético dos livros didáticos, tornando-o mais atrativos aos estudantes, por apresentar diferentes cartelas de cores, ilustrações, caixas de textos e uma redação mais simples de ser compreendida pelos estudantes. Essa renovação se consolidou na década de 1990 e estimulou a promoção e lançamentos de novos títulos e participação de novas editoras e autores no mercado editorial.

Atualmente a configuração dos conteúdos nos livros didáticos devem observar as orientações da Base Nacional Comum Curricular/BNCC, instituída pela Resolução CNE/CP n° 2 de 22 de dezembro de 2022 e homologada em dezembro de 2018. Também se considera as Propostas Curriculares das secretarias de educação em âmbito estadual.

No decorrer da história das políticas públicas para o livro didático, foi notável os avanços, todavia, é possível identificar nas escolas que as regras do PNLD descritos no quadro 1, ainda não são observadas na integra, como por exemplo a escolha do livro didático pelo professor e a sua participação nas contribuições para aprimorá-los. O sistema educacional no Brasil está bastante burocratizado nos seus bastidores, o que dificulta e distancia o professor de uma efetiva participação do aperfeiçoamento da Educação no Brasil.

METODOLOGIA

A análise do livro didático do projeto Avançar (6° ao 9° ano) referente ao ensino de Geografia caracteriza uma pesquisa qualitativa por procurar compreender a totalidade do objeto da pesquisa (GERHARDT, SILVEIRA, 2009), e para tanto se utilizou dos seguintes procedimentos: pesquisa bibliográfica e documental na Base Nacional Comum Curricular e no Referencial Curricular Amazonense para o Ensino Fundamental Anos Finais. Considerando os objetivos propostos, a análise do livro didático do Projeto Avançar referente ao ensino de Geografia pode ser classificada como uma pesquisa exploratória e descritiva, uma vez que visou ser um meio de apresentação deste material tornando-o mais familiar para a comunidade acadêmica e de professores (GIL, 2007).

Roteiro da análise do livro didático do projeto Avançar

A Base Nacional Comum Curricular define a Geografia para o Ensino Fundamental Anos Finais (6° ao 9° ano) como um componente curricular da área de Ciências Humanas e Sociais que visa principalmente desenvolver nos estudantes competências que integram o sentido dos direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais (BRASIL, 2018).

Procurou-se identificar no livro didático do projeto Avançar os conteúdos e assuntos que fazem referência as competências específicas da Geografia para o Ensino Fundamental II (quadro 2). O resultado dessa etapa da pesquisa foi transcrito para o quadro que denominamos de “As Competências da Geografia da BNCC no livro didático do projeto Avançar”, onde na primeira coluna identifica-se o número da competência em questão, conforme o quadro 2; na segunda coluna o conteúdo do livro didático relacionado à competência e na terceira coluna a análise das autoras.

QUADRO 2
Competências específicas de Geografia para o EF na BNCC

Fonte: BRASIL, 2018. Organizado pela autora, 2022

A Geografia, de acordo com a BNCC, tem o objetivo de desenvolver competências e habilidades que permitam aos alunos compreender e interpretar o mundo em que vivem, suas múltiplas interações com o meio ambiente e com outras culturas, viabilizando uma compreensão mais ampla dos processos sociais, econômicos e políticos nas diferentes escalas territoriais, possibilitando desta forma o desenvolvimento de um olhar crítico no aluno em relação a realidade e a sociedade.

O Referencial Curricular Amazonense para o Ensino Fundamental anos Finais é um documento normativo que visa a implementação da BNCC nas escolas no estado do Amazonas, disponibilizado pela Secretaria Estadual de Educação/SEDUC-AM na Jornada Pedagógica de 2020. O documento é resultado de um trabalho multidisciplinar que envolveu professores da rede municipal e estadual de ensino e a Comissão Estadual de Implementação da BNCC no Amazonas. Dentre os especialistas que contribuíram para a construção do referencial curricular referentes a geografia podemos citar as professoras Edilza Laray de Jesus (ESAT/UEA), Marcela Vieira Pereira Mafra (ENS/UEA) e Vilma Terezinha de Araújo Lima (ENS/UEA). A estrutura do Referencial Curricular defende o desenvolvimento de competências e habilidades nos estudantes de forma contínua e articulada (AMAZONAS, 2020).

