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Temporalidades do uso e cobertura da terra na cidade de Envira (AM) entre 1985 a 2019
Temporalities of land use and land cover in the city of Envira (AM) between 1985 and 2019
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 2, 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 2, 2023

Recepção: 14 Abril 2023

Aprovação: 20 Junho 2023

Resumo: O município de Envira é uma porção da região amazônica no sudoeste amazonense, área que apresenta uma tensão territorial entre a dinâmica de expansão agropecuária e o mosaico fundiário que visa contê-las, além disso, a sede municipal se caracteriza por ser um lócus empírico dos aspectos socioambientais no modo devia urbano ribeirinho. O presente trabalho tem como objetivo verificar, a partir de sensoriamento remoto na unidade municipal e o trabalho em campo na sede, as mudanças no uso e cobertura da terra com ênfase no desmatamento em Envira, sob o recorte temporal de 1985 a 2019, relacionando o processo com as influências das ações sociais, como é o caso da agricultura, pecuária, extração de madeira etc. As informações coletadas estão baseadas em levantamentos bibliográficos; foram coletadas informações de dados secundários a partir do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) para a espacialização do desmatamento; e o levantamento do Projeto Mapbiomas 8.0 do bioma Amazônia para considerar o uso da terra. Dos resultados, consta-se que a Terra Indígena Cacau Tarauacá se apresenta como uma importante unidade territorial da preservação da paisagem e seus aspectos naturais. O principal vetor da expansão da paisagem, a partir da centralidade urbana de Envira, está para o vetor sul, vinculando-se à exploração agropecuária. Na série histórica abordada, a pecuária se mostrou como principal atividade econômica que condiciona a alteração da paisagem local. A cidade de Envira se caracteriza por uma temporalidade cíclico-ecológica integrado com o sistema urbano.

Palavras-chave: Envira, desmatamento, uso e cobertura da terra, Terra Indígena Cacau Tarauacá.

Abstract: The municipality of Envira is a portion of the Amazon region in the southwest of Amazonas, an area that presents a territorial tension between the dynamics of agricultural expansion and the land mosaic that aims to contain them. Furthermore, the municipal headquarters is characterized by being an empirical locus of socio-environmental aspects in the riverside urban should mode. The present work aims to verify, based on remote sensing on the municipal unit and field work at the headquarters, the changes in land use and coverage with an emphasis on deforestation in Envira, under the time frame from 1985 to 2019, relating the process with the influences of social actions, such as agriculture, livestock, wood extraction, etc. The information collected is based on bibliographical surveys; secondary data information was collected from the Amazon Deforestation Calculation Program (PRODES) to spatialize deforestation; and the Mapbiomas Project survey of the Amazon biome to consider land use. From the results, it appears that the Tarauacá Cacau Indigenous Land presents itself as an important territorial unit for the preservation of the landscape and its naturais aspects. The main vector of landscape expansion, from the urban centrality of Envira, is towards the south, linked to agricultural exploration. In the historical series discussed, livestock farming proved to be the main economic activity that conditions the change in the local landscape. The city of Envira is characterized by a cyclical-ecological temporality integrated with the urban system.

Keywords: Envira, logging, land use and land cover, Cocoa Tarauacá Indigenous Land.

INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios da humanidade é a preservação do meio ambiente, atualmente, diversos são os problemas que atingem as florestas brasileiras que, ao longo da história, já perderam grande parte de sua massa florestal. As principais causas do desmatamento no Brasil estão ligadas à exploração madeireira ilegal, pecuária, agricultura, extrativismo vegetal, animal e mineral, muito embora, em menor proporção, esse fenômeno também pode ter caráter natural, sendo, no entanto, pouco provável que ocorra em ambiente florestal úmido como o relacionado ao bioma Amazônia. Dos principais impactos naturais, cita-se a alteração no microclima e da cobertura vegetal.

A questão ambiental na Amazônia, conforme compreende Porto-Gonçalves (2012), é complexa e se relaciona a um mosaico de diferentes elementos referentes ao ordenamento territorial e à base topográfica. Nesse sentido, é possível considerar que a região amazônica compreende diversos territórios, alguns deles sendo contraditórios entre si. Em alguns desses territórios, há a desassociação da ecologia e da justiça social, em outros, é possível verificar algumas nuances desses aspectos. São frações territoriais que se interpelam, não podendo a Amazônia ser vista como um todo monolítico, sendo, por exemplo, a dinâmica do desmatamento ilegal um indicativo da heterogeneidade espacial nessa macrorregião porque não atinge igualmente todos os lugares.

No caso dos desmatamentos ilegais, em geral, consistem nas dificuldades de se fazer valer leis e o ordenamento territorial sobre as florestas. No quadro atual, é perceptível, segundo Porto-Gonçalves (2012), a presença de processos de degradação ou má utilização dos recursos naturais na Amazônia, que são antagônicos à perspectiva que alinhe a ecologia, justiça social e o pleno exercício da cidadania no território, visão que tem potencial de realização via a gestão do território integrada ao sistema de monitoramento de comando e controle.

