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(Des)integração Social: uma análise da inserção urbana de empreendimento MCMV em Porto Velho – RO
Social (Dis)integration: an analysis of the urban insertion of an MCMV project in Porto Velho – RO
Revista Presença Geográfica, vol. 10, núm. 2, 2023
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Revista Presença Geográfica
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil
ISSN-e: 2446-6646
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 10, núm. 2, 2023

Recepção: 13 Fevereiro 2023

Aprovação: 27 Abril 2023

Resumo: O Estado de Rondônia, teve seu processo de ocupação e desenvolvimento balizado principalmente por ciclos extrativistas, gerando uma oscilação econômica e populacional. A ocupação urbana das cidades da Amazônia nesses períodos intensificava-se em decorrência das políticas de desenvolvimento, que incentivavam a colonização da região e em investimentos de infraestrutura, ocasionando um adensamento populacional. Os impactos ocasionados pelo recente ciclo econômico proporcionado pelas implantação das usinas do madeira, sob a tutela do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a capital Porto Velho passa por uma intensa transformação espacial e um inchaço populacional significativo. Este trabalho busca avaliar, através da aplicação da Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana, uma metodologia especifica para os empreendimentos de faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida, até que ponto a implantação do Residencial Cristal da Calama em Porto Velho, têm influenciado na qualidade de vida dos beneficiários, considerando as condições de inserção urbana oferecidas pela nova localização e concentrando as análises focadas em mobilidade urbana, no uso do solo e ao nível de acesso dos serviços públicos e urbanos. Através das análises dos indicadores, estudos, e elaboração de mapeamentos, o resultado foi negativo, trazendo para discussão a forma em que as políticas habitacionais e suas diretrizes, processam a implantação e da escolha ideal da localização dos empreendimentos.

Palavras-chave: Mobilidade Urbana, Uso do Solo, Políticas Habitacionais.

Resumen: El estado de Rondônia tuvo su proceso de ocupación y desarrollo guiado principalmente por ciclos extractivos, generando una oscilación económica y poblacional. La ocupación urbana de las ciudades de la Amazonía en estos períodos se intensificó como resultado de las políticas de desarrollo, que fomentaron la colonización de la región y en las inversiones en infraestructura, provocando una densidad de población. Los impactos provocados por el reciente ciclo económico proporcionado por la implantación de las fábricas de madera, bajo la tutela del Programa de Aceleración del Crecimiento (PAC), la capital Porto Velho está experimentando una intensa transformación espacial y un importante aumento de población. Este trabajo busca evaluar, mediante la aplicación de la Herramienta de Evaluación de Inserción Urbana, una metodología específica para los proyectos de 1er nivel del Programa Minha Casa Minha Vida, en qué medida la implementación del Residencial Cristal da Calama en Porto Velho ha influido en la calidad de vida de los beneficiarios, considerando las condiciones de inserción urbana que ofrece la nueva ubicación y concentrando los análisis centrados en la movilidad urbana, el uso del suelo y el nivel de acceso a los servicios públicos y urbanos. A través del análisis de indicadores, estudios y elaboración de mapas, el resultado fue negativo, trayendo a discusión la forma en que las políticas de vivienda y sus lineamientos procesan la implementación y la elección ideal de la ubicación de los proyectos.

Palabras clave: Movilidad Urbana, Ordenamiento Territorial, Políticas de Vivienda.

INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do século XX houve um intenso processo de urbanização no Brasil com dinâmicas políticas articuladas no plano mundial, que ditaram um novo ritmo marcado pelo avanço da industrialização, que com altas expectativas e com grande possibilidade de modernização intensificaram rupturas políticas de um país até então predominantemente rural. Estes impactos impulsionaram uma violenta transformação espacial, sob a visão capitalista, a produção do espaço urbano tornou-se um produto e deste a valorização da terra urbana.

E este processo que conecta o desenvolvimento capitalista à urbanização influenciou diretamente na redefinição das relações sociais intraurbanas, materializadas pela segregação. Todo este período desenvolvimentista não foi acompanhado por uma política de Estado robusta o suficiente para equilibrar o agravamento dos problemas sociais. Época em que a maioria da população não possuía diretrizes claras que garantissem o pleno direito à cidade, assim como o direito à moradia adequada.

