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Rumo à Transcendência: O Turismo Religioso e a Celebração Espiritual em Jurujuba, Niterói-RJ
Hacia la trascendencia: turismo religioso y celebración espiritual en Jurujuba, Niterói-RJ
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 2, 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 2, 2023

Recepção: 07 Abril 2023

Aprovação: 27 Abril 2023

Resumo: O presente artigo mergulha na rica tapeçaria de símbolos e tradições entrelaçadas na festa religiosa de São Pedro, na pitoresca comunidade de Jurujuba, Niterói-RJ. Inspirado pela poesia de Raul Seixas, que, em sua canção "Eu nasci há dez mil anos atrás", evoca a negação de Pedro diante do espelho como uma metáfora poderosa, exploramos as conexões entre a narrativa bíblica (Lucas 22:54-71) e as crenças arraigadas na comunidade de São Pedro. O fenômeno humano de reconhecimento de pecados, arrependimento e evolução é destacado como elemento central na festa, simbolizado pela alvorada, a procissão de remissão dos pecados e a alegria comunitária expressa na celebração. Examinamos a figura de Pedro, cuja narrativa transcende a religiosidade para abranger a condição humana de errar, reconhecer a falibilidade e buscar a melhoria constante. Além disso, analisamos a dinâmica entre o catolicismo popular e oficial, destacando como ambos os elementos fortalecem os laços comunitários e religiosos. A festa não é apenas um evento religioso, mas uma expressão viva da identidade coletiva e da busca espiritual compartilhada. Este estudo propõe uma visão aprofundada da festa de São Pedro em Jurujuba como um fenômeno cultural complexo, enraizado na tradição, mas dinâmico em sua capacidade de refletir e moldar a identidade da comunidade. A festividade emerge como um reflexo da jornada humana, onde se entrelaçam a negação e o arrependimento com a celebração e a incessante busca por uma vida mais plena em comunidade. Nesse contexto, o turismo religioso se destaca como a perspectiva de estudo, explorada por meio da organização comunitária. Essa abordagem permite uma análise mais aprofundada da interconexão entre elementos espirituais e alegres, tornando a festa religiosa uma expressão rica e multifacetada da cultura local.

Palavras-chave: turismo religioso, identidade comunitária, simbolismo cultural.

Resumen: Este artículo profundiza en el rico tapiz de símbolos y tradiciones entrelazados en la fiesta religiosa de San Pedro, en la pintoresca comunidad de Jurujuba, Niterói-RJ. Inspirados por la poesía de Raúl Seixas, quien, en su canción "Nací hace diez mil años", evoca la negación de Pedro del espejo como una poderosa metáfora, exploramos las conexiones entre la narrativa bíblica (Lucas 22:54-71) y las creencias arraigadas en la comunidad de San Pedro. El fenómeno humano del reconocimiento de los pecados, el arrepentimiento y la evolución se destaca como un elemento central en la fiesta, simbolizado por el amanecer, la procesión de la remisión de los pecados y la alegría comunitaria expresada en la celebración. Examinamos la figura de Pedro, cuya narrativa trasciende la religiosidad para abarcar la condición humana de cometer errores, reconocer la falibilidad y buscar la mejora constante. Además, analizamos la dinámica entre el catolicismo popular y el oficial, destacando cómo ambos elementos fortalecen los lazos comunitarios y religiosos. La fiesta no es solo un evento religioso, sino una expresión viva de la identidad colectiva y la búsqueda espiritual compartida. Este estudio propone una visión profunda de la fiesta de San Pedro en Jurujuba como un fenómeno cultural complejo, arraigado en la tradición, pero dinámico en su capacidad de reflejar y dar forma a la identidad de la comunidad. El festival surge como un reflejo del viaje humano, donde la negación y el arrepentimiento se entrelazan con la celebración y la búsqueda incesante de una vida más plena en comunidad. En este contexto, el turismo religioso se destaca como la perspectiva de estudio, explorada a través de la organización comunitaria. Este enfoque permite un análisis más profundo de la interconexión entre los elementos espirituales y alegres, lo que hace de la fiesta religiosa una expresión rica y multifacética de la cultura local.