De acordo com Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007) a Geografia é a ciência humana que estuda o espaço geográfico, ou seja, o espaço produzido pelo homem, resultado de movimentos, contradições e relações das sociedades humanas. Na análise dos conteúdos do livro didático do projeto Avançar, foram observadas as propostas estabelecidas pelo RCA para o 6° ao 9° ano, conforme descrito no quadro 3.

QUADRO 3
Propostas para o ensino de geografia na RCA

Fonte:RCA, 2020. Organizado pela autora, 2022

Ao analisarmos o Referencial Curricular Amazonense para o ensino de Geografia, constata-se se tratar de um documento que orienta a prática pedagógica em escolas localizadas dentro do território do estado do Amazonas, com o objetivo de fornecer diretrizes para o planejamento e a organização do ensino da Geografia. De acordo com o RCA, o ensino de Geografia deve estar estruturado a partir de quatro eixos temáticos principais: Geografia física, Geografia humana, Geografia regional e Geografia do ensino fundamental. Cada um eixo temático é organizado em unidades temáticas que abordam conteúdos específicos.

A Geografia física mantem o foco no estudo das características naturais do meio ambiente, como relevo, clima, hidrografia, vegetação e solos. A Geografia humana aborda a relação entre a sociedade e o espaço geográfico, analisando aspectos como a urbanização, a distribuição da população, a indústria, a agricultura, o comércio, entre outros. A Geografia regional consiste na compreensão das particularidades de cada região, considerando aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. Já a Geografia do ensino fundamental tem como objetivo desenvolver habilidades e competências específicas, que vão desde a leitura e interpretação de mapas, dos diferentes elementos geográficos até a construção de conceitos fundamentais para o estudo da disciplina.

Além disso, o RCA destaca a importância da contextualização dos conteúdos em situações concretas, considerando as particularidades da região e a relação entre a sociedade e o ambiente fortalecendo o ensino de Geografia para o desenvolvimento de uma consciência crítica e reflexiva sobre as questões socioambientais.

Podemos resumir as propostas do Referencial Curricular Amazonense descritas no quadro 3 como uma abordagem integrada e contextualizada para o ensino de Geografia, que valoriza as particularidades do estado do Amazonas e a relação entre a sociedade e o ambiente.

O resultado desta segunda etapa descreveu como o livro didático do projeto Avançar articula em um volume as propostas para o ensino de geografia que devem ser trabalhadas em até quatro anos, destacando as principais partes do livro que apontam para os objetivos descritos no quadro 3, viabilizando a identificação de oportunidades para aprimorar o material.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O Projeto Avançar é uma iniciativa da Secretaria de Estado de Educação e Desporto do Amazonas, criado em 2005 com o objetivo de atender a demanda de alunos que estão fora da idade das respectivas séries do Ensino Fundamental, ofertando um meio para estes concluírem essa etapa do Ensino Básico sem prejuízo quando ao tempo adequado de ingressar no Ensino Médio. Em sua dissertação para o mestrado, Lima (2015) identificou algumas fragilidades do Programa Avançar dos quais podemos citar a escolha do livro didático mais apropriado, considerando que os professores deveriam participar da construção deste material, a partir da seleção e triagem de saberes elementares a comporem o livro.

Atualmente é utilizado no programa a coleção de livro didático do Programa de Correção de Fluxo Escolar desenvolvido pela editora Atma com sede em São Paulo e organizado pela consultora em avaliação educacional Margarida Maria Mariano Rodrigues, doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília e Notório Saber em avaliação Educacional emitido pela Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão /FADEPE da Universidade Federal de Juiz de Fora (CNPQ, 2021); e pela professora Ma. Neiza Teixeira da Universidade Federal do Amazonas/UFAM (CNPQ, 2011).

