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Percepção climática histórica e conforto térmico em população idosa em Manacapuru/AM
Historical climatic perception and thermal comfort in an elderly population in Manacapuru/AM
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 1, Esp., 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidad: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 1, Esp., 2023

Recepción: 15 Abril 2023

Aprobación: 18 Abril 2023

Resumo: As cidades são espaços de constante transformação, e os movimentos na configuração urbana interferem na dinâmica do clima urbano e consequentemente na percepção dos que habitam nesses espaços ao longo do tempo. Pesquisas atuais mostram que cidades de pequeno e médio porte já possuem características de desregulações climáticas que podem ser vivenciadas pelos habitantes, especialmente a população idosa que reside há muito tempo em determinado local. Logo, o objetivo central desta pesquisa é analisar a percepção climática e conforto térmico da população idosa da zona urbana do município de Manacapuru – AM. E ainda, comparar a percepção climática dos entrevistados através do tempo; investigar o estado de vulnerabilidade social da população entrevistada; caracterizar o uso e cobertura da terra na zona urbana a fim de identificar possível influência no conforto térmico e qualidade de vida. Para alcançar este resultado, foi utilizado em predominância o método Empírico-Analítico, a partir de uma abordagem quanti-qualitativa, com o propósito de compreender as características climáticas de forma aprofundada, e também, aplicação de índice de conforto térmico juntamente com aplicação de questionários com a população idosa. Desse modo, os resultados revelaram que os índices de conforto térmico por si só não dão cabo de caracterizar o conforto térmico, de modo que a amostra a partir dos idosos confirmou desconforto térmico não apenas do momento, mas crescente através das décadas, despertando a reflexão para além de fatores naturais, mas também sociais, estruturais e de planejamento.

Palavras-chave: Conforto térmico, Percepção climática, Clima urbano.

Abstract: Cities are spaces of constant transformation, and the movements in the urban configuration interfere in the dynamics of urban climate and consequently in the perception of those who inhabit these spaces over time. Current research shows that small and medium-sized cities already have characteristics of climate deregulation that can be experienced by their inhabitants, especially the elderly population that has been residing in a certain place for a long time. Therefore, the central objective of this research is to analyze the climatic perception and thermal comfort of the elderly population of the urban area of Manacapuru - AM. Also, to compare the climatic perception of the interviewees through time; to investigate the state of social vulnerability of the interviewed population; to characterize the use and coverage of land in the urban area in order to identify possible influence on thermal comfort and quality of life. To achieve this result, the Empirical-Analytical method was predominantly used, from a quanti-qualitative approach, with the purpose of understanding the climatic characteristics in depth, and also, application of thermal comfort index along with the application of questionnaires with the elderly population. In this way, the results revealed that the thermal comfort indexes alone are not able to characterize thermal comfort, so that the sample from the elderly confirmed thermal discomfort not only of the moment, but growing through the decades. Awakening reflection beyond natural factors, but also social, structural and planning.

Keywords: Thermal Comfort, Climate Perception, Urban Climate.

INTRODUÇÃO

A investigação científica no campo climático das cidades é global, tendo em vista que o ambiente das cidades é cenário majoritário nas interações da maior parte da população brasileira. Características do clima urbano podem modular a maneira com que os cidadãos vivenciam os espaços. À medida que a cidade se desenvolve e expande, há cada vez menos interação com o ambiente natural exterior, uma vez que, a sociedade contemporânea está fortemente preocupada com o condicionamento artificial dos ambientes internos.

O processo de alteração do clima urbano em consonância com a intensificação do processo de urbanização, denota possíveis perigos para os moradores das cidades, como fenômeno de ilhas de calor que é capaz de gerar desconforto térmico suficiente para afetar a saúde e qualidade de vida dos indivíduos, principalmente aqueles que se encontram mais vulneráveis fisicamente, como os idosos (MENDONÇA, 2007).

A presença da seguridade climática na pauta dos planejadores do urbano é imperativa, tendo em vista que aspectos e fenômenos do clima urbano podem alterar toda a dinâmica que os indivíduos desenvolvem em determinado espaço, especialmente em idade avançada. Assim, o melhor indicador para diagnosticar percepção de tais transformações é a população idosa.

O posicionamento científico que preconiza o clima como um aspecto primordial para o planejamento do assentamento urbano foi apoiado desde o primeiro simpósio da Federação Internacional para Habitação e Planejamento (IFHP - International Federation for Housing and Planning) década de 1970, até os dias atuais. Essa afirmação também é a posição da Organização Meteorológica Mundial (WMO) e do Conselho Internacional de Pesquisa, Estudos e Documentação de Construção (OKE, 1984).