Ter o território predominantemente urbano trouxe para o pensamento geográfico uma expansão teórica que estabeleceu novos paradigmas, a noção de totalidade do espaço passou a ser preeminente à medida que este fenômeno alterou significamente a paisagem urbana e provocou impactos em suas diferentes escalas (SANTOS, 1988). As cidades centrais possuem uma interlocução muito mais afinada ao dinamismo mundial do que outrora. Porém, é internamente que os problemas urbanos e sociais são mais perceptíveis, as ações do poder público que se articulam aos interesses do poder privado fragmentam e aprofundam a segregação socioespacial (CARLOS, 2015) e estas transformações passaram a ser pano de fundo para se compreender a urbanização contemporânea.

O que reflete também na atual política pública de habitação em massa no país, que se sustenta em um cenário de problemas sociais e econômicos ainda não superados, que desencadeiam no espaço urbano crescentes demandas de restruturações e de pressões políticas, na busca de soluções emergenciais e mecanismos que visam mitigar deficiências da desigualdade do espaço urbano (VILLAÇA, 2012).

Cenário que desconfigura o espaço urbano, seja pela necessidade de infraestrutura urbana, a partir de implantação de empreendimentos habitacionais, promovidos pelo poder público e privado; seja pelas intervenções fundiárias e ambientais, relacionadas à produção da autoconstrução de moradias como forma alternativa de produção da população de baixa renda em regiões periféricas nas cidades.

Somente a partir da redemocratização, o país passou a lograr reformulações em decorrência de avanços no debate público com a população mais carente, além de intensas movimentações populacionais que resultaram em diretrizes e legislações específicas consorciadas à política urbana, à criação de programas de construção de moradias, à moradia adequada e ao saneamento básico. Porém, posteriormente, tais cadeiras se tornaram instrumentos e ferramentas políticas, que mesmo sendo inicialmente lideradas por secretarias especializadas, foram cada vez mais fragmentadas e sucateadas às intenções políticas, o que enfraqueceu os objetivos primários relacionados ao déficit habitacional e às melhorias urbanas (ROLNIK, 2015).

Estas políticas urbanas foram objetivadas por meio da Lei n.º 10.257/2001 que denominou-se de Estatuto da Cidade, regulamentado pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, tendo como objetivo o ordenamento territorial, a fim de reverter o cenário drástico da segregação espacial em grande parte das cidades brasileiras, além de diversas mazelas que compactuam com o surgimento destes espaços segregados.

Em 2007 surgiu uma nova política de expansão econômica no país, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde então o Governo Federal tem implementado investimentos em infraestrutura, mas foi a partir de 2009 que houve um novo marco na política pública de habitação, a criação do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que mobilizou recursos em massa para combater o crescente déficit habitacional, que em 2009 representava 10,4% do total de domicílios, cerca de 6.143 milhões de unidades (PNAD, 2009).

Todavia, em 2008 estourou uma crise hipotecária nos Estados Unidos, forte cenário de crise, que impulsionou a cúpula empresarial do setor imobiliário e da construção civil a pressionar o governo a agir. Justamente neste contexto de crise que surgiu o Programa Minha Casa Minha Vida, aquilo que primeiramente era uma proposta prioritária e direta ao combate do déficit habitacional passou a ser um pacote econômico, estratégico, anticíclico, o que levou “o governo acolher a proposta do setor da construção civil, apostando no potencial econômico da produção de habitação em massa” (AMORE et al., 2015, p. 16).

Garantir o acesso da população de baixa renda à moradia é essencial para atender às necessidades dos grupos sociais mais vulneráveis. Pensar em políticas habitacionais efetivas, heterogêneas e sustentáveis é fundamental para possibilitar a integração e a inclusão destes indivíduos em todas as relações que a vivência urbana oferece. Assim, passou a ser imprescindível lançar um olhar crítico para a atual política de construção de habitação social em massa no país, arraigado por um modus operandi voltado para construção civil, que sombreou os problemas sociais existentes e fez emergir um crescente processo de valorização da terra urbana, altamente nocivo aos princípios do Direito à Cidade e do Direito à Moradia Adequada.

Na região Amazônica, a política de ocupação foi conduzida por meio de “grandes objetos”, o que Saint-Clair (2010) define como “cidades na floresta”, aquelas cujo processo de ocupação e desenvolvimento demandam articulações externas à região, com pouca integração em relação aos novos valores da vida urbana. Este aparelho moderno, tecnicista e perigoso sob a perspectiva ambiental, como estratégia principal de ocupação, se tornou a arma elementar para a geopolítica aplicada à Amazônia, centrado pelo poder nacional e por ciclos econômicos, que por influentes estratégias governamentais provocaram diversos projetos de ocupações aceleradas na região (BECKER, 2001).