Estrutura do Livro de Geografia do Projeto Avançar

O livro de Geografia adotado pelo Projeto Avançar em 2022 está estruturando em quatro unidades (cada um com apenas um capítulo) contidos em cento e oitenta páginas, ocupando 93% do total de páginas do livro didático, que também dispõe de uma capa, elementos pré-textuais (folha de rosto, ficha técnica, sumário e apresentação) e pós-textuais (referências). A edição analisada foi a 22° da coleção, customizada para a Secretaria de Educação e Desporto do Amazonas/SEDUC-AM, com o ISBN 978-65-88657-69-0 com o título de capa “Geografia: Ensino Fundamental – Anos Finais 3 (Figura 1).

Os assuntos abordados pelo livro são: Moradia, Sustentabilidade, Trabalho e Cidadania, delimitados nos temas: A Geografia como morada nos espaços globais (capítulo 1), Sustentabilidade e preservação do meio ambiente (capítulo 2), Mundo do trabalho (capítulo 3), e o Lugar e o tempo na construção da cidadania (capítulo 4). Todo conteúdo do livro utiliza um vocabulário de fácil compreensão e uso de imagens que ajudam o leitor (o aluno) a se situar no tempo e no espaço em relação ao tema abordado, tornando o livro esteticamente mais atrativo e interessante, seguindo aquele movimento de renovação do livro didático citado por Gatti Junior (2004) que se iniciou na década de 1980.


FIGURA 1
Livro de Geografia adotado no Projeto Avançar em 2022
Fonte: Acervo da autora, 2022

O uso de imagens no livro do projeto Avançar o torna esteticamente mais leve, no entanto, nota-se que poucas são as vezes em que elas são chamadas nos textos, embora dialoguem com o tema abordado de cada capítulo. Sobre o uso de imagens em livros didáticos de geografia Souza (2019, p. 280) comenta:

O exercício de compreensão da realidade vai da decomposição à síntese, que é muito mais complexa do que uma imagem, uma obra de arte, podem captar. Por fim, é inadiável “educar os olhos”, o que é uma das tarefas da escola e das aulas dessa disciplina. Essa tarefa, estaria relacionada, nos dizeres de Oliveira Jr (2009), a construir um pensamento sobre o que é ver, tendo os olhos como um dos instrumentos do ato de conhecer. Logo, ao entrarmos em contato com livros didáticos de Geografia, educandos e educadores podem indagar-se sobre as representações através das imagens ali presentes, seguindo o convite explicitado na epígrafe de “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago (1995): “Se podes olhar vê, se podes ver repara”.

As imagens falam de si a partir de algum conhecimento prévio que o aluno tenha sobre determinado assunto. Daí a importância de as imagens serem chamadas no decorrer da leitura, pois o aluno irá procurar o conhecimento que lhe é apresentado na forma de frases e textos na paisagem, nos objetos, nas cores, nas formas que estão retratadas nas imagens. A posição destas imagens dentro de uma página deve observar com especificidade o assunto dos parágrafos mais próximos.

Até a escolha da imagem deve estar em estreita sintonia em como o tema está sendo abordado em cada parágrafo, e não simplesmente colocar a foto de uma floresta porque o parágrafo comenta sobre a Amazônia ou a imagem com uma montagem de fotos aleatórias de um urso polar, chaminés, uma cidade costeira, um ciclone e outras para tentar descrever os efeitos de um aquecimento global. Eis uma oportunidade para aperfeiçoar o livro do projeto Avançar nas próximas edições.

Se fez uma análise do livro didático visando contribuir no avanço do atendimento das especificidades dos anos finais do Ensino Fundamental, considerando a realidades das turmas regulares e também das diferentes modalidades de ensino. No Geral, o livro se adequa a que preconiza a Base Nacional Comum Curricular/BNCC e ao Referencial Curricular Amazonense, mas algumas oportunidades foram identificadas para serem revistas nas próximas edições.

Análise das Unidades temáticas em relação a BNCC e RCA

A análise do livro foi feita com base nos elementos de análise propostos por Castrogiovani e Goulart (1988): a) a fidedignidade das informações; b) o estímulo à criatividade; c) correta representação cartográfica; d) abordagem que valorize a realidade; e) invocação do espaço como totalidade, conforme apresentado no Quadro 4.