A qualidade de vida é direito de todos os cidadãos, e na conjuntura das cidades contemporâneas, o grupo dos idosos representa uma fração demográfica crescente com maior manifestação de longevidade. A prolongação da vivência e condições de saúde dos idosos no Brasil, receberam destaque em 2019 quando a Lei Federal 5383/19 alterou de 60 para 65 anos a idade mínima em que um cidadão pode ser considerado parte da faixa etária de idosos.

Os estudos climáticos necessitam ser mais difundidos e debatidos na sociedade, especialmente em pesquisas voltadas às cidades amazônicas e à percepção da sua população. Isto posto, o presente artigo objetivou analisar a percepção climática e conforto térmico da população idosa da zona urbana do município de Manacapuru – AM. E ainda, levantar a comparação da percepção climática dos entrevistados através do tempo; investigar o estado de vulnerabilidade social da população entrevistada; caracterizar o uso e cobertura da terra na zona urbana a fim de identificar possível influência no conforto térmico e qualidade de vida.

O CLIMA URBANO E A POPULAÇÃO IDOSA

As mudanças climáticas promovem consequências à humanidade, independente da escala observada. A nível de projeção futura é esperada maior ocorrência de eventos extremos, ondas de calor, estresse generalizado no campo térmico. De todo modo, essas percepções tendem a ser cada vez mais notáveis pela humanidade com o passar das décadas (MARENGO et al.,2007).

O conforto térmico é um indicador chave para identificação de estresses térmicos significativos nos espaços urbanos, de maneira que interfiram na dinâmica social nos espaços. De acordo com Garcia (1985) o “conforto térmico consiste no conjunto de condições em que os mecanismos de autorregulação são mínimos, ou ainda na zona delimitada por características térmicas em que o maior número de pessoas manifeste se sentir bem”.

Em síntese, o conforto térmico está ligado à dois grupos de influência: a natureza humana e a natureza ambiental. Os fatores da natureza humana são inerentes ao indivíduo, traduzindo a sua subjetividade e percepção climática. Além disso, depende de aspectos como a idade, sexo, regulação térmica corporal, atividade exercida (metabolismo) e tipo de vestimenta. A natureza ambiental se refere aos fatores do meio, como a temperatura, umidade relativa do ar, velocidade dos ventos e radiação solar incidente, que exercem grande influência na determinação do conforto térmico.

Ao refletir sobre o comportamento do clima ao longo do tempo e como ele afeta a população, é importante destacar o papel fundamental do planejamento. É neste âmbito que aspectos ambientais podem ser explorados de forma preditiva, especialmente no que concerne à atmosfera, sendo possível promover espaços de maior estabilidade climática ao longo do tempo.

O mundo está acompanhando um acelerado envelhecimento da população e aumento da expectativa de longevidade, gerando inversão da pirâmide etária. Em relação ao Brasil, espera-se que triplique até 2060 a população de idosos acima de 65 anos, correspondente a 30% do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2021).

Durante esta fase avançada da vida humana, o corpo perde gradualmente a habilidade de adaptação ao meio ambiente (habilidade sensorial). Portanto, para preservar e melhorar a qualidade de vida, os ambientes demandam adaptação às necessidades dos idosos (CATTELAN et al., 2007; CUNHA e COSTA, 2011).

Para os idosos, o estresse do ambiente é ainda maior, pois seu comportamento passa a depender das possibilidades oferecidas pelo local, ou seja, da conformidade do ambiente, (PANET, 2018; BATISTONI, 2014). Desse modo, os idosos estão mais vulneráveis a sofrer pressão do ambiente externo, pois são maiores as chances de prejuízos na qualidade de vida a partir do desconforto térmico, seja por condições fisiológicas ou por condições que o ambiente externo lhes proporciona.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Manacapuru é uma cidade do Estado do Amazonas, inserida na Mesorregião Central Amazonense, pertencente à Região Metropolitana de Manaus, localizada nas margens esquerda do Rio Solimões, possuindo uma área territorial de 7.329,23 km² (IBGE, 2010). Desse modo, o recorte espacial da pesquisa (Figura 1) está localizado na zona urbana do município.

O acesso ao município é possível via terrestre percorrendo 84 km pela AM-070 (Rodovia Manoel Urbano), usando a ponte Jornalista Phelippe Daou, conhecida como Ponte Rio Negro, que conecta Manaus, Iranduba e Manacapuru, e por via fluvial percorrendo 102 km partindo de Manaus, passando pelos rios Negro e Solimões (SEPLAN 2012).