Palabras clave: turismo religioso, identidad comunitaria, simbolismo cultural.

INTRODUÇÃO

Este estudo visa compreender, através do festejo religioso, a estruturação dos vínculos comunitário para a implementação do turismo de base comunitária, uma vez que a comunidade vem apresentando sua vocação, não somente pelo festejo a São Pedro, mas por suas dinâmicas produtivas com viés pesqueiro, sua oferta gastronômica e seus vínculos comunitários, O estudo baseia-se no Turismo Religioso, explorando a festa religiosa como um evento que atrai visitantes, integrando aspectos de fé, cultura e tradição.. Identidade Comunitária: Reflete a análise da dinâmica entre o catolicismo popular e oficial como elementos que fortalecem os laços dentro da comunidade de Jurujuba. Simbolismo Cultural: Enfatiza a interpretação das práticas festivas como expressões simbólicas profundas, conectando a narrativa bíblica, a música popular e os rituais locais.

Jurujuba é um bairro localizado no município de Niterói, Rio de Janeiro, conhecido pela comunidade pesqueira tradicional que vive naquele lugar. O nome Jurujuba é de origem tupi, aîuruîuba que quer dizer jurus amarelos. A paisagem do bairro é caracterizada pela Baía de Guanabara, a Ponta do Cavalão, Morro do Pico, Morro da Viração, praias e várzeas com um fluxo movimentado de pescadores, incluindo as praias da Eva, de Adão e o Forte Rio Branco. [...] espaços sociais, resultantes das contínuas interações sociais, culturais, econômicas e políticas vivenciadas no cotidiano da sociedade" (Caxias & Vasconcelos, 2020, p. 355).

O bairro de Jurujuba é conhecido especialmente pelo movimento pesqueiro, pela paisagem geográfica e pela tradicional festa de São Pedro, que mobiliza a comunidade religiosa, momento em que, quase não se distingue um público do outro, pois o movimento do festejo é incorporado do cotidiano da comunidade que a participação e a espera pelo dia do festejo são feitas com alegria pelos moradores. Daí Claval assegurar que as pessoas no desenvolver das festas estão em um processo de troca com o outro, em especial pela “efervescência e a alegria da catarse coletiva”, esses sentimentos e sensação não é só pela necessidade de interação, mas também pela quebra cotidiana, pela “suspenção das regras da vida normal”, (Claval, 2014).

São Pedro é o santo venerado pelos pescadores, considerado seu padroeiro de acordo com a tradição cristã, que sugere que o santo, antes de ser apóstolo, era pescador. São Pedro tem seu nome vinculado a pesca e a chuva, momento em que os pescadores pedem proteção para retornarem aos seus lares e pedem boa pescaria. om base na Bíblia Sagrada, no livro de João (21:10), 'E Jesus lhe pediu: 'Trazei alguns dos peixes que acabastes de pegar.' E no versículo 11, Simão Pedro entrou no barco e arrastou a rede para a terra. Ela estava cheia, com cento e cinquenta e três grandes peixes. Mesmo com essa quantidade, a rede não se rompeu. Os pescadores tradicionais mantêm um contato constante com os fenômenos naturais, como a lua, as chuvas, o movimento do ar e a temporada de desova. Esses elementos são essenciais para a manutenção de suas vidas, compreendendo a ciclicidade da natureza e identificando o período e local adequados para uma pesca bem-sucedida”. A colônia de pescadores de Jurujuba está constantemente em um processo de resistência pela preservação do ofício de pescadores tradicionais, uma vez que a maestria da pesca é cada dia mais desvalorizada.

A arte da pesca tradicional é uma manifestação cultural que envolve diversos segmentos artísticos, além dos mencionados anteriormente, relacionados tanto às pessoas quanto à natureza. No quesito arte, estão alguns pontos importantes de mencionar, produção artesanal de redes, dos barcos, técnicas de coleta de caranguejo, mexilhões, camarões entre outros, que são habilidades herdadas de forma tradicional, (Caxias, 2017). Portanto o objetivo desse artigo é compreender por meio do festejo religioso, como se estrutura os vínculos comunitários para a implementação do turismo de base comunitária.