QUADRO 4
Elementos de análise propostos por Castrogiovani e Goulart

Fonte:Castrogiovani, Goulart,1988. Organizado pela autora, 2022

Os elementos de análise para o livro didático de Geografia propostos por Castrogiovanni e Goulart para avaliar a qualidade e a adequação dos materiais para o ensino da disciplina verificam o:

1. Conteúdo: consideram a coerência com os objetivos do ensino de Geografia e com as habilidades e competências a serem desenvolvidas pelos estudantes.

2. Linguagem: avalia a clareza, a objetividade e a acessibilidade da linguagem utilizada no livro.

3. Imagens: consideram a relação destes com os conteúdos apresentados e sua capacidade de estimular a curiosidade e o interesse dos estudantes.

4. Atividades: consideram a relação destes com os conteúdos apresentados e sua capacidade de estimular a reflexão e a construção do conhecimento pelos estudantes.

5. Valores: consideram a coerência com os princípios da cidadania e da sustentabilidade.

Esses elementos de análise propostos por Castrogiovanni e Goulart são fundamentais para avaliar a qualidade e a adequação dos livros didáticos de Geografia, permitindo uma seleção mais criteriosa e uma utilização mais efetiva desses materiais no processo de ensino e aprendizagem. Além disso, eles contribuem para uma reflexão crítica sobre os conteúdos apresentados no livro didático, estimulando a construção de uma prática pedagógica mais consciente e reflexiva.

Paralelamente observou-se também as competências da geografia previstas para o Ensino Fundamental na BNCC, identificadas no quadro 2 e relacionados aos temas dos capítulos do livro no Quadro 5.

QUADRO 5
As Competências da Geografia da BNCC no livro didático do projeto Avançar

Fonte: Elaborado pela autora, 2022

Os temas das unidades didáticas também foram relacionados com as propostas para o ensino de Geografia previstas no RCA, conforme o Quadro 6.

QUADRO 6
As Propostas para o ensino de Geografia do RCA no livro didático do projeto Avançar

Fonte: Organizado pela autora, 2022

No decorrer da análise dos capítulos, foram citados autores especialistas nos assuntos abordados no livro didático, destacando importantes aspectos dos temas centrais que podem ser abordados de forma mais enfática nas próximas edição da coleção.

Capítulo 1: Espaço Geográfico, social, cultural e geopolítico mundial

O capítulo 1 apresenta a definição de espaço geográfico, social, cultural e geopolítico mundial. Para Oliveira e seus colaboradores a possibilidade de representar a definição de elementos geográficos no Ensino Fundamental deve considerar o espaço geográfico como uma categoria da ciência que viabiliza “uma acentuada e complexa possibilidade de refletir a coletividade social, sendo que neste desafio são trazidas à tona inúmeras perspectivas de análises da relação homem-natureza” (2018, p. 25). Portanto são nos anos finais do Ensino Fundamental que o aluno deve desenvolver a capacidade de analisar a paisagem como um espaço criado pelo homem (geográfico), percebendo assim diferentes aspectos da realidade, tais como a natureza, os seres vivos, o clima e o tempo, a presença humana e as transformações produzidas por ele no meio ambiente, conforme previsto nas competências 1 e 3 da BNCC descritas no quadro 2.

O tema do capítulo é desenvolvido tanto nos textos quanto nas atividades propostas aos alunos, onde cada questão aborda um assunto diferente que complementa as anteriores. É comum encontrar questões com até oito linhas de enunciado, intencionalmente elaborado para a prática do exercício intelectual, da reflexão e investigação, alinhado com a finalidade da competência 1 do ensino de Geografia verificado no quadro 2. O uso de mapas temáticos nas atividades possibilita uma visão espacial da distribuição dos elementos geográficos no nosso país conforme a competência 4 como consta no quadro 2.