A partir dessa problemática, a análise temporal e dos vetores de expansão do desmatamento e da mudança da paisagem na Amazônia se faz necessária em vista de verificar as dinâmicas que compõem esse mosaico macrorregional. Focando-se na área a ser investigada no proposto trabalho, o munícipio de Envira com destaque para o núcleo urbano principal, objetivou-se compreender a dinâmica da alteração da paisagem a partir de dados secundários por meio de sensoriamento remoto no recorte temporal de 1985 a 2019, que foi complementado com dados primários via observação e registro fotográfico em trabalho de campo na sede municipal. O processo de desmatamento na cidade de Envira notadamente vem interferindo no quadro nas florestas naturais, especialmente na zona perpendicular ao rio Tarauacá, margem direita onde está localizada o núcleo urbano.

Realizou-se análise dos dados secundários e primários à luz da construção teórica, por exemplo, a partir da relação sociedade-natureza hegemonizada na Amazônia que, segundo Porto-Gonçalves (2004), onde a paisagem não pode ser entendida como um conjunto visual, mas também incorpora aspectos culturais, históricos e simbólicos. Ou seja, a paisagem na Amazônia é moldada pelas disputas de poder e controle sobre o espaço de modo a refletir as relações de poder entre diferentes grupos sociais. Além disso, em porções onde se acirram os tensionamentos territoriais, a paisagem tende a apresentar mudanças mais intensas que correlacionam ciclos naturais e intervenções humanas. Essas transformações são influenciadas por fatores como urbanização, expansão agropecuária e exploração dos recursos naturais. Dessa maneira, abordou-se os processos de alteração da paisagem na cidade de Envira e sua região de influência mais próxima, no que se refere a degradação ambiental, processo que vem causando modificações e alterando o conjunto natural existente na região.

Diante da importância da pesquisa, optou-se por estruturar o trabalho nos seguintes itens: histórico da ocupação em Envira; o sítio e a relação da sociedade ribeirinha com o rio Tarauacá; temporalidades do desmatamento; e os vetores de expansão da mudança da paisagem.

Área de Estudo

A pesquisa com o tema da alteração da paisagem teve como recorte espacial o município de Envira, com foco na sede, na margem direita do rio Tarauacá, na sub-bacia do rio Juruá, que fica localizado a sudoeste do estado Amazonas, que abrange os estados brasileiros de Acre e Amazonas, além de uma porção do Peru (Figura 01). Conforme o Censo 2022, o município tem uma área de 7.505,794 km², sua população é de 17.186 habitantes, com densidade demográfica de 2,29 habitante por quilômetro quadrado (IBGE, 2023).


FIGURA 1
Mapa de localização de Envira – AM
Fonte: IBGE (2010, 2017), MMA (2021)

Procedimentos Metodológicos

Para uma melhor compreensão sobre o processo de alteração da paisagem em Envira, levou-se em consideração: i) levantamento bibliográfico referente ao tema, leitura dos autores e organização de material de apoio como livros, artigos em periódicos e etc.; ii) utilização de dados secundários de sensoriamento remoto já processados, que foram complementados por dados primários via trabalho em campo.

Sobre a sistematização dos dados secundários, as informações foram extraídas a partir do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) para a espacialização e temporalização do desmatamento; também foram utilizados os dados disponibilizados pelo Projeto Mapbiomas 8.0 sobre o bioma Amazônia para considerar o uso da terra, conforme organização no plugin do software Qgis 3.16.11, e a quantificação das classes foi feita por meio do painel dinâmico do projeto. Os dados foram expressos em mapas temáticos e interpretados à luz do contexto histórico da localidade. Para a análise do desmatamento, seguiu-se um aprofundamento no intervalo entre os anos de1985 e 2019.

O trabalho em campo se limitou ao núcleo urbano principal do município, realizado durante o mês de fevereiro de 2021, período de enchente do rio Tarauacá. Procurou-se observar a paisagem onde parte das discussões suscitadas estão expressas no trabalho por meio do material fotográfico.

A formação e ocupação de Envira

A historiografia de Envira pode ser descrita como a trajetória social e política de um povo de raízes nordestinas, com a participação de remanescentes indígenas e alguns imigrantes e migrantes de outros locais do Brasil. A região onde atualmente está localizada o município de Envira deriva do povoamento não-indígena que se deu no início do século XIX, com a chegada de nordestinos, dinâmica que se desenvolveu durante o período do Ciclo da Borracha, que, na prática, estimulou a interiorização na Amazônia em função do extrativismo vegetal das seringueiras (EPIFÂNEO, 1993).

Inicialmente, o pequeno aglomerado que deu origem a atual cidade de Envira se limitava a casas, capela católica (N.S.P. Socorro), galpões de armazenamento para grãos e borracha, além de escola, casa do motor de luz a diesel, trapiche de madeira e um galpão para uma serraria manual (CRIPRIANO NETO, 2024).

O município de Envira foi criado com o advento da Lei nº 96 de 19/12/1955, a qual criou um conjunto de municipalidades no Amazonas, na administração de Plínio Ramos Coelho, governador do estado à época. A lei citada, no seu artigo V, postula que fica criado o município de Envira (Figura 2), desmembrado dos municípios de Eirunepé e de Carauari, sendo o então novo município subdividido pelos distritos Foz do Envira, Foz do Itucumã, Foz do Tarauacá e Foz do Cujubim.