A Espiritualidade da Festa de São Pedro

As festas exercem um poder singular de atração e transformação no ambiente, deixando sua marca no cotidiano dos participantes. Essa influência torna-se ainda mais abrangente no contexto de uma festa religiosa popular, onde a deslumbrante paisagem de Jurujuba, por si só cativante, é enriquecida por detalhes festivos. A ornamentação se revela em bandeirinhas coloridas (Figura 1), barracas repletas de quitutes, barcos estrategicamente alinhados à espera de São Pedro para a procissão e a imponente Igreja de Nossa Senhora da Conceição e de São Pedro de Jurujuba, ricamente adornada para a grandiosa celebração de fé.


FIGURA 1
Paisagem de Jurujuba
Fonte: Rachel Dourado da Silva, 2023

A festa religiosa assume uma posição central na tradição da comunidade de Jurujuba, tornando-se uma parte intrínseca da sua organização comunitária. Essa celebração não apenas reflete a relação arraigada com o ofício da pesca, mas também incorpora elementos essenciais das esferas social, cultural, ambiental e religiosa, destacando, assim, a complexidade da organização social dessa comunidade. Com base em Caxias, 2018, p. 11: “A pesca foi uma atividade econômica local que se reproduziu socialmente durante anos. Segundo a tradição, a primeira procissão marítima que ocorreu apenas na enseada de Jurujuba foi em agradecimento a uma grande pesca de camarão, em 29 de junho de 1923”.

Isso evidencia claramente a profunda relação da comunidade com a pesca, fundamental para sua subsistência. A cultura, como manifestação das relações humanas, memórias e interações com a natureza, enraíza-se na paisagem, formando uma integração íntima entre pessoas e meio ambiente. Essas expressões culturais consolidam-se de maneira única, proporcionando à comunidade não apenas um maior vínculo e interação, mas também um profundo sentimento de pertencimento. De acordo com Mintz:

Cultura é uma propriedade humana ímpar, baseada em uma forma simbólica, relacionada ao tempo, de comunicação, vida social, e a qualidade cumulativa de interação humana, permitindo que as ideias, a tecnologia e a cultura material se “empilhem” no interior dos grupos humanos. (Mintz, 2009, p. 223)

A cultura, tanto material quanto imaterial, é a representação viva das relações das pessoas com o ambiente ao seu redor, refletindo os caminhos percorridos, os elos que conectam indivíduos e a expressão de suas vidas através de práticas, oralidade, trabalho, alimentação, construção, brincadeiras, vestimentas, entre outros. As festas desempenham um papel fundamental nessa representação cultural, proporcionando um momento em que as pessoas expressam sua alegria em compartilhar experiências.

A festa religiosa, em particular, incorpora essa diversidade cultural, fundindo a relação singular entre o momento de devoção, agradecimento, pedido e comoção, com o caráter festivo e popular, marcado por confraternização, gastronomia e celebração. Esse encontro de elementos torna a festa religiosa uma expressão rica e multifacetada da cultura, onde a espiritualidade e a alegria se entrelaçam de maneira única.

Os rituais desempenham um papel fundamental na dinâmica da festa de São Pedro em Jurujuba, sendo elementos centrais que dão forma à experiência religiosa e cultural da comunidade. Estes rituais não se limitam apenas às práticas dentro da igreja, mas estendem-se às atividades cotidianas dos moradores, incorporando gestos simbólicos, músicas tradicionais e outros elementos que fortalecem os laços comunitários. Além disso, a cultura popular, expressa por meio de manifestações artísticas, danças, e expressões culinárias específicas da região, desempenha um papel essencial nessa celebração, proporcionando uma experiência rica e única para os participantes.