A contextualização do tema que consiste em fazer com que o aluno se envolva, que ele se interesse pelo processo de aprendizagem (CASTROGIOVANI, GOULART, 1998) é um elemento que deixa a desejar, abordando mas não “valorizando a realidade” dos alunos (quadro 4), restringindo-se em apresentar dados quantitativos, com “Fidedignidade das informações” (quadro 4) como o número de habitantes na capital e interior; nas áreas urbanas e rurais; homens e mulheres; população indígena no Amazonas; um ranking dos municípios mais populosos depois de Manaus; acesso à água tratada, esgoto e taxa de mortalidade infantil. O capítulo também não otimiza o “Estímulo à criatividade”; nem explora uma “Correta representação cartográfica” e a “invocação do espaço como totalidade” (quadro 4).

A cartografia é a ciência que estuda a representação gráfica da superfície terrestre, por meio de mapas, cartas, plantas e outros tipos de representação (FITZ, 2008). O conhecimento cartográfico é de extrema importância no Ensino Fundamental, pois permite aos alunos desenvolver habilidades e competências relacionadas à leitura, interpretação e representação do espaço geográfico; a visualização e compreensão da organização e a distribuição dos elementos do espaço geográfico, tais como rios, montanhas, cidades, estradas, entre outros; além de contribuir no desenvolvimento do raciocínio espacial e da capacidade de orientação no espaço, habilidades essenciais para a vida cotidiana e para a compreensão do mundo em que vivemos.

Ao trabalhar com mapas e outras representações cartográficas, os alunos desenvolvem habilidades como a observação, análise, interpretação e síntese de informações geográficas; aprendem a localizar lugares, identificar e comparar características geográficas, compreender a distribuição de recursos naturais e humanos e perceber as relações entre diferentes regiões. Portanto, o conhecimento cartográfico é fundamental para o desenvolvimento dos alunos no Ensino Fundamental, contribuindo para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes de sua relação com o espaço geográfico (OLIVEIRA, 2022), daí a importância de se enfatizar esse conhecimento nos livros didáticos de geografia.

De acordo com Straforini (2018, p. 175) o ensino de Geografia contribui na formação cidadã dos estudantes pois “possibilitar aos escolares a compreensão da espacialidade dos fenômenos, de modo que possam operar os conhecimentos geográficos em sua vida cotidiana e produzir práticas espaciais insurgentes”. Desta forma, fica identificada uma oportunidade neste capítulo para nas próximas edições, que ao contextualizar o tema com a realidade do Amazonas, buscar o aprofundamento desses números e seus significados para a sociedade amazonense.

Capítulo 2: O homem e as alterações nos aspectos climáticos do planeta Terra

O capítulo 2 aborda a relação do homem com o meio ambiente, ressaltando as alterações nos aspectos climáticos do planeta Terra. É notável nesta parte do livro uma intencionalidade que de acordo com Ribeiro (2022, p. 15) “tudo o que é considerado relevante para a formação dos alunos chega até a escola através dos ensinamentos advindos do livro didático, fazendo com que os usuários se enquadrem no contexto histórico vivido”. A questão das mudanças climáticas a nível global é massivamente tratada como um produto antrópico no livro, em concordância com os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima/IPCC, porém não com a “fidedignidade das informações” (quadro 4), uma vez que a questão é objeto de acaloradas discussões.

Estes relatórios se baseiam em pesquisas científicas que concluem que o aquecimento global vivenciado nos últimos 150 anos decorre principalmente do consumo de energia nas atividades humanas do petróleo e carvão que liberam toneladas de CO2 na atmosfera todos os anos. Todavia, esta não é uma conclusão unânime da comunidade científica, pois de acordo com Molion (2010) e Felício (2014), o IPCC não considera a influência das atividades solares e do clima espacial sobre o sistema climático da Terra, uma vez que o Sol é a principal fonte de energia do nosso planeta, além de outros fatores que influenciam diretamente o clima como o vulcanismo, os oceanos e presença de água na atmosfera. Os mesmos autores ainda apontam que a conclusão de um aquecimento global de origem antrópico servi ao propósito geopolítico de frear o crescimento econômico de países em desenvolvimento como Brasil, uma vez que o desenvolvimento está estreitamente vinculado à geração e consumo de energia.