FIGURA 1
Localização do recorte de pesquisa, zona urbana de Manacapuru/AM
Elaboração: Sarkis, 2023

O clima equatorial é atuante sobre a região, caracterizando zonas com altas temperaturas, com médias acima de 27°C ao longo do ano todo. Assim como outros municípios amazônicos, apresenta índices pluviométricos elevados, em média 2300mm/ano. O regime de chuvas possui sazonalidade bem definida, ocorre em dois principais momentos: quando há maior atividade convectiva durante os meses de novembro a junho, e quando há atividade convectiva moderada ou baixa entre os meses de julho a outubro (MENDONÇA e DANNI-OLIVEIRA, 2007).

METODOLOGIA

O estudo teve influência do enfoque quantitativo de pesquisa, em virtude de técnicas fundamentadas em coleta de dados, equipamentos, análises estatísticas e amostrais. Todavia também teve enfoque qualitativo, ponderando a problemática da qualidade de vida urbana e percepção térmica subjetiva, nessa abordagem não há fórmulas ou receitas predefinidas para orientar o pesquisador. Confirma-se então o enfoque quanti-qualitativo GIL, 1999).

Procedimentos metodológicos

Conforme definições prévias de métodos espaciais e teóricos, são utilizadas técnicas para coletar dados teóricos, históricos, estatísticos e de campo. Utilizar dados primários correspondentes aos dados que o pesquisador coletou e dados secundários correspondentes aos dados pré-existentes de livros, artigos, monografias, bancos de dados, etc. (MALHOTRA, 2001).

A primeira etapa se iniciou com o levantamento de informações através da leitura de livros, dissertações e artigos, com base em técnicas de recolha bibliográfica temática que abranjam múltiplas análises de variados fenómenos, de forma a obter uma melhor compreensão dos temas relevantes. A segunda etapa partiu da delimitação das áreas de coleta de amostragem populacional para a pesquisa em 3 bairros da cidade: Novo Manacá, Centro e São Francisco. O campo foi realizado nos dias 21 e 22 de janeiro de 2023, com período de coleta de 13h00 às 16h00.

A identificação e seleção da população idosa contou com a colaboração de conhecimento da Agência de Saúde a Domicílio subsidiada pela Secretaria de Saúde Manacapuru – SEMSA. A partir do convívio comunitário e pré seleção dos agentes de saúde, foram selecionados 20 idosos (a partir de 65 anos), que residem no município há mais de 30 anos. As entrevistas aconteceram em suas casas. Nesta fase, foi utilizado Termo-higrômetro Digital modelo MTH – 1301, marca Minipa do Brasil, para obtenção de dados de temperatura e umidade do ar.

Foram aplicados 20 questionários (apêndice), que contemplou: características da atmosfera, de vestimenta, aspectos relacionados historicidade da percepção climática e aspectos socioeconômicos. Segundo Gil (1999), “Pode-se definir questionário como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações”.

Os resultados obtidos foram tabulados e calculados para análise por meio de classificações do Índice de Conforto Térmico (ICT). Para a análise do conforto térmico, utiliza-se o índice de conforto térmico (ICT) desenvolvido por Funari (2006), onde pode ser determinado o índice de temperatura e umidade (THI), expresso como:

THI = Ts - (0,55 - 0,0055 x UR) x (Ts-14,5)

Onde

(THI) = índice de temperatura e umidade (°C);

(Ts) = Temperatura média (°C);

(UR) = Umidade Relativa do ar (%).

Através do resultado obtido por este cálculo, foi possível definir as faixas que estabelecem o conforto ou desconforto de acordo com o ICT (quadro 1), para posteriores analises dos dados obtidos em campo.

QUADRO 1
Índice de Conforto Térmico (ICT)

Fonte: Funari. 2006. Elaboração: Autores, 2023

A terceira etapa consistiu na elaboração do mapa de uso e cobertura da terra em Manacapuru, com o recorte temporal de 1985-2000. Produzido através da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG’s), a partir do software livre QGIS versão 3.28. Além disso, para melhor visualização das modificações espaciais na superfície, foram utilizadas imagens do satélite Landsat para melhor comparação temporal.

Ao final, na quarta etapa, após detenção dos conhecimentos e dados adquiridos nas etapas anteriores, houve a organização, tabulação, comparação e análise e dos resultados obtidos, culminando para as considerações e escrita do artigo.

PERCEPÇÃO CLIMÁTICA E CONFORTO TÉRMICO

Durante a aplicação do questionário, foi observado que os idosos em geral desempenham a maior parte das suas atividades no ambiente domiciliar. Sendo assim, o acesso e entrevista se deu de forma muito calma e sem interferências. Do total de entrevistados, foram selecionados 14 mulheres e 6 homens, que correspondem a respectivamente 70% e 30%.