FIGURA 2
Igreja de Jurujuba
Fonte: Rachel Dourado da Silva, 2023

A pequena igreja (Figura 2) personifica de maneira bela a ação comunitária em Jurujuba, caracterizada por sua modéstia e acolhimento. No seu interior, congregam-se não apenas católicos, mas também aqueles que, mesmo não sendo católicos, mantêm uma relação dialógica significativa com o Santo venerado. Fundada no século XIX pelos frades carmelitas, a igreja recebeu o nome dos santos em virtude da devoção que já permeava o local.

As diversas expressões culturais vivenciadas ao longo dos anos no território deixam sua marca na paisagem e no cotidiano das famílias. Essa igreja, além de ser um local de prática religiosa, torna-se um símbolo tangível da rica história cultural da comunidade, refletindo suas tradições, valores e a profunda conexão com a espiritualidade que transcende fronteiras confessionais.


FIGURA 3
São Pedro
Fonte: Rachel Dourado da Silva, 2023

A imagem de São Pedro (Figura 3) é uma representação barroca que retrata uma figura masculina aparentemente com idade entre 40 e 50 anos. Sua postura é ereta, com a cabeça levemente inclinada para provocar uma conexão visual com os devotos. O rosto é triangular, com características distintas, como uma barba e bigode pronunciados, e a cabeça é marcada por ser calva, transmitindo uma expressão serena. As mãos estão unidas abaixo do peito, o pescoço é longo, o corpo e as pernas estão cobertos, e os pés não são visíveis.

A indumentária de São Pedro consiste em uma túnica longa de cor marrom com detalhes em verde e vermelho. Seus atributos distintivos incluem as chaves, o galo que evoca o episódio da negação e o livro que simboliza seu papel evangelizador. As chaves são interpretadas pelos devotos como símbolo da conquista de uma casa própria, muitos recorrem a São Pedro para pedir ou agradecer a obtenção de moradia. Além disso, alguns devotos levam a chave de casa consigo ao procurar proteção para seu lar. O episódio do galo serve como um elemento de ligação entre o pecado e o perdão, proporcionando uma narrativa simbólica rica em significado espiritual para os fiéis.

A programação do festejo de São Pedro é marcada por uma multiplicidade de atividades que se estendem por vários dias. No dia dedicado a São Pedro, o festejo religioso tem início às 5h com a alvorada, seguida da primeira missa realizada no interior da igreja. Após a celebração, há uma pausa para o café, onde os participantes desfrutam da variedade de ofertas dispostas nas ruas de Jurujuba. Em seguida, ocorre outra missa, desta vez a campal, que atrai um maior número de participantes.

As atividades continuam com a procissão, na qual a imagem de São Pedro é carregada nos braços dos devotos e, posteriormente, levada em cortejo até o mar para a procissão marítima. Esse evento é o ponto ápice do festejo, especialmente após a entrada do santo no barco. Os devotos embarcam em diferentes barcos que seguem em procissão pela Baía de Guanabara. Durante essa jornada, muitos votos são feitos, sendo comum os devotos levarem as chaves de suas casas, solicitando proteção e um lar. Além disso, ocorre o cumprimento de promessas, embora a presença de ex-votos não seja tão massiva.


FIGURA 4
Barco de São Pedro
Fonte: Rachel Dourado da Silva, 2023

A representação pesqueira desempenha um papel simbólico significativo para a comunidade. Dentro da igreja, destaca-se um pequeno barco azul e branco (Figura 4), recordando as cores tradicionais dos marinheiros. Esse barco é decorado com bandeirinhas e luzes, e nele é representada a rede, simbolizando a abundância. Os devotos depositam seus pedidos, cartinhas e oferendas, incluindo dinheiro, como expressão de sua devoção durante o festejo.