O mesmo aspecto prevaleceu no território do Estado de Rondônia, tendo seu processo de ocupação e desenvolvimento conduzido principalmente por ciclos extrativistas (borracha e minérios). E a partir da década de 1970 intensificou-se o início de uma política de colonização agrícola, em que houve modificações estruturantes e significativas no uso do território, que pactuou com o início da hegemonia da agropecuária no estado (ALMEIDA SILVA, 2012; 2014).

Estas políticas de desenvolvimento, que incentivaram a colonização da região e fomentaram investimentos, ocasionaram um adensamento populacional, que entre estes ciclos econômicos alterava a geografia das terras urbanas de Porto Velho e região e a tornou uma cidade de “passagem”, de “travessias”, composta por um mosaico espaço-tempo multitemporal e multiespacial (COSTA; CONCEIÇÃO, 2016).

De acordo com a Relatoria Nacional do Direito à Moradia e à Terra Urbana em Porto Velho, realizada em 2004, a cidade já apontava deficiências graves na aplicação do direito à moradia adequada no município, como consequência do crescimento desordenado. As zonas periféricas, casas insalubres, sem infraestrutura, como resultado de ocupação em áreas vazias, a deficiência ou a falta de políticas públicas habitacionais empurraram a população “ladeira abaixo”, acarretando diversos problemas sociais, falta de acesso ao transporte, à educação, à saúde e serviços públicos (SAULE; CARDOSO, 2005).

Sob a tutela do PAC teve início a construção de duas hidrelétricas, de Jirau e de Santo Antônio, ambas no rio Madeira, que ocorreu no período de 2008-2016, que dada as suas proporções tiveram impactos significativos na região, seja pelo viés ambiental, social ou econômico. Deste modo, a capital e boa parte da sua extensão territorial — incluindo distritos e comunidades ribeirinhas e indígenas — passaram por uma intensa transformação espacial. Uma delas foi a crescente expectativa de milhares de empregos gerados pelos consórcios, que desenvolveu um intenso processo migratório na região.

A pressão para suprir as demandas habitacionais e melhorias de infraestrutura urbana corrobora uma relevância significativa para implementação de grandes conjuntos habitacionais de interesses sociais em Porto Velho. Nesta perspectiva, existem três empreendimentos habitacionais do Minha Casa Minha Vida em Porto Velho destinados às pessoas com renda mensal de até R$ 1.600,00 (Faixa 1), que tomam seu lugar de destaque, o Cristal da Calama, Orgulho do Madeira e Morar Melhor. Primeiro ponto, devido às grandes proporções, juntos somam um total de 9.453 unidades habitacionais, que equivalem a 47.265 pessoas; segundo ponto, a localização, todos estão situados em zonas periféricas, com pouca infraestrutura e em bairros que possuem alto índice de vulnerabilidade social.

Desta maneira, se faz necessário compreender os principais aspectos positivos e/ou negativos do cenário das políticas públicas de habitação e seus reflexos sociais em Porto Velho e até que ponto a implantação destes empreendimentos habitacionais MCMV tem influenciado na qualidade de vida dos beneficiários, mediante às condições da inserção urbana oferecidas pela nova localização, sob o ponto de vista da mobilidade urbana, integração com o entorno e o desenho urbano, como princípio da efetivação do direito à cidade.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O Programa Minha Casa Minha Vida foi instituído pela Medida Provisória n.º 459, de 25 de março de 2009, convertida na Lei 11.977 de 7 de julho de 2009. Houve diversas alterações legais das condições de financiamento, regulamento dos fundos e regularização fundiária que dão suporte ao PMCMV, destaca-se também a Lei 11.124/2005 que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) (BRASIL, 2009).

O PMCMV é a principal política de atendimento às necessidades habitacionais, especialmente para o público de menor renda. Com mais de 6 milhões de unidades habitacionais (UHs) contratadas entre 2009 e 2020, o programa estimulou a produção habitacional mediante injeção de mais de R$ 223,2 bilhões de reais, a preços de 2019, entre subsídios públicos (BRASIL, 2020).

A definição da escolha do empreendimento Minha Casa Minha Vida Cristal da Calama I e II se deu principalmente por quatro princípios. O primeiro pelo porte, mais de 2.900 unidades habitacionais, totalizando uma população de 14.700 pessoas. Segundo ponto foi pela localização (Figura 1), localizado em uma área perirubana, zona leste da capital, em observação as características distintas de localização e porte, bem como os diversos impactos no tecido urbano e as variações de conectividade em relação à cidade.