FIGURA 2
Visão panorâmica da ocupação em Envira no início da década de 1960
Fonte: Arquivo pessoal da Sra. Nazaré Mesquita (s/d)

Há alguns quilômetros, do seringal Foz do Envira, descendo o rio Tarauacá, havia um pequeno seringal denominado Pacatuba, de propriedade de Joaquim Borba que, depois da negociação com o governador do estado, cedeu suas terras para a construção da sede do município mediante o pagamento de uma quantia em espécie pelo estado do Amazonas conforme acordo firmado entre as partes. No dia 08 de julho de 1960, Joaquim Borba vendeu para o estado do Amazonas o seringal Pacatuba o que importou ao estado o pagamento de uma quantia em dinheiro de duzentos mil cruzeiros (CR$ 200.000,00). Então dessa forma foi possível iniciar a construção se uma sede para o município sem que houvesse divergências quanto ao local de sua instalação (EPIFÂNIO, 1993).

O seringal Pacatuba foi eleito para desapropriação em função da fundação da sede municipal de Envira, tendo como justificativa um fator locacional de se situar no centro do município. A partir de então, os vereadores fizeram o decreto e o enviaram ao prefeito, o qual sancionou a Lei nº 003 para a sede do município, dessa forma, deram início à cidade de Envira.

No sentido histórico e social, Envira se apresenta como uma típica ocupação das pequenas cidades amazônicas por apresentar uma ocupação vinculada à circulação fluvial, a sua gênese como rebatimento do ciclo econômico representado pelo extrativismo da borracha e a formação da população local derivada da migração, sobretudo, nordestina articulada com a comunidade indígena preexistente (CORRÊA, 1987).

Atualmente, o município tem como principais ativos relacionados ao desenvolvimento econômico a produção agrária, destaca-se: agricultura familiar, pesca, comércio urbano, extrativismo e pecuária, dando ênfase que esta última atividade é a principal influenciadora no desmatamento na região do rio Tarauacá, fato que será detalhado nos itens a seguir. Os principais meios de transportes intermunicipal são os relacionados ao sistema fluvial e, em menor volume, ao sistema aéreo, haja vista que não existem estradas que ligam o município com outras cidades.

Acerca do sítio: a geomorfologia do rio Tarauacá

A morfodinâmica fluvial do rio Tarauacá é um dos fatores mais importantes da relação da ocupação de Envira e seu sítio, uma vez que a organização espacial da cidade se delimita nas áreas marginais do rio. Isto porque Envira é uma cidade ribeirinha que guarda plena articulação com a dinâmica sazonal de enchente-vazante do rio Tarauacá, que se explica pelo “escoamento fluvial [que] faz parte integrante do ciclo hidrológico e sua alimentação se processa através das águas superficiais e das subterrâneas” (CHRISTOFOLETTI, 1936, p. 65).

O rio Tarauacá é o canal fluvial principal da microbacia hidrográfica (Mbh) Tarauacá/Envira, baseando-se em Vieira (2002), que dispõe de uma área de 53.522 km², tendo como seus principais afluentes: na faixa justafluvial direita, os igarapés Duas Bocas, Jaminawá, Mercedes, Mato Grosso, São Luís, Apuanã, Joaci, Sacado e rio Muru; e na faixa justafluvial esquerda, os igarapés São Salvador, Primavera, Katukina, São Joaquim, Fortaleza, Lupuna, Minas, Extrema e Piraj. Ressalta-se que igarapé é um termo regional amazônico que significa literalmente “caminho de canoa”, designando canais de primeira e segunda ordem.

O rio Tarauacá, segundo levantamento realizado pela Funai (2008), tem um padrão sinuoso a meândrico, com pequenos trechos retilíneos. Nesses rios encontram-se meandros de várias idades, quanto mais afastados do leito atual, tendem a ser mais antigos, além de apresentar várias fases de escavação (encaixe do leito). Este caráter meândrico dos rios leva à formação de bancos de areia no leito, aumentando as dificuldades e as distâncias da navegação fluvial, o que causa implicações severas para o acesso, já que os rios se constituem no mais importante meio de transporte do estado do Acre (FUNAI, 2008) e do Amazonas (NOGUEIRA, 1994), sobremaneira para o caso de Envira.

As formas do relevo do município de Envira são compostas de maneira relevante pela faixa de planície de várzea, onde sua largura varia de 10 a 15 km, no trecho compreendido entre o limite oeste da foz do rio Tarauacá. No trecho mais a jusante, mantém largura em torno de 15 km, estreitando-se, porém, para 10 km nas proximidades do Itamarati, município lindeiro ao da área de estudo. Deste local para jusante até o limite norte da Folha SB.19 Juruá, a planície varia entre os 15 e 20 km de largura (RADAMBRASIL, 1977).

A extensão do canal principal é de 211 Km, sua foz deságua no rio Juruá, no município de Eirunepé. Sobre a geomorfologia fluvial que apresenta o rio Tarauacá e a relação com a organização e social de Envira, conforme Oliveira (2015), o rio atua como importante fator controlador do sítio da cidade, no sentido de condicionar uma área sedimentar e, especialmente a condicionante relativa à sazonalidade das águas.