A pesquisa baseou-se na observação e vivência do festejo, não envolvendo a coleta formal de depoimentos. No entanto, as pessoas naturalmente se aproximavam e compartilhavam suas experiências, muitas vezes emocionadas ao deixar seus votos. Um voto recorrente e significativo foi a oferta de chaves, representando não apenas a entrega simbólica, mas também o cumprimento de promessas, como a conquista de uma casa própria. Outros devotos optavam por deixar cartinhas como forma de agradecimento pelas graças alcançadas. Nesse contexto, as chaves, as cartas e o dinheiro emergem como expressões tangíveis de votos e ex-votos, revelando uma dinâmica onde alguns fazem pedidos enquanto outros expressam gratidão. Essa troca simbólica reforça a profundidade do vínculo entre a comunidade e São Pedro durante o festejo.

Turismo Comunitário na Comunidade Pesqueira e seu Poder de Atração

O turismo, amplamente reconhecido como uma oportunidade para gerar emprego e renda nas comunidades, tem sido promovido por meio de documentos, roteiros, planos e políticas públicas voltadas para a revitalização de patrimônios naturais, arquitetônicos e outros. As políticas de desenvolvimento têm, cada vez mais, focado no turismo como uma atividade estratégica.

O fenômeno do turismo não apenas busca impulsionar economicamente a comunidade receptora, visando à geração de empregos e renda, mas também serve como um mecanismo crucial para a preservação do patrimônio material e imaterial. Quando direcionado de forma comunitária, o turismo não apenas valoriza, mas também contribui para a sustentabilidade dessas comunidades em suas territorialidades. A interação entre o turismo e a comunidade pesqueira não só enriquece a experiência do visitante, mas também promove a salvaguarda e o fortalecimento das tradições e identidade locais.

Culturalmente ricas: O Papel das comunidades na atração turística

As comunidades são verdadeiros tesouros de diversidade cultural. De acordo com Hall (2006), a cultura é uma riqueza de manifestações humanas, sendo essa diversidade um poderoso motivador para pessoas de diferentes lugares que buscam explorar, vivenciar e compreender costumes, estilos de vida e perspectivas de mundo distintas das suas.

O uso diário dessas expressões culturais pela população em seus espaços agrega um valor singular ao destino turístico. Quando incorporados ao planejamento turístico, esses aspectos únicos da comunidade receptora potencializam a experiência do visitante. A valorização das diversas manifestações locais não apenas enriquece a jornada do turista, mas também fortalece a identidade cultural da comunidade, transformando-a em um ponto de atração turística autêntico e cativante. Esse intercâmbio cultural beneficia tanto os visitantes quanto os membros da comunidade, promovendo uma troca enriquecedora de conhecimento e apreciação mútua.

Organização Comunitária: Preservando Valores e Territorialidades

A organização comunitária desempenha um papel fundamental na preservação dos valores, territorialidade e dinâmicas produtivas das comunidades. A implementação de projetos estruturantes sem a participação ativa da comunidade pode acarretar diversos desafios. Muitas revitalizações, embora busquem melhorar atrativos, frequentemente falham em incorporar a verdadeira essência da comunidade local.

Em alguns casos, essas revitalizações podem até resultar em impactos negativos, incluindo a possível expulsão da comunidade que tradicionalmente utiliza o patrimônio ou a utilização desordenada do espaço. Isso ocorre quando os planos de revitalização não incluem estratégias de interpretação e continuidade das atividades locais. É essencial que qualquer intervenção leve em consideração não apenas a infraestrutura, mas também os aspectos culturais, sociais e econômicos, assegurando uma abordagem integrada que respeite e promova a autenticidade da comunidade. A inclusão ativa da comunidade na gestão desses processos é crucial para garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento turístico e a salvaguarda da identidade local.

Turismo: Potencializando ou Deteriorando comunidades?

O turismo, quando liderado e organizado pela própria comunidade, conforme preconizado por estudiosos da área, tem o poder de potencializar elementos característicos, fortalecendo o sentido de comunidade e a identidade cultural. No entanto, quando conduzido por agentes externos, sem considerações para reduzir impactos, pode resultar em prejuízos significativos. Características culturais podem ser perdidas, sentimento de insegurança e aversão ao estranho podem surgir, e a visita de turistas pode até mesmo desencadear processos como gentrificação ou a elevação de preços de produtos cotidianos, forçando os moradores a buscar novos espaços que preservem sua essência cultural ou meios de subsistência.