FIGURA 1
Localização do empreendimento habitacional Cristal da Calama I e II
Fonte: Google Earth Pro. Adaptado pelo autor

Terceiro, pelo perfil dos moradores, todos são Faixa 1, ou seja, são famílias com renda mensal de até R$ 1.800,00, onde programa tem capacidade de custear até 90% do imóvel para os beneficiários. Neste cenário, trazendo relevância para as análises e resultados, no intuito de qualificar os impactos que podem ocasionar as famílias de baixa renda e seu modo de viver frente à mudança da moradia em relação à moradia anterior.

E, por fim, a tipologia. É padrão dentro do PMCMV existir dois tipos: casa e apartamento. O conjunto Cristal da Calama é do tipo casa, onde apresenta algumas particularidades em sua implantação, escala e inserção aurbana. São variáveis importantes para se analisar, principalmente em relação ao desenho urbano e sua integração com o entorno imediato. É um dos conjuntos de habitação de interesse social mais relevantes do Estadom, se estabeleceu com instrumento importante de reassentamentos familiares, como consequências de impactos socioambientais nas últimas décadas, ocasionados pelas instalações das usinas do madeira e pela cheia história do madeira entre 2013 e 2014. Neste contexto, centenas de milhares de famílias foram deslocadas para estes empreendimentos existentes, o que pode gerar impactos significativos no modo de vida destes beneficiários.

A partir das características socioeconômicas dos moradores dos empreendimentos definidos revela-se uma regularidade proveniente de sua posição social. Chama atenção a quantidade de mulheres chefes de família, juntas somam 1.799 (SEAS, 2020), cenário que apresenta uma característica de vulnerabilidade social. De acordo com Pinto et al. (2011), para as mulheres chefes de família, que além de serem provedoras assumem funções domésticas e cuidado com os filhos (que implica em dificuldades para o acesso ao trabalho, geralmente mal remunerados em tempo parcial ou intermitente), a subsistência da própria família e o acesso aos serviços públicos podem ser mais complicados.

Relativamente à renda dos moradores, é homogênea, em geral a média familiar é equivalente a 79% do salário mínimo (base 2022), o que revela uma preocupação significativa no que tange à possibilidade no aumento de custo de deslocamento (transporte público e privado) em que as famílias são submetidas ao estarem inseridas em localidades mais distantes da cidade. Portanto, se a inserção urbana do empreendimento dificultar o acesso aos serviços básicos relacionados à educação, à saúde e à segurança, pode ser um agravante importante a ser considerado, por outro lado denota o cumprimento social das demandas na adequação habitacional para a população mais vulnerável de Porto Velho.

A pesquisa tem como um dos focos avaliar o nível de acessibilidade e desenho urbano que proporcione e/ou incentive o uso do deslocamento a pé e por uso de transporte coletivo. Neste contexto, o quantitativo de pessoas com deficiência é de 536, e idosos com cerca de 1.020 pessoas. Identificar estes elementos é peça fundamental para a integração destas pessoas nas oportunidades da vida urbana e sua relação com o entorno. Isto apresenta mais uma característica de vulnerabilidade social.

A mobilidade urbana é um dos pontos fundamentais para esta pesquisa e, para além da localização do empreendimento, analisar a oferta de equipamentos e serviços nos arredores do residencial torna-se imprescindível para identificar o nível da qualidade de vida dos moradores e do cumprimento efetivo do direito à cidade, ou seja, acesso através de distâncias confortáveis, sem a exigência de veículo próprio, aos serviços e bens considerados essenciais à vida urbana.

Nota-se que a provisão da moradia para esta parcela da população se fez extremamente necessário em casos complexos, ocasionados pelos deslocamentos e reassentamentos atribuídos a desastres naturais. Evidencia-se uma situação financeira, que qualquer tipo de variação de custos de transporte e de moradia pode ter impactos significativos para os moradores. Identificar e qualificar a inserção urbana destes empreendimentos pode ser fundamental para gerar ações de políticas públicas para amenizar possíveis enfrentamentos de impactos sociais e econômicos dos beneficiários.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia proposta pela “Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana” (IDTP, 2013) foi desenvolvida para avaliar empreendimentos habitacionais do Minha Casa Minha Vida pela perspectiva urbanística, fornece parâmetros para avaliar a localização, integração com o entorno e o desenho urbano, com o intuito de definir critérios urbanísticos para garantir que espaços públicos promovam a sociabilidade, circulação confortável dos pedestres e pleno acesso ao transporte público e a equipamentos, comércio, serviços e a outras atividades essenciais à vida urbana (ITDP, 2014, p. 3).