Faz-se necessário ressaltar, em primeiro lugar, que problema ambiental não é problema climático […] quando afirmamos que não importa o que façamos, nada vai mudar o clima da Terra, os movimentos ambientais gostam de dizer que há uma autorização para destruir tudo, criando novamente a mistura de problemas reais e pontuais, passíveis de serem resolvidos, com fenômenos que fogem ao nosso domínio. Aqui está a grande falácia do movimento ambiental. Ele usa a lógica da coerência (ou incoerência). Em outras palavras, ou você aceita tudo ou não aceita nada. De qualquer forma, o que se vem implementando é uma política internacional de algo que poderíamos pré-definir como um eco-imperialismo (FELÍCIO, 2014, p. 25).

A afirmação que a Amazônia seja o “pulmão do mundo”, é desmistificada no capítulo 2, uma vez que as árvores da região consomem quase a mesma quantidade de oxigênio que produzem, correspondendo positivamente ao elemento da “fidedignidade das informações” do quadro 4. As atividades propostas procuram dialogar com o aluno, levando-o durante a leitura das questões a uma reflexão do tema para concluir ao final a resposta mais adequada para o problema-alvo da reflexão. Nesse formato, as atividades se constituem em ferramentas que podem ser amplamente utilizadas pelo professor para desenvolver no aluno a “autonomia e senso crítico para compreensão e aplicação do raciocínio geográfico na análise da ocupação humana e produção do espaço, envolvendo os princípios de analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização e ordem” conforme a competência 3 da BNCC, conforme o quadro 2.

A ausência de diferentes perspectivas de abordagem sobre o assunto central, as mudanças climáticas, é uma oportunidade a ser explorada neste capítulo nas próximas edições, a fim de corresponder a competência 6 da BNCC, de acordo com o quadro 2 e o “estímulo a criatividade” e “invocação do espaço como totalidade” conforme o quadro 4, considerando que o contraditório é legítimo dentro do saber científico, embora alguns tentem rotular de “negacionistas” aqueles que exercitam o direito de questionar. Uma vez que o aluno tenha acesso a esses conhecimentos pelo livro didático (as vezes é o único meio), ele será capaz de construir argumentos por si mesmo com base nas informações geográficas, e discussões que envolvem o tema.

Capítulo 3: Os desafios do mundo do trabalho nos séculos XX e XXI

O capítulo 3 aborda o mundo do trabalho, fazendo uma retrospectiva histórica dos últimos duzentos anos, desde a Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo como um efetivo modo de produção até os dias de hoje, contextualizando a economia global na Zona Franca de Manaus.

De acordo com Poshmann (2019) nos últimos dois séculos, o mundo do trabalho no Brasil pode ser dividido em três períodos completamente distintas, porém complementares e articuladas entre si: a longeva sociedade agrária que estabeleceu as bases do mercado de trabalho; a transição para a sociedade urbana e industrial impulsionado pelo processo capitalista de modernização conservadora[1] nas décadas de 1930 e 1980; e a atual passagem que vivenciamos de uma sociedade urbana e industrial para a de serviços.

O livro didático do projeto Avançar contempla o entendimento destes períodos relacionando-os a precarização do trabalho ao longo do tempo, onde algumas profissões tendem a desaparecer, seja pela substituição do homem pelas inteligências artificiais ou pela promoção de micro-tarefas ou “micro-trabalhos” que barateiam os custos da mão-de-obra e prestadores de serviços. Essa evolução da organização de produção visando a redução dos custos é demonstrado neste capítulo pela apresentação do Taylorismo, Fordismo e o Toyotismo como modos de produção industrial. Desta forma o livro faz uma “abordagem que valorize a realidade” (quadro 4), levando os alunos a perceberem tais fatos dentro de um contexto maior, onde o Brasil está incluído.