Em Jurujuba, o turismo de base comunitária já está em prática, com membros da comunidade desempenhando papéis ativos na interpretação ambiental e cultural. Isso evidencia uma organização comunitária voltada para o turismo, proporcionando um enriquecimento das atividades cotidianas sem grandes perdas nos ofícios tradicionais. Essa abordagem não apenas amplia a oferta turística, mas também cria uma experiência autêntica para os visitantes.

O turismo gradualmente se integra ao cotidiano dos residentes, com metas estabelecidas por diferentes níveis governamentais no Brasil, buscando viabilizar projetos turísticos alinhados à política nacional do turismo. Essa integração cuidadosa e participativa é fundamental para garantir que o turismo beneficie a comunidade local, ao mesmo tempo em que fortalece sua identidade e valores fundamentais, Na visão de Dias (2003), “O setor público e os órgãos de financiamento nacionais e internacionais têm assumido um importante papel concedendo uma série de estímulos diretos e indiretos com o objetivo de promover o desenvolvimento nas regiões menos desenvolvidas do país (2003, p. 84)”.

O turismo, quando abraçado como uma ferramenta para o desenvolvimento comunitário, pode trazer benefícios duradouros. A prática de turismo de base comunitária em Jurujuba demonstra a capacidade da comunidade de integrar suas atividades cotidianas ao contexto turístico, proporcionando uma experiência autêntica para os visitantes. Essa abordagem não apenas enriquece a oferta turística, mas também as tradições locais e as dinâmicas produtivas.

É crucial que o turismo seja implementado de forma sustentável, envolvendo os residentes de forma ativa e participativa. O envolvimento da comunidade não só fortalece o senso de pertencimento, mas também assegura que o turismo seja uma força positiva, minimizando impactos negativos.

Os esforços coordenados entre governos federais, estaduais e municipais são essenciais para estabelecer metas e diretrizes que incentivem o turismo sustentável. Isso inclui a promoção de práticas que respeitem a autenticidade da comunidade, protejam o meio ambiente e beneficiem diretamente os residentes.

Em Jurujuba, a gradual introdução do turismo no cotidiano da comunidade destaca a necessidade de um planejamento cuidadoso e de estratégias que priorizem a participação ativa dos moradores. A busca por um equilíbrio entre o desenvolvimento turístico e a e o fortalecimento comunitário é fundamental para garantir que a riqueza da comunidade seja valorizada e mantida ao longo do tempo. O turismo, quando guiado por princípios de sustentabilidade e participação comunitária, tem o potencial de se tornar um catalisador para um desenvolvimento harmonioso e benéfico para todos.

Desafios e oportunidades na integração do turismo comunitário: Uma perspectiva para Jurujuba

A visão amplamente difundida do turismo como uma oportunidade para gerar emprego e renda tem levado os governos a desenvolverem planos de revitalização de diversos patrimônios, incluindo parques naturais e arquitetônicos. As políticas de desenvolvimento priorizam o turismo como uma atividade econômica, buscando benefícios financeiros para as comunidades receptoras. No entanto, há desafios consideráveis na implementação dessas políticas, com ênfase muitas vezes centrada no potencial econômico, em detrimento da valorização e permanência da comunidade local e sua cultura.

Diversidade cultural é um dos tesouros das comunidades. Segundo Hall (2006), a cultura é a manifestação da diversidade humana, motivando as pessoas a explorar costumes, modos de vida e perspectivas diferentes. A integração do uso cotidiano da população em espaços turísticos agrega valor ao destino, especialmente quando há um plano de uso turístico mediado por profissionais qualificados e com a comunidade local no centro da organização. Isso reconhece a potencialidade local, valoriza manifestações culturais diversas e fortalece a experiência do visitante.