A ferramenta possui três eixos de importância: primeiro é avaliar as condições urbanas e fundiária antes da implantação; segundo é auxiliar os gestores públicos a avaliar antecipadamente se um determinado projeto tem condições de urbanidade para os futuros beneficiários; e por último identificar até onde cada empreendimento contribui para agravar o quadro de segregação socioespacial das cidades brasileiras.

A metodologia é dividida em três temas: transporte, oferta de equipamentos e serviços e desenho e integração urbana; e nove indicadores: opções e frequências de transporte, usos cotidianos, usos eventuais e esporádicos, relação com o entorno, tamanho das quadras, abertura para os espaços públicos e circulação de pedestres.

De acordo com a IDTP (2013), os critérios de escolhas dos indicadores são balizados por oito princípios: 1º. caminhar – planejamento urbano que estimula os moradores a andarem a pé, com rotas próximas e acessíveis; 2º. cicloviário – priorizar uso de bicicleta, analisando a existência de rotas de ciclovias, e se são seguras e completas; 3º. conexão – rede de ruas e vias que ofereçam diversas possibilidades de trajetos a vários destinos, seja a pé, de bicicleta, transporte coletivo entre outros modais; 4º. transporte público – neste caso o maior uso do transporte público coletivo imprime um papel importante à essência da mobilidade urbana eficiente e equitativa, que dá suporte a áreas densas e compactas do desenvolvimento urbano; 5º. análise da inserção urbana – em que prevalece a verificação da diversidade da tipologia comercial, residencial e local de trabalho na mesma região, o que favorece uma maior vitalidade urbana; 6º. adensar – o aspecto do adensamento visa analisar se o espaço urbano está orientando a verticalização ou dispersão, que impacta diretamente na eficiência do transporte público, segurança e acessibilidade da população; 7º. compactar – com objetivo de entender a integração espacial por meio de uma boa conectividade de pedestres e ciclistas e de orientação às estações de transporte, bairros compactos significam maior integração entre as malhas e maior proximidade aos serviços públicos e privados; 8º. a diminuição do uso do transporte individual motorizado – de modo a priorizar o transporte coletivo, viagens a pé, bicicleta e entre outros modais, que amenizam a oferta de espaços destinados especificamente para veículos, além da diminuição da quantidade nos trajetos casa- trabalho-casa.

Deste modo, a metodologia “Ferramenta para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida” foi desenvolvida pelo Laboratório de Direito à Cidade e Espaços Públicos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade - FAU/USP), em conjunto com uma rede nacional formada por onze instituições de pesquisa, que são: Instituto Pólis, Peabiru, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP-São Carlos), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Federal do Pará (UFPA) (LABCIDADE, 2014) em parceria com o Institute for Transportation e Development Policy (IDTP), que subsidiou a formulação dos indicadores relacionada às questões de entorno e mobilidade urbana, conforme os princípios supracitados.

Ela é dividida em três temas e nove indicadores que possuem as seguintes qualificações: Bom, Aceitável ou Insuficiente. Para que um empreendimento receba um resultado satisfatório para a qualidade urbana de sua inserção, todos os critérios deverão ser no mínimo aceitáveis. Caso contrário, determinado projeto seria descartado para revisão dos critérios reprovados. Esta avaliação terá o objetivo de analisar a inserção urbana pós-ocupação e assim identificar o nível de qualidade da implantação do empreendimento e sua conexão com a cidade. E, desta maneira, compreender se o conjunto habitacional, para além da moradia, atendeu condições básicas da sociabilidade, acessibilidade, mobilidade urbana e do direito à cidade.

Os parâmetros para a aplicação da metodologia, em alguns indicadores, foram ajustados para o porte populacional que se encontra a cidade de Porto Velho, estimado em 2021 em 548.952 pessoas (IBGE, 2021), conforme o Caderno de Referências e Parâmetros para Qualificação da Inserção Urbana, elaborado pelo Ministério das Cidades (MCidades), Secretaria Nacional de Habitação (SNH), em parecia com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) (BRASIL, 2012).