As características físicas gerais não indicam níveis avançados de sobrepeso e comprometimento metabólico por obesidade. É de conhecimento comum que diversas doenças são capazes de afetar a percepção sensorial em virtude na alteração metabólica, todavia, em virtude da idade avançada, idosos comumente apresentam problemas de saúde combinados, de maneira que 70% da amostragem já possui doenças crônicas como diabetes, hipertensão, hipotiroidismo e lesões ósseas.

Diante das condições atmosféricas no momento, a população amostral demonstrou que mesmo com temperaturas moderadas características de meses chuvosos, em maior parte, a sensação térmica (Figura 2) é indicada como a categoria 4 – Quente.


FIGURA 2
Sensação Térmica da população amostral
Elaboração: Autores. 2023

Na figura 2 é possível perceber que os moradores se sentem desconfortáveis termicamente, ainda que todas as entrevistas tenham acontecido no âmbito de suas residências, abrigados de radiação solar, e sem exercer esforço físico. Ao serem indagados se consideram que a temperatura tem mudado com o tempo, 90% dos entrevistados afirmam que sim, pois “está esquentando”, e relatam as causas que eles atribuem para essa alteração (Figura 3), e como tem sido cada vez mais desencorajador manter residência na cidade e fazer atividades a pé fora de casa, muitos preferem trocar suas residências na cidade para morar em sítios afastados.


FIGURA 3
Atribuição do motivo de alteração de temperatura
Elaboração: Autores, 2023

A maioria dos entrevistados tem uma opinião plausível quanto a possíveis causas da tendência ascendente de temperatura do ar nas cidades, ainda que tenham pouca instrução.

Os entrevistados destacaram o desmatamento como principal causa promotora de aquecimento urbano. Nos bairros Centro e São Francisco foi relatada presença de veículos com madeira fruto de desmatamento ilegal circulando dentro da cidade, durante o período da madrugada, quando há pouca circulação nas ruas. Segundo os entrevistados, a movimentação de madeira avistada é destinada ao abastecimento de serrarias e marcenarias que não funcionam, e por isso, revelam maior desmatamento na região. Denúncias já foram realizadas pela própria comunidade.

Em seguida, apontaram as queimadas como origem do aquecimento, em virtude do aumento de episódios de fumaça na cidade durante o período quente e seco do ano. Para estes idosos, a presença recorrente de fumaça indica maior número de queimadas, e por sua vez, interferem na qualidade do ar e ocasionam intercorrências respiratórias.

Além de intercorrências geradas por queimadas, três moradores registraram episódios de desmaios e hospitalização por exposição a radiação solar em dias de temperaturas mais elevadas, fazendo com que seja preferível deixar de sair nas ruas.

A partir da percepção climática pontual e histórica, torna viável a comparação do parecer subjetivo diante do Índice de Conforto Térmico – ICT (Quadro 2) que prediz o conforto térmico da população através de elementos físicos da atmosfera, a Temperatura e Umidade do Ar.

QUADRO 2
Resultado de Índice de Conforto Térmico – ICT

Elaboração: Autores, 2023

Os dados do ICT revelam conclusões divergentes dos relatos coletados em campo, os 20 questionários indicam as classes Limite Superior da Zona de Conforto, e Leve Desconforto por Calor. Enquanto o ICT deduz que nos dias de coleta não há desconforto relevante, em oposição a 70% da população idosa entrevistada informa desconforto térmico relevante.

USO E COBERTURA DA TERRA E VULNERABILIDADES

Dentro do município de Manacapuru, a cobertura da terra foi transformada para atender as necessidades do seu uso (Figura 4).


FIGURA 4
Mapa de uso da terra em Manacapuru, 1985-2020
Elaboração: Sarkis, 2022

Expressado na Figura 4, para alcançar o uso da terra em Manacapuru, de acordo com o mapeamento do MapBiomas, fora considerado 7 classes: Formação Vegetal, Formação Savânica, Campo Alagado, Formação Campestre, Pastagem, Área Urbana e Rio. Atualmente, dentre estas classes (Figura 5), a Formação Florestal atua de maneira predominante, seguida da atividade de Pastagem originada pela retirada de camada vegetal para ramo agropecuário. Por sua vez, a Área Urbana ainda que pequena, desempenha forte papel na vida dos cidadãos, pois a maior parte ocupa e participa da vida na zona urbana.