Em Jurujuba, a atividade interpretativa da paisagem impulsiona o movimento de visitantes para a Festa de São Pedro, fortalecendo as cadeias econômicas comunitárias. Um roteiro interpretativo pode apresentar a forma de vida local, promovendo educação ambiental e diversidade cultural, contribuindo para a microeconomia com foco na organização comunitária.

O turismo, quando liderado pela comunidade com orientação pública, pode revitalizar a atividade pesqueira tradicional e melhorar a qualidade marinha. A gestão participativa, envolvendo 70% de residentes em um grupo gestor, é essencial para evitar expulsões e garantir que as revitalizações respeitem a essência da comunidade, incluindo planos de interpretação e continuidade das atividades locais. Essa abordagem integrada é vital para garantir que o turismo beneficie verdadeiramente a comunidade e promova o desenvolvimento sustentável.


FIGURA 5
Procissão terrestre
Fonte: Rachel Dourado da Silva, 2023

Comunidade no centro: Preservando Identidade e fortalecendo a vida comunitária

A ausência da comunidade no processo de formatação de atividades turísticas muitas vezes leva ao fracasso de empreendimentos, pois a verdadeira essência de uma localidade reside no cotidiano e na participação ativa daqueles que a compõem. Inúmeros casos ilustram empreendimentos que não avançaram por não terem a comunidade como peça fundamental.

Ao desenvolver atividades turísticas sem a participação efetiva da comunidade, há riscos significativos, como a perda das características culturais em prol de revitalizações paisagísticas. O foco excessivo em tornar um local um cartão postal muitas vezes ignora a autenticidade do cotidiano, resultando em projetos que falham em capturar a verdadeira essência do lugar. Além disso, existe o perigo da gentrificação, onde a comunidade local, que originalmente fazia uso cotidiano do espaço, é empurrada para fora por não encontrar mais sua identidade no ambiente transformado.

O turismo de base comunitária em Jurujuba apresenta uma forte vocação para o ambiental/cultural, constituindo uma alternativa valiosa para as comunidades locais. No entanto, é imperativo um maior empenho por meio de políticas públicas para fortalecer os agentes comunitários no processo de revitalização, evitando grandes perdas e proporcionando uma experiência autêntica para os visitantes. As ofertas turísticas devem ser direcionadas às atividades econômicas já existentes na localidade, como a pescaria artesanal, a produção artesanal de insumos para pesca, passeios de barcos, observação do patrimônio natural e circuitos que destacam a rica história da região, como o circuito dos fortes e o circuito da vila dos pescadores. A pesca artesanal e a preparação de pratos típicos também representam oportunidades valiosas a serem exploradas.

Um Outro Turismo é Possível: O caminho da comunidade para o fortalecimento sustentável

A dimensão espiritual, centrada na devoção a São Pedro, emerge como um catalisador significativo para uma atividade turística com propósitos mais sustentáveis. A Festa de São Pedro em Jurujuba, um evento religioso popular, não apenas atrai visitantes e curiosos em seu dia festivo, mas também oferece uma experiência imersiva na autenticidade da comunidade pesqueira do bairro em outros dias. A gastronomia local, destacando produtos pesqueiros como mariscos, assume papel de destaque nos restaurantes locais, tornando-se um atrativo adicional para os visitantes.

O debate sobre "Um Outro Turismo é Possível" ganhou destaque no Fórum Social Mundial em 2003 e posteriormente em 2005, explorando os problemas associados ao turismo convencional, como a instalação de grandes empreendimentos, exclusão das comunidades locais e impactos ambientais negativos. O questionamento crucial era: é possível construir um modelo de turismo mais sustentável?

Muitos indicadores apontaram que a ausência de planejamento, envolvendo profissionais qualificados e estudos multidisciplinares, juntamente com a falta de participação da comunidade local, era central para o fracasso de muitas atividades turísticas. A alternativa que ganhou destaque foi o Turismo de Base Comunitária, uma abordagem semelhante ao que já acontecia em comunidades de florestas, voltadas não apenas para o atendimento de turistas, mas também para estratégias de sobrevivência, organização de produção, coleta e escoamento.