A tentativa de contextualizar o tema com a realidade do estado do Amazonas é fraca, superficial e mal abordada. Em uma redação de apenas 6 parágrafos em uma página, o livro apresenta a Zona Franca de Manaus, destacando o objetivo de sua criação, o Decreto de Lei que instituiu a ZFM, os três polos econômicos da ZFM (comércio, indústria e agronegócio) e os principais produtos fabricados na ZFM. Nota-se que não há um resgate do que foi tratado durante todo o capítulo, que caracterize uma contextualização como sugeri o título desta parte do capítulo: “Conexão com a realidade”. Neste capítulo é oportuno o desenvolvimento da competência 5 da BNCC, conforme o quadro 2, por meio de uma “correta representação cartográfica” das potencialidades do nosso país e do estado do Amazonas concernentes às reservas minerais e desenvolvimento social, de acordo com o quadro 4.

Capítulo 4: Cidadania, cultura e identidade nos espaços geográficos

O capítulo 4 aborda o papel do lugar e o tempo na construção da cidadania. Diferente dos capítulos anteriores, o capítulo 4 contextualiza o tema de forma integral com a realidade da sociedade e cultura Amazônica, fazendo uma breve revisão da história da colonização da região e o processo de miscigenação das culturas e grupos humanos (índios, europeus e africanos), com “fidedignidade das informações” e “abordagem que valorize a realidade” conforme descrito no quadro 4. Desta forma é possível desenvolver no aluno a autonomia e senso crítico para compreensão e aplicação do raciocínio geográfico na análise da ocupação humana e produção do espaço relacionados a competência 3 da BNCC de acordo com o quadro 2.

De acordo com Costa (2019, p. 440):

A sociedade ocidental tenta transformar tudo aquilo que não consegue controlar, e com a Amazônia ocorre o mesmo. Passados 500 anos de ocupação da Amazônia, o mundo moderno ainda tenta tomar o espaço, hoje por meio de um discurso ambientalista, mas que só tenta esconder um triste fato da desigualdade social. A realidade extrativista confunde-se com o discurso sustentável, que não vê os aspectos políticos, econômicos e sociais do interesse ambiental. A simbiose da sociedade com o meio não ocorre, dos diferentes fazeres de apropriação recente da floresta o que foi deixado é a cultura, e esta é representada também pela materialidade das coisas.

A Amazônia tem sido alvo de articulações geopolíticas que visam torná-la internacional, sobrepujando a soberania do Brasil sobre essa região. Tais articulações se fundamentam em interesses ambientais como a preservação das florestas, dos rios e dos chamados povos originários. No entanto, os países que impõem restrições nas entrelinhas para o Brasil concernente ao avanço do agronegócio na Amazônia brasileira ou da extração mineral são os mesmos que já devastaram suas florestas e utilizam carvão mineral para a produção de energia, liberando toneladas de CO2 na atmosfera, que dizem ser o principal gás do aquecimento global.

Tais restrições são acompanhadas de fundos monetários bilionários para financiar iniciativas que garantam a floresta de pé. Somente a Alemanha e a Noruega respondem por 99% dos recursos doados, valor em torno de R$ 3 bilhões entre 2009 a 2019 para projetos de pesquisa e geração de emprego e renda na Amazônia. Infelizmente o problema da corrupção no Brasil tem sido responsável pela má aplicação desses investimentos, pois a população que depende diretamente da floresta retrata a desigualdade social que predomina na região (MARIN, 2019; NITSCH, 2002).

Os problemas sociais e econômicos que atingem diretamente as populações menos assistidas pelo Estado são comentadas ao longo do capítulo 4. O “estímulo a criatividade” conforme o quadro 4 é trabalhado nas atividades propostas, onde o aluno é levado a refletir sobre questões como o garimpo na Amazônia; o objetivo das políticas públicas; a cidadania e a política; ética e a extrema pobreza; e problemas relacionados a produção de lixo e resíduos sólidos, reforçando desse modo o desenvolvimento nos alunos de atitudes individuais e coletivas responsáveis sobre as questões socioambientais, fundamentadas em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários conforme as competências 2 e 7 da BNCC descritos no quadro 2.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do livro didático da editora Atma adotado pelo Projeto Avançar da SEDUC-AM em 2022 com o objetivo de trabalhar conteúdos de 6° e 7° ano foi feito com base nos elementos de análise propostos por Castrogiovani e Goulart, nas competências da Geografia previstas na BNCC e nas propostas do RCA. Verificou-se que o livro “Geografia: Ensino Fundamental – Anos Finais 3” corresponde aos temas requeridos pelo RCA para as séries 6° e 7° ano, estrutura os assuntos de forma sequencial e didática, apresentando dados, figuras, sugestões de leituras e links em forma de QrCode. Esteticamente o livro é agradável, e apresenta uma leitura leve e não cansativa, que contribui para o “estímulo à criatividade” durante a leitura.