FIGURA 5
Comparação da atividade de uso e ocupação do solo em Manacapuru
Elaboração: Autores. 2023

Ao comparar as imagens de satélite de 1985 e 2020 na figura 5, é perceptível a expansão territorial de 0,7km² na Área Urbana, que revela significativa alteração do solo na área urbana do município, sendo fator potencial para percepção de aumento da temperatura urbana e desconforto térmico.

Todavia, além do domínio dos conhecimentos e ferramentas técnicas, linguagem matemática e o entendimento físico da atmosfera, é fundamental a incorporação da dimensão social nas interpretações do clima nos estudos geográficos, percebendo como tais fenômenos atmosféricos reverberam na superfície e produzem o território constantemente transformado pela sociedade (SANT’ANNA NETO, 2008).

É conhecido que populações segregadas também experimentam de formas diferentes até mesmo fenômenos naturais. Logo, foi levantado questionamento acerca de alguns aspectos sociais e ambientais (Quadro 3) que podem influenciar dinâmica de interação homem-natureza.

QUADRO 3
Aspectos socioambientais de vulnerabilidade

Elaboração: Autores, 2023

Os rios possuem dinâmica íntima com a população urbana de Manacapuru, tendo em vista que parte da cidade é inundada durante as cheias dos rios. Entretanto, eventos extremos de precipitação, ou maior exposição a desconforto térmico também se revelam quando é observado o padrão construtivo. As casas mais próximas aos igarapés urbanos, ou próximo aos rios nas zonas marginalizadas nas bordas dos municípios, tendem a demonstrar o claro poder aquisitivo baixo das famílias.

Isso traz à tona a reflexão de que essas famílias também possuem baixo recurso para as necessidades da vida. Dito isto, ainda que as populações próximas aos rios tenham o efeito da brisa fluvial, e não estão fixadas na porção da cidade que concentra emissão de calor urbanizado, elas estão expostas desconforto térmico por muito mais tempo, ainda que seja moderado.

Os idosos dessas áreas concentram a renda de 1 salário mínimo no geral, com outras necessidades familiares para atender. Isso significa dizer que estes idosos não podem pegar seus carros e ir para o sítio distante, se privam de andar nas ruas por estar quente já que não tem meios de transporte próprio ou na família. Dentro de suas casas muitas vezes não tem oportunidade de comprar e pagar o custo de energia de um ar condicionado. Foram investigadas as condições de condicionamento de ar de todos os entrevistados (Figura 6).


FIGURA 6
Condicionamento de ar mecânico
Elaboração: Autores. 2023

Destes 40% que possuem apenas ventilação mecânica, todos apresentam condição de baixa renda, de maneira que 60% demonstram melhores condições financeiras equivalentes a classe média baixa.

A população que vive na periferia, afastada das centralidades urbanas, desprovidas de construções adequadas, saneamento básico, certamente sofrerão de maneira muito mais intensa os efeitos de uma enchente proveniente de precipitação extrema, por exemplo. Essa população também fica vulnerável aos efeitos da qualidade do ar, riscos à saúde pela poluição da água das enchentes, desconforto térmico em virtude das características construtivas inadequadas, entre outros. E além disso, a população mais vulnerável possui menos condições de mitigar impactos climáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população idosa, ainda que possua comorbidades influenciáveis na percepção sensorial climática, possui experiência histórica de interação com a dinâmica da atmosfera urbana da cidade de Manacapuru. Por isso, esta faixa etária detém um olhar importante para capacidade diagnóstica do comportamento do clima com o passar das décadas, especialmente a temperatura do ar.

Os índices de conforto térmico, por muito estão fundamentados em outras realidades geográficas e sociais. O ICT proposto por Funari demonstra leve desconforto por calor, que vivenciado pelos sentidos gera conclusões diferentes. Para a população idosa o clima da cidade de Manacapuru vem se tornando desconfortável através do tempo, principalmente quando se refere a estação da seca na Amazônia e as temperaturas sobem no período de estiagem dos rios.

A dificuldade de locomoção, riscos à saúde em ambiente aberto, troca de moradia para zonas rurais demonstram os impactos negativos que o desconforto térmico pode ocasionar. Esse cenário, de acordo com dados comparativos, provém principalmente da expansão da malha urbana e da intensidade de alteração da cobertura da terra da zona urbana

Finalmente, fatores socioeconômicos também são capazes de interferir na percepção do clima. A lógica do modo de produção capitalista resulta em espaços desiguais, de maneira que as características climáticas afetam a população também de forma desigual, que está ligada diretamente ao viés social. Isto posto, muitos são os desafios para compreender resoluções possíveis para estresses térmicos, ademais, cidades de médio porte em expansão demonstram resultados mais factíveis a partir do planejamento responsável das cidades, ressaltando a importância do campo térmico para o convívio social com qualidade.

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