As cidades amazônicas que guardam essa relação com o regime hidrológico não se limitam à perspectiva físico-natural, pelo contrário, para Lima (2021), as “cidades anfíbias”, como no caso de Envira, apresentam forte relação cultural e da organização produtiva com o rio, o que também se desdobra na formação sociopolítica desses núcleos urbanos. Conforme o autor, as cidades anfíbias, em vista de se encontrarem cerca de seis meses ao ano parcialmente inundadas (Figura 3), apresentam um tempo social que guarda maior proximidade com a questão ecológica e cíclica, no sentido da relação homem-natureza e, como o modo de vida local, estabelece-se com relação ao seu meio. Ressalta-se que a proposta de interpretação de Lima (2021) não dialoga com as correntes deterministas, pois dá centralidade às práticas socioespaciais dos agentes produtores do espaço.


FIGURA 3
Tempo cíclico/ecológico na cidade de Envira em 2021. A) Visão vertical da cidade no período de vazante (set/2021). B) Visão vertical da cidade no período de enchente (mar/2021). C) Acessibilidade dificultada no meio intraurbano. D) Uma das principais vias da cidade inundada. E) Setor residencial e as complicações urbanas para o morar. F) Entulhos transportados pelas águas.
Fonte: Planet (2023), arquivo pessoal da autoria (2021)

Nesse sentido, nota-se a importância da geomorfologia fluvial, particularmente dos processos que dizem respeito à planície de inundação para a compreensão do sítio de Envira. Focando em processos e condicionadores que constituem a gênese dos processos morfodinâmicos fluviais, o estudo de Oliveira (2015), traz a taxa do comportamento do rio Tarauacá, demonstrando variações na descarga líquida/vazão de acordo com a sazonalidade: no período de vazante, entre 24 a 61,4 m3/s e 10,1 a 39,6 m3/s; no período da cheia fluvial (de janeiro a abril) a vazão vai de 1.292 m3/s a 1.840 m3/s.

Segundo o autor, essa variação da descarga líquida com um diferencial de aproximadamente mil metros cúbicos de diferença, o que certamente influencia nas ocupações humanas que estão sobre as faixas de meandros onde divaga o rio Tarauacá. Isso é válido inclusive quanto às implicações urbanas pela deposição de bancos arenosos que dificultam a navegabilidade ou pela erosão fluvial que leva alguns moradores a buscar alternativas por conta da perda de terra, especialmente as porções agricultáveis.

Quanto a complexidade dos ciclos biogeoquímicos, sobretudo o ciclo hidrológico:

A geomorfologia do canal do rio Tarauacá delineia um complexo e dinâmico sistema em constante transformação, influenciado por diversos fatores (climatológico, geológico, hidrológico, entre outros) naturais. Tal correlação existente neste sistema provoca intensas alterações na paisagem e, mormente no cotidiano das populações ribeirinhas, residentes nas margens destes rios e até mesmo da cidade. Processos erosivos, deposicionais e de transporte de material em suspensão tornam-se assim, frequentes no trecho (conhecido popularmente como “furo”). Localizado nas proximidades da cidade de Envira, o rio Tarauacá apresenta uma complexa relação de dinamismo entre o meio ambiente e fatores antrópico “desmatamento, uso inapropriado do solo, fluxo de embarcações entre outros” (OLIVEIRA, 2015, p. 20).

Nota-se a dinamicidade do espaço geográfico, pois onde se observa uma aparente paisagem estática, na verdade compreende um quadro de diversos sistemas em interação. Isso corresponde às águas e às terras, enfim ao sítio, especialmente no que se refere a realidade das cidades anfíbias, pois a ocupação humana não se dá no vácuo ou numa planície isotrópica, pelo contrário, a sociedade estabelece, apropria e desenvolve relações de pertencimento para com uma base material natural e/ou técnica diferenciada. Por fim, ressalta-se que de mesmo modo não é possível resumir a atuação humana por mero “fator antrópico”, que olvida as relações de poder e de classe contidas na estratificação social capitalista, uma vez que cada grupo social interage de maneira particular com o espaço e suas condicionantes naturais e sociais.

Avanços e freios do desmatamento

No que refere ao uso e ocupação da terra, conforme Fearnside (2020, p. 8), o desmatamento vem apresentando uma crescente de suas taxas anuais e, por isso, merece maior atenção pelas instituições. Pensando nessa problemática, é possível pontuar que a ocupação mais intensa da Amazônia e seu rebatimento no desmatamento tem seu início nas décadas de 1960 e 1970, no entanto, expressa o autor, que embora áreas extensas ainda permaneçam intactas, a taxa de perda da floresta é alarmante, em especial no “arco do desmatamento”, ao longo das bordas sul e leste. O autor complementa:

Na Amazônia brasileira, o peso relativo dos pequenos agricultores versus grandes latifundiários altera-se continuamente devido às pressões econômicas e demográficas. Os grandes latifundiários são mais sensíveis às mudanças econômicas, tais como as taxas de juros e outros investimentos, subsídios governamentais para o crédito agrícola, índice de inflação e preço da terra (FEARNSIDE, 2020, p. 9).