Para se chegar à determinada qualificação, cada indicador tem (1) a descrição de seus objetivos, (2) o detalhamento de seus parâmetros com as instruções de como devem ser medidos, (3) orientações sobre a aplicação da metodologia, (4) orientações pertinentes à medição dos indicadores, (5) indicativos do que pode ser alterado no projeto do empreendimento ou que investimento adicional deve ser feito para qualificar o projeto do ponto de vista de sua inserção urbana (ROLNIK, 2012).

No Tema 1, Transporte, os indicadores têm como objetivo avaliar como o empreendimento se relaciona com a rede de transporte público da cidade, sendo eles: identificar fatores que facilitam ou prejudicam o potencial acesso; os tipos; a proximidade das estações ou pontos; também avaliam a qualidade, através da quantidade de intinerários e os horários de frequências. As informações foram fornecidas pela SEMTRAN e a identificação das rotas foram mapeadas pelo aplicativo moovit, plataforma on-line com foco em informações de transporte público e de navegação.

Para o Tema 2, Oferta de Equipamentos, Comércio e Serviços, os indicadores têm como objetivo avaliar se a oferta de equipamentos, comércio e serviços disponíveis aos moradores estão sendo satisfatórios. O entorno é avaliado em três escalas diferentes e classificadas em duas categorias: Usos Obrigatórios, que devem existir em qualquer caso; e Usos Complementares, que serão específicos em cada escala, onde ocorre a identificação também do nível de acessibilidade dos moradores às oportunidades de serviços, lazer, empregabilidade, educação, segurança e saúde, todos importantes para a qualidade de vida e do direito à cidade.

Já para o Tema 3, Desenho e Integração Urbana, há em sua análise pertinência ao desenho urbano do empreendimento e da área onde ele está inserido, de modo a avaliar o nível de integração do residencial na sua vizinhança. Envolve os outros quatro indicadores, indicador Relação com o Entorno, Tamanho das Quadras, Abertura para os Espaços Públicos e Rede de Circulação de Pedestres.

Os procedimentos para analisar os indicadores foram: 1. Levantar as dimensões do perímetro do empreendimento, tamanho das quadras e identificar os acessos, limites e relação com os espaços públicos do entorno. O objetivo é analisar o tamanho das quadras e em que nível o empreendimento se conecta com o entorno imediato.

A pesquisa e a aplicação da metodologia foram desenvolvidas a parti de dados secundários fornecidos pelas seguintes secretarias: Secretaria Municipal de Trânsito (SEMTRAN), Secretaria Municipal de Regularização Fundiária (SEMUR), Secretaria Estadual de Assistência Social (SEAS) entre outros. E, quando necessário, dados do IBGE e da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD). Esta compilação de informações foi posteriormente mapeada através do Google Earth Pro, além de identificada via web Google Maps.

INSERÇÃO URBANA: MOBILIDADE, INTEGRAÇÃO E USO DO SOLO

Mesmo uma maior dinamização de ocupação espacial em zonas periféricas de Porto Velho por si só não garante que nestas áreas haja um alcance imediato ou autossuficiente dos equipamentos públicos e de usos não residenciais e, portanto, da oferta de empregos e acessos a todos tipos de serviços que são demandados por esses moradores. Neste sentido, isto reflete diretamente na necessidade e/ou dependência de deslocamentos cotidianos, como provisão à qualidade de vida urbana, principalmente por se tratar, em sua maioria, de grandes distâncias entre os empreendimentos (origem) e os serviços (destino).

Portanto, no que diz respeito à mobilidade urbana, foram observados os aspectos relativos ao transporte público em dois eixos: 1º - as opções de transporte; 2º - a frequência dos transportes. Além de identificar as condições dos pontos de ônibus, dos acessos, de modo a verificar a qualidade dos espaços de circulação de pedestres até o transporte público, com o intuito de avaliar em que nível a inserção urbana dos empreendimentos impacta nos deslocamentos regulares dos moradores.

Conforme os parâmetros referenciais, é adequado o empreendimeto estar localizado em uma área com no mínimo um itinerário e um opção de transporte, a capital dispõe somente da modalide de transporte coletivo via ônibus. O MCMV Cristal da Calama, apresenta situação crítica (figura 2), além de possuir um único itinerário, a frequência de transporte também é precária.

No Cristal da Calama os itinerários presentes apresentam distâncias menores de 2km entre eles durante o percurso, as linhas A, B e C, já a linha D está a uma distância de aproximadamente 3km em relação ao eixo do empreendimento, o que deve ser desconsiderado para análise. O percurso a pé para o itinerário C é superior a 1km, isto significa que foi desconsiderado para análise, uma vez que para se ter acesso ao ponto de ônibus é necessário grande deslocamento.