Todavia, os assuntos propostos para os temas das unidades são abordados de forma superficial, quando comparado aos livros didáticos das séries finais do Ensino Fundamental. A “fidedignidade das informações” só deixa a desejar no capítulo 2 ao tratar das questões climáticas apenas por uma perspectiva. O livro apresenta alguns mapas nas atividades de maneira figurativa, mas não aborda em nenhum momento sobre as definições de cartografia e tipos de projeções cartográficas, não correspondendo assim a “correta representação cartográfica”. As figuras apresentadas ao longo dos capítulos, embora ilustrem os assuntos tratados, na maioria das vezes não são chamados no texto e nem há textos que expliquem tais figuras. A impressão durante a análise é que as figuras foram colocadas ao longo do livro apenas para consumir espaço das páginas do livro.

A contextualização é uma oportunidade a ser revista para as próximas edições do livro didático, pois as poucas páginas que tratam de algum conteúdo relacionado ao Amazonas não fazem uma “abordagem que valorize a realidade” e nem tão pouco traz uma “invocação do espaço como totalidade” de forma satisfatória. Embora o livro didático corresponda as competências e propostas previstas na BNCC e RCA, servindo de introdução para o desenvolvimento de habilidades específicas à geografia nos alunos de EF, não o faz com excelência, como é possível notar em livros didáticos de outras coleções e editoras. O fato de ser um livro para atender um determinado público-alvo de alunos não justifica que este seja inferior em sua apresentação, qualidade e abordagem de conteúdo. Esta análise visa, portanto, contribuir de forma positiva para o aprimoramento deste material que se apresenta na sua 22° edição e que tem servido ao longo destes anos no projeto Avançar.

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Notas

[1] O processo capitalista de modernização conservadora é um conceito criado pela geógrafa brasileira Bertha Becker para descrever uma forma de modernização que ocorre em países periféricos ou em regiões marginalizadas dentro dos próprios países centrais, como uma resposta do capitalismo às crises econômicas e políticas. Segundo Becker, o processo capitalista de modernização conservadora é uma estratégia adotada pelos países periféricos ou regiões marginalizadas para tentar se integrar ao mercado globalizado, seguindo as diretrizes estabelecidas pelas economias dominantes. Essa estratégia visa, em geral, aprimorar a produtividade e a competitividade da economia, com base na exploração de recursos naturais e na intensificação da produção agrícola e industrial.

Autor notes

1 Professora com formação em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas e especialista em Geografias da Amazônia Brasileira (UEA).
2 Pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí - Univali, possuindo doutorado em Turismo pela UNIVALI, realizado por meio do Doutorado Interinstitucional em parceria com a Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Também sou mestra em Ciências do Ambiente e exerço a função de professora assistente na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), com atuação na área de Ensino de Geografia, onde desempenho a coordenação do Programa Residência Pedagógica - Geografia UEA.Minha trajetória inclui experiências anteriores, como a função de Secretária de Educação no município de Manacapuru em 2008, bem como a atuação como Coordenadora Municipal do Programa de Compensações Ambientais do Gasoduto Coari-Manaus entre 2006 e 2007. Neste último caso, trabalhei em conjunto com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.Ao longo de 18 anos, venho desempenhando um papel significativo na assessoria para a elaboração de projetos de captação de recursos, tanto para empresas quanto para organizações do terceiro setor.Também faço parte de dois Grupos de Pesquisa relevantes: o PLAGET - Planejamento e Gestão do Espaço Turístico e o EPISA - Ensino, Pesquisa Interdisciplinar e Sustentabilidade na Amazônia.


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