Essa descrição permite visualizar uma maior complexidade dos atores locais que se relacionam com o desmatamento na Amazônia. Por exemplo, o homem dentro do universo do campesinato não segue a lógica capitalista, mas nela se encontra a diferença no que diz respeito a classe social, pois o trabalho no campo pode apresentar objetivos diferenciados que são distribuídos na cadeia produtiva, isto é, a reprodução do modo de vida camponês, a qual depende da localidade (SILVA e COSTA, 2017).

A partir desse entendimento preliminar, discute-se o município de Envira, que apresenta uma taxa total de desmatamento de 363,8 km² até o ano de 2020 (INPE, 2021). Esse montante de desmatamento envolve tanto ocupação para agricultura quanto para a pecuária, bem como áreas que não passaram por "ativação" econômica. No período mais recente, de 2008 a 2020, é possível observar que os processos de desflorestamento associados à cidade de Envira estão vinculados aos trechos rodoviários conectados pelo centro urbano (Figura 4).

Quanto à influência dos trechos rodoviários no desmatamento na localidade, a distribuição dos polígonos sinaliza, sobretudo no setor mais próximo da área urbana, uma vinculação com fluxos que articulam a centralidade urbana com os sistemas produtivos agrários mais próximos. No que se refere à apropriação da terra, o desmatamento da área de estudo está vinculado sobretudo com uma produção agrícola, onde se destaca a produção de banana, cupuaçu, abacaxi, mamão e, mais recentemente, a cafeicultura (SEPROR, 2021).


FIGURA 4
Mapa de desmatamento recente na zona de influência da cidade de Envira
Fonte: IBGE (2010, 2017), MMA (2021), PRODES (2021)

Apesar das áreas desmatadas se concentrarem na mesma margem (direita) do rio Tarauacá em que a cidade está localizada, também se observa um processo recente com focos mais dispersos logo em frente à cidade, na margem esquerda do rio. Um pouco mais distante do leito rio principal, nota-se um encadeamento de polígonos organizados de forma mais ou menos linear, provavelmente baseando-se em canais fluviais de menor ordem.

Nesta lógica, apresenta-se como fator importante a ser pontuado também o desmatamento que ocorre nas áreas que margeiam o rio Tarauacá, sendo perceptível no mapa a existência de focos nas áreas marginais, pois muito dos processos de escoamento da produção ocorre não somente pelos trechos rodoviários para o mercado local (cidade de Envira) como também pelo rio para outros mercados da rede urbana. Vale ressaltar que, na localidade, o que se denomina de “trecho rodoviário” não se trata de rodovias oficiais e sim estradas precárias.

Em mesmo sentido, através do mapa (Figura 4), a Terra Indígena (TI) Cacau do Tarauacá, de forma parcial, mostra-se como uma "barreira" em consideração ao avanço do desmatamento, porém, existem pequenos focos sobrepostos a esse território, isso pode ser interpretado como uso das terras pelos próprios indígenas para produção local para fins de atender suas necessidades.

A contribuição da TI Cacau do Tarauacá para conservação ambiental nesse recorte espacial é evidente. Neste caso, apresenta-se um contingente de feições de desflorestamento que se refere a um padrão diferente das áreas externas em que ocorre maior degradação ambiental, existindo elementos que indicam uma efetividade (parcial) da institucionalização de TIs no controle ao desmatamento na Amazônia.

A TI tem sua sede na comunidade Cacau (Figura 5), uma aldeia indígena da qual seu topônimo advém do Igarapé do Cacau, afluente do rio Tarauacá, que banha as terras próximas da comunidade. A TI foi homologada pelo Decreto 272 de 30/10/1991, apresentando uma área de 28 mil hectares com população de 230 pessoas do povo Kulina (ISA, 2023). A população da comunidade se distribui em 150 famílias que, segundo a SENSA (2020), vivem em apenas 80 residências, o que pode indicar uma condição de precariedade no contexto da moradia.


FIGURA 5
Centro de reuniões na comunidade Cacau
Fonte: Arquivo pessoal da autoria (2012)

Sua formação teve início nos anos 1980 devido à proximidade com a cidade e por conta da disposição de recursos: água abundante (igarapé do Cacau), terra ser fértil, caça e pesca. Por muitos anos, agricultura, caça, pesca e extrativismo, foram a principal (ou única) fonte de subsistência para as famílias da comunidade.

Com o passar do tempo, as famílias foram inseridas nos programas de assistência social do governo federal. Atualmente praticamente todas as famílias indígenas da comunidade tem sua renda derivada do binômio assistência social e produção agrária. Vale a pena mencionar que a inserção dessas famílias nesses projetos foi essencial para a melhoria de suas condições de vida, particularmente no aspecto da segurança alimentar.