O Turismo de Base Comunitária oferece à comunidade a oportunidade de se estruturar de forma coletiva, estabelecendo diretrizes e regras de ação para fortalecer o coletivo. Essa abordagem facilita o incremento econômico, pois prioriza a organização comunitária e o fortalecimento das cadeias produtivas locais. Neste contexto, o turismo atua como um complemento às atividades cotidianas, não assumindo o papel central, mas contribuindo para o desenvolvimento sustentável da comunidade.

Outros Caminhos Possíveis: Dinâmicas Identitárias e Desenvolvimento Comunitário em Jurujuba

O festejo de São Pedro em Jurujuba reflete processos identitários contemporâneos, abordando as culturas híbridas e identidades locais. Nesse contexto dinâmico, as teorias de Hall (2006) e Canclini (2008) destacam a fluidez das identidades, superando concepções estáticas e explorando as relações em constante transformação entre culturas, pessoas e a natureza circundante.

A comunidade de Jurujuba, enraizada em sua atividade pesqueira, moldada pelas montanhas que compõem sua paisagem, tem uma base histórica de subsistência na pesca tradicional. Dialogando com os processos históricos sincréticos das referências culturais dos povos originários, africanos e europeus, Jurujuba construiu novas práticas de devoção, incorporando santos canonizados, como São Pedro. Este santo representa não apenas o ofício da comunidade, mas também um novo significado que emerge da convivência e convergência de experiências culturais.

O turismo de base comunitária em Jurujuba não apenas fortalece os laços comunitários, mas também impulsiona melhorias na qualidade de vida. Além de contribuir para o desenvolvimento de infraestrutura básica, saúde, educação, lazer e segurança, essa forma de turismo é implementada de maneira planejada, considerando a redução dos impactos ambientais. A identidade pesqueira é fortalecida, e os produtos e atividades cotidianas integram-se à oferta turística, priorizando o atendimento às necessidades da comunidade antes de atender ao turista.

A perspectiva de turismo de base comunitária não apenas como uma atividade econômica, mas como um meio de fortalecer laços, preservar identidades locais e promover o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação, demonstra que, em Jurujuba, outros caminhos possíveis estão sendo trilhados para um futuro sustentável e integrado.

Considerações: O Fortalecimento da Comunidade e os Caminhos Possíveis

A dimensão espiritual da festa de São Pedro em Jurujuba é marcada pela devoção, especialmente evidenciada nas procissões terrestres e marítimas, que constituem o cerne da celebração. Além da conexão humana com a natureza, o caráter sobrenatural, atribuído aos milagres ligados à santidade de Pedro, exerce uma forte atração.

O Turismo de Base Comunitária, gradualmente estruturado pela comunidade pesqueira, é impulsionado pela atratividade do ofício da pesca e maricultura. Residentes de diversas localidades têm sido atraídos, ampliando e aprimorando as embarcações para atuar tanto na pesca quanto no turismo, como uma alternativa de complementar a renda.

A pergunta sobre a viabilidade de "um outro turismo" encontra uma resposta afirmativa, destacando casos pelo Brasil e no mundo onde a organização comunitária tem sido crucial para a manutenção de terras, tradições, ofícios e identidades. Essas comunidades defendem um turismo de boas práticas, priorizando a qualidade de vida e o bem-estar comunitário antes da atração de visitantes, resistindo aos padrões excludentes do capitalismo.

Os caminhos possíveis para essas comunidades incluem o fortalecimento das atividades produtivas locais como primeiro passo. Quando a comunidade se organiza e participa ativamente das decisões municipais, surge um caminho para melhorias coletivas. O festejo de São Pedro em Jurujuba é uma representação vívida desse poder de fortalecimento comunitário, onde comunidade, instituições e gestão pública se unem na busca por um espaço melhor para todos que vivem o cotidiano desses lugares.

Assim, Jurujuba não apenas celebra São Pedro, mas também celebra a resiliência, a identidade comunitária e a capacidade de construir caminhos alternativos para um turismo mais sustentável e integrado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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