O deslocamento cotidiano é impactado em duas questões: primeiro no tempo de espera, o tempo aceitável é até 20 minutos, pois apresenta itinerário com mais de 35 minutos de espera; segundo, nas opções para se chegar nas centralidades ou áreas que possuem maiores ofertas de serviços e equipamentos, por mais que apresentem itinerários diferentes, todos são muito próximos e levam às localidades similares, ou seja, se os moradores desejarem ir para outros locais, terão que fazer integrações de ônibus e o tempo de deslocamento será bastante crítico.


FIGURA 2
Levantamento: Mobilidade Urbana MCMV Cristal da Calama
Fonte: produzido pelo autor

A presença de serviços essenciais, como escolas, hospitais, transporte público, mercados e áreas de lazer, contribui para melhorar a qualidade de vida dos moradores. Isso torna o local mais atrativo para viver e ajuda a promover um ambiente saudável e funcional. Além do mais, disponibilidade de serviços próximos facilita o acesso dos moradores a eles. Isso é especialmente importante para famílias de baixa renda, que podem ter limitações de transporte e recursos financeiros. Quanto mais próximos estiverem os serviços, mais acessíveis serão para os residentes.

Nesse sentido, neste levantamento (figura 3) buscou-se identificar a diversidade de usos do solo para o deslocamento de usos cotidianos conforme os itens Obrigatórios e Complementares, e assim determinar o grau de qualidade e de conforto de proximidade destes equipamentos em relação ao empreendimento analisado. Como parâmetro de qualificação são considerados aqueles usos que possuem uma distância de no máximo de 1km ou 15 minutos de deslocamento a pé. Vale ressaltar que os mapeamentos elaborados, também apresentam-se cenários além da distância máxima estabelecida, para quesito de análise e estudo de serviços e comércios que apresentam distâncias mais precárias.

Nesse quesito, o cenário da inserção urbana ainda é mais grave, nos três parâmetros, tanto para os usos cotidianos quanto para eventuais e esporádicos, a localidade apresentou indíces precários e insuficientes.

Observa-se conforme a figura 3, que todos os tipos de usos obrigatórios possuem uma distância precária em relação ao empreendimento, principalmente as escolas e unidade básica de saúde das mediações. A escola de ensino médio mais próxima está a 2,9km de distância, equivalente a 36 minutos de caminhada, seguida por outras com mais de 5km de distância, equivalentes a mais de 1 hora de percurso a pé. Da mesma maneira, a delegacia mais próxima está a 4,9km de distância e a unidade de saúde está a 5,7km, sendo este último, o único possível a utilização do uso de transporte público, com um percurso de 7,7km, demora-se aproximadamente 25 minutos entre origem e destino, porém com espera no ponto de ônibus de 53 minutos, o que torna quase impraticável a utilização do transporte público para este deslocamento em específico.


FIGURA 3
Levantamento de Ofertas, Equipamentos e Serviços MCMV Cristal da Calama
Fonte: produzido pelo autor

Para analisar a integração urbana, foi avaliado como o empreendimento se relaciona com o seu entorno imediato, no sentido de compreender os tipos de conectividades urbanas existentes. O parâmetro da análise é calcular o percentual do perímetro do empreendimento que possui relação direta com o entorno efetivamente urbano. Para que o perímetro do entorno seja de fato considerado para esta análise, foram observadas as seguintes situações: é considerado entorno quando abrigar edificações e/ou equipamentos e não constituam barreiras físicas para a circulação de pessoas, tais como áreas de proteção ambiental, grandes glebas vazias, quartéis, grandes equipamentos de infraestrutura como energia, tratamento de esgoto, complexos industriais, na medida em que constituem barreira de circulação.

MCMV Cristal da Calama, apesar de possuir aproximadamente 900 metros de perímetro em conectividade direta com a malha urbana, dentro do percentual do perímetro total que o residencial possui, é somente de 15%, portanto, bem abaixo do qualificado como adequado. A implantação também apresenta grandes barreiras, tais como áreas de preservação permanente e grandes glebas vazias, por estar localizada em uma área periurbana, margeada também por lotes rurais (figura 4).