O fluxo da comunidade indígena para a cidade ocorre por via fluvial e por uma via não asfaltada conhecida como Estrada do Cacau, com cerca de 5 quilômetros de distância. A população Kulina apresenta fluxos diários com a cidade, havendo maior intensidade de deslocamentos em prol de realizar atividades como acesso a serviços sociais federais, utilização do cartão do programa Bolsa Família, além de acompanhamento de saúde e de educação. Cita-se ainda os fluxos para fins de escoar sua produção especialmente agrícola, como macaxeira e banana, e de utensílios artesanais, exemplo de paneiros e peneiras (de fibra) e remos (de madeira).

Portanto, destaca-se que essa organização socioespacial da comunidade, apesar de encontrar indícios de precarização, apresenta considerável resiliência na defesa de seu território, fator que se manifesta pela distribuição restrita do desmatamento na unidade territorial, diferenciando-se substancialmente do padrão espacial encontrado na porção que não corresponde à TI.

Vetores de expansão na cidade de Envira

Dos focos de desmate mais recentes, nos anos de 2019 e 2020, estes estão expressos, igualmente como a tendência geral, nas proximidades dos trechos rodoviários. A sua distribuição indica uma orientação da expansão agropecuária no sentido noroeste-sudeste, tendo a cidade de Envira como centralidade da mancha não florestal observada. Esse entendimento ganha maior ênfase ao se observar a evolução do uso da terra (Figura 6).


FIGURA 6
Mapa de uso da terra nas proximidades da cidade de Envira - 1985 e 2019
Fonte: IBGE (2017), Mapbiomas (2021)

Em 1985, a ocupação mais contínua da área de estudo se limitava basicamente ao adensamento referente a cidade de Envira e suas proximidades voltadas ao rio. A ocupação nesse período não apresentou relevante pressão na borda da TI Cacau do Tarauacá (que foi institucionalizada em 1995), o que, ao longo do tempo, foi aumentando. O aspecto do uso e cobertura da terra que mais chama a atenção nesse primeiro momento analisado é que a dinâmica de alteração da paisagem mais substancial se limitou a um pequeno núcleo urbano e sua zona de influência mais direta. Nas margens dos rios principais, observa-se também pequenas áreas associadas à atividade agropecuária, o que se relaciona às limitadas faixas de produção agrária ribeirinha, no entanto, que se ressalta que esses recortes não necessariamente se tratam de “áreas produtivas”, na prática, estão relacionadas à retirada da cobertura vegetal.

Uma década depois, em 1995, ocorreu uma grande expansão da faixa associada à agropecuária. Neste período, observa-se duas tendências que partem da centralidade constituída pela cidade de Envira. A tendência principal, e que se consolida com o passar do tempo, articula-se na orientação perpendicular ao rio Tarauacá, no sentido noroeste-sudeste. A tendência secundária é no sentido sul-norte, limitado no oeste pela topografia fluvial e no leste pela topologia dos limites da TI Cacau do Tarauacá.

No terceiro momento, ano de 2005, a tendência que se destaca é no inverso na do período anterior, no sentido sul-norte, essa expansão da ocupação consolida-se via agropecuária, que apresenta uma intensificação. Neste período, ocorre um espraiamento ao sul, numa delimitação de rede em leque, sendo, como na faixa norte anteriormente descrita, limitada pela TI e pelo leito do rio. Na faixa da margem esquerda do rio Tarauacá (em frente da cidade), observa-se o início de pequenos incidentes que foram classificados como cicatrizes de exploração agropecuária.

Em 2019, período mais atual, é verificada uma intensificação do vetor principal de expansão no sentido sul e que são estruturados pela formação de eixos (ramais) que ainda estão em processos de desenvolvimento. Na margem esquerda, os processos que iniciam no período anterior aparecem de forma mais consolidada, o que se relaciona ao desmatamento e são definidos como elementos de processos da atividade agropecuária.

Ainda no período mais recente, cita-se que em frente a cidade, como afluentes da margem esquerda do rio Tarauacá, os igarapés Rato e Repartimento (sendo o segundo afluente do primeiro), têm sido alvo de novos moradores e também fazendeiros, fato que vem acompanhado do aumento do desmatamento e, portanto, da mudança da paisagem.

Por fim, o quadro do desmatamento e a evolução do uso da terra na área de estudo derivam de aparente falta de ordenamento territorial e controle estatal de longo prazo. A exceção é a contribuição positiva que se identifica pela TI Cacau do Tarauacá, que funciona como instrumento territorial de defesa ambiental em detrimento do crescimento das zonas desmatadas e da consequente incorporação dessas áreas pela atividade agropastoril ou mesmo para especulação fundiária.

Tempos do uso e cobertura da terra no município de Envira

Além dos vetores que ajudam a explicar o processo de expansão da mancha urbana e dos contornos rurais da cidade Envira, chama-se atenção para a quantificação das classes de uso e cobertura da terra no contexto da totalidade do recorte territorial do município.

Nesse intento, os dados do programa Mapbiomas demonstram que em 1985 o município de Envira apresentava 98,80% de seu território com cobertura vegetal primária (Tabela 1). Nesse período, conforme Corrêa (1987), a rede urbana na Amazônia passava por uma de suas principais transformações: era o momento-auge das políticas territoriais promovidas pelo Estado brasileiro em função da promoção de infraestruturas (rodovias, hidroelétricas, zonas de isenção fiscal e etc.).

No entanto, esse processo macrorregional pouco incidiu (diretamente) sobre o território de Envira, porque nenhum desses objetos técnicos foram materializados na localidade. Apesar disso, cita-se a abertura da rodovia BR-364 (no Acre), na década de 1960, que vem exercendo poder de atração dos fluxos de Envira e outras cidades do sudoeste amazonense em direção ao norte do Acre, isto é, essa mudança na rede urbana local significou o rompimento do monopólio do “antigo” modal fluvial para o “novo” e crescente sistema rodoviário na Amazônia (RIBEIRO, 1994), entretanto, no caso específico de Envira, esses novos conteúdos técnicos e sociais não foram perceptíveis para o ano de 1985 no que se refere ao uso e cobertura da terra.

TABELA 1
Uso e cobertura da terra no município de Envira em 1985

Fonte: Mapbiomas (2021)

Não obstante a essas reflexões, os dados de uso e cobertura da terra para os meados da década de 1980 no município de Envira indicam, como já sugerido, forte tendência de preservação florestal, onde apenas a lâmina d’água alcançou um valor próximo de 1% da totalidade além da própria classe de “floresta”.

Na década seguinte, no ano de 1995, o que mais chama atenção é o crescimento da “agropecuária” em detrimento da “floresta”. Ou seja, é na década de 1990 que a agropecuária marca sua chegada na localidade de maneira mais relevante, ainda que pequena no relativo à totalidade municipal (Tabela 2).

TABELA 2
Uso e cobertura da terra no município de Envira em 1995

Fonte: Mapbiomas (2021)

Essa quantificação para o ano de 1995 está de acordo com a tendência observada para os vetores de expansão na sede municipal (Figura 6), onde se verificou um acentuado crescimento da conversão de áreas de floresta primária em solo exposto, que aqui é interpretado como apropriação da terra para fins de atividade agropecuária. Ressalta-se que, a despeito dos “baixos valores” apresentados pela “agropecuária” e demais classes em porcentagem, tratam-se de áreas extensas, pois os municípios amazônicos tendem a ser maiores que a média nacional (NOGUEIRA, 2002).

De 1985 para 1995, o fato da transformação da “floresta”, e não outras classes, para “agropecuária” fica evidente, uma vez que a primeira é a classe que perdeu o valor mais significativo de área (de 741.601 ha para 738.466 ha) em detrimento ao crescimento da segunda (de 1.349 ha para 4.179 ha).

No que diz respeito ao uso e cobertura da terra de Envira em 2005, observa-se um cenário de aparente arrefecimento na alteração da paisagem na escala municipal (Tabela 3). Contudo, conforme analisada a expansão nas proximidades da cidade (Figura 6), identifica-se uma outra tendência baseada em um espraiamento da faixa voltada para a agropecuária nessa porção do município.

TABELA 3
Uso e cobertura da terra no município de Envira em 2005

Fonte: Mapbiomas (2021)

Apesar dessa aparente “estaticidade” nas dinâmicas de mudança na paisagem em Envira, ressalta-se que a “agropecuária” teve um crescimento de 4.179 há, em 1995, para 10.398 há, em 2005, um crescimento interno de quase 150% da classe. Desse modo, esses números coadunam com as práticas espaciais mencionadas anteriormente neste trabalho, relacionadas à transformação da paisagem nas proximidades da cidade de Envira.

No cenário mais recente, em 2019, a “agropecuária” mais uma vez é a classe que mais chama atenção. Em quase uma década e meia (2005-2019), notou-se um crescimento de mais de 1% (na totalidade do município), o que proporcionalmente corresponde a uma relevante extensão (Tabela 4). Em hectares, a variação foi de 10.398 para 18.652 de área expandida para atividades voltadas à agropecuária.

TABELA 4
Uso e cobertura da terra no município de Envira em 2019

Fonte: Mapbiomas (2021)

Abrangendo a amplitude do recorte temporal da pesquisa, de 1985 a 2019, destaca-se que a crescente “agropecuária”, no contexto do levantamento realizado pelo projeto Mapbiomas (2021), refere-se ao nível 1 das classes, onde a “pecuária” se mostra isolada como subclasse (nível 2), ou seja, esta é especificamente a atividade econômica determinante da transformação da paisagem que aparece no município de Envira.

Nesse contexto, a classe “área não vegetada”, vinculada aos adensamentos populacionais e outros elementos de edificação, pouco insurge como elemento com potencial explicativo para os processos observados na área de estudo, tendo, em 1985, uma correspondência de apenas 24 ha (0,003%) e, em 2019, uma representação de 250 ha (0,033%) da totalidade do município (Gráfico 1) — optou-se por usar três casas decimais neste trecho para melhor visualizar a variação nessa classe.

GRÁFICO 1
Proporção em hectares (ha) do uso e cobertura da terra no município de Envira entre 1985-2019

Fonte: Mapbiomas (2021). Org.: a autoria (2023)

Na análise temporal, além da já comentada “floresta” como composição natural, cita-se a dinâmica da classe “formação natural não florestal”, que apresentou uma pequena variação de 0,24%, em 1985, para 0,34%, em 2019, acréscimo que pode estar associado a conversão de áreas de vegetação primária em vegetação secundária via degradação ambiental. Ressalta-se ainda que uma fração dessa dinâmica pode estar vinculada à expansão de vegetação colonizadora, por exemplo, campinarana, além da possibilidade de afloramento rochoso na área de estudo — a confirmação de tais hipóteses demandaria trabalho em campo para validação.

Não obstante, os dados de uso e cobertura da terra coadunam com a tendência de crescimento do rebanho bovino no município de Envira (Gráfico 2).

GRÁFICO 2
Rebanho bovino no município de Envira entre 1985-2019

Fonte: IBGE (2023). Org.: a autoria (2024) Obs.: A linha de tendência é usada para visualizar a direção geral em que os dados variam, neste caso, há uma tendência de crescimento do rebanho bovino

No panorama do recorte temporal, os dados indicam uma tendência de crescimento da criação de gado em Envira, porém, não linear. O que mais chama atenção é um surto de crescimento bovino isolado em 2007: em 2006, o rebanho municipal era de 12.284 bovinos; em 2007, alcançou o quantitativo de 33.581 cabeças de boi; em 2008, diminui, com 23.000 de contingente de indivíduos nesse setor da pecuária, quando inicia uma sequência de queda nesse populacional bovino que vai até o ano de 2014.

A partir dos dados de rebanho bovino e uso e cobertura da terra, é possível traçar alguns paralelos. Primeiramente, apesar da classe “agropecuária” ter mais que triplicado na primeira década abordada (1985-1995), o quantitativo bovino não acompanhou tais mudanças, pelo contrário, diminuiu ao longo dos anos, o que pode indicar uma tendência de apropriação de terras, inclusive com finalidade de especulação fundiária, com impacto sobre o passivo ambiental de maneira improdutiva (pelo menos no que se refere ao setor da pecuária bovina).

Posteriormente, nota-se o primeiro surto de crescimento bovino na série histórica, especificamente, em 1995, o quantitativo registrado foi de 1.335 de cabeças de gado e, em 1996, houve aumento para 9.507, desde então, segue-se uma pequena tendência de crescimento constante até o ano de 2006, quando, em 2007, há o já mencionado máximo estatístico dessa tabulação. No recorte 1995-2005, a classe “agropecuária” mais que duplica, havendo uma maior correlação com contingente bovino municipal, se comparado com o período anterior.

Dos três períodos, o que vai de 2005 a 2019, é o que apresenta o menor crescimento proporcional da classe “agropecuária”, menos que o dobro (79.38% de aumento). Em paralelo, a rebanho bovino registrou uma flutuação nos dados da série histórica, sendo os principais marcos: em 2005, haviam 12.284 de cabeças de boi; em 2007, mais que duplicou (164,14% de aumento) com relação a 2006; segue-se uma diminuição do quantitativo, quando, em 2014, registra 13.832 bovinos; voltando a crescer, em 2015, com 17.800 indivíduos, até 2019, havendo 23.312 de rebanho municipal, praticamente o dobro do que se viu no início do período, em 2005. Nesse terceiro período, houve um crescimento proporcional maior do rebanho bovino do que da área de “agropecuária”, o que pode estar vinculado ao aperfeiçoamento das técnicas de aumento de produtividade no setor da pecuária, entre outros fatores.

Por fim, conforme discutido, a classe de uso e cobertura da terra “agropecuária” aparece como fator principal da transformação da paisagem no município de Envira na série histórica abordada ao longo do estudo (1985-2019), sendo a pecuária bovina uma das principais atividade econômicas nesse processo. O mesmo vale para os vetores de transformação da paisagem no enfoque da expansão urbana e/ou periurbana da cidade de Envira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sistemas de monitoramento vêm ajudando a entender o processo de alteração da paisagem sistematicamente. Nesta perspectiva, a compreensão sobre o desmatamento na cidade de Envira e suas proximidades, baseia-se em dados que foram obtidos a partir do sensoriamento remoto, que se mostraram importantes informações para o ordenamento territorial e as alterações ambientais.

No contexto do ordenamento territorial, aponta-se a Terra Indígena (TI) Cacau do Tarauacá, como unidade territorial central para preservação ambiental na área de estudo. Nessa TI, a análise das dinâmicas espaciais indicou um padrão de alteração da paisagem e degradação ambiental via desmatamento muito inferior ao que se observa em seus arredores. Isso foi demonstrado tanto na distribuição dos polígonos de desmatamento (consolidados e recentes) quanto na mudança de uso e cobertura da terra.

A partir da análise temporal, o desmatamento e o uso da terra indicaram um vetor principal da alteração da paisagem que parte da centralidade urbana e se articula com o rio Tarauacá em direção ao sentido sul. Esse eixo de expansão é intensificado e coordenado pelos trechos rodoviários, ou seja, pela base técnica instalada, ainda que relativamente precária.

Destaca-se, finalmente, que há evidente expansão da agropecuária hegemonizada pela criação de bovinos. Essa atividade foi identificada a partir do uso e cobertura da terra na localidade e se correlaciona com as variáveis de desmatamento e quantitativo bovino trabalhadas.

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