FIGURA 4
Levantamento do entorno imediato MCMV Cristal da Calama
Fonte: produzido pelo autor

Observa-se um déficit de integração urbana, todos possuem características de desconexão física e disfuncionalidade diante da sua implantação, o que condiciona para os moradores maiores dificuldades na acessibilidade aos diversos tipos de equipamentos, comércios e serviços que possam existir nas mediações. Além de contribuir com outras questões mais graves, em que, ao isolar o conjunnto habitacional, o índice de insegurança pode aumentar e/ou favorecer o controle de organizações criminosas (SALDANHA; CISNE; BARBOSA, 2020).

Os caminhos de pedestres que incluem calçadas, travessias, passagens e pontos de acesso ao transporte (parada de ônibus) devem obedecer a padrões mínimos de acessibilidade e qualidade, de modo a produzir ambientes completos, seguros e confortáveis para qualquer pessoa.

É requisito básico que a rede de circulação avaliada e os caminhos até os pontos de ônibus sejam completos. Portanto, para nível de detalhamento foram observadas as seguintes questões: os espaços de circulação foram considerados calçadas, vias compartilhadas, ciclofaixas e/ou caminhos exclusivos para pedestres; se o espaço está totalmente desobstruído para a circulação dos pedestres, incluindo dimensões mínimas de 1,2 metros para pessoas com mobilidade reduzida (cadeirantes, idosos); se as vias contemplam uma sinalização adequada, como espaços para sinalizações, postes, canteiros para vegetações; travessias seguras e com sinalizações e, em casos de desníveis, que estejam atendendo normas de acessibilidade (NBR 9050/2020), e pontos de ônibus que protejam do calor e da chuva, com assento de espera e que possua informativo gratuito dos itinerários, horários e tarifas de serviços, conforme dispostos na Lei nº 12.587/2012 que institui política Nacional de Mobilidade Urbana.

Observou-se no MCMV Cristal da Calama (Figura 5) uma arborização implantada nas principais vias do conjunto, porém ainda estão com copas que não fornecem sombreamento, mas a sua existência, caso seja mantida, proporcionará uma melhora na rede de circulação para os pedestres. Uma das vias principais (Foto A) apresenta calçadas totalmente inadequadas, com dimensões que não atendem às exigências, e diversas obstruções e desníveis sem acessibilidade, de tal maneira que pessoas cadeirantes, deficientes visuais ou com mobilidade reduzida não conseguirão chegar até o ponto de ônibus.

Os pontos de ônibus (Foto D) apresentaram uma estrutura mais recente, metálica, com proteção na parte superior e nas laterais e com assento, porém sem os informativos necessários, o trajeto até o embarque não possui sombreamento e nem acessibilidade. A rede de iluminação também é atendida. Este quesito foi atendido de maneira satisfatória pelos três empreendimentos, porém, sendo necessária a manutenção regular pelo poder público, sendo um item importante para a manutenção não só do conforto da circulação, mas para a segurança dos moradores.


FIGURA 5
Estudo Desenho e Integração Urbana MCMV Cristal da Calama
Fonte: Google Earth Pro (2022). Elaborado pelo autor

O empreendimento não apresentou resultados satisfatórios, incluindo a falta de acessibilidade e ausência de arborização. Evidenciou-se também uma despreocupação nos embarques e desembarques dos transportes públicos, em geral as travessias e sinalizações estão presentes somente em alguns lugares específicos, qualidade ruim das calçadas, o que dificulta, para além do que já foi apresentado, o acesso, inclusive, às ofertas de serviços presentes no interior dos empreendimentos, como aqueles que se encontram no entorno imediato.

O resultado da análise (quadro 1), por meio da ferramenta metodológica, para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos Minha casa Minha Vida Faixa 1, revela que se tal projeto tivesse passado por avaliações mais aprofundadas durante a fase de estudos e viabilidades, no que diz respeito à qualidade da infraestrutura urbana e fundiária, integração com o entorno e o desenho urbano, não deveria ter sido implementado.

QUADRO 1
Resultados da avaliação da Inserção Urbana

Fonte: Elaborado pelo autor

Só estar bem localizado não é garantia da qualidade da vida urbana. No que diz respeito à oferta de equipamentos, comércios e serviços, em geral apresentaram situações críticas, potencializadas por uma localização nos limites do perímetro urbano de Porto Velho. Desta forma, recai sobre os moradores maiores gastos com deslocamentos diários, além de maior tempo e mais desconforto físico durante o trajeto. Percebe-se também que na ausência de oferta de equipamentos e serviços surgem comércios informais de pequeno porte que expandem no entorno e internamente no empreendimento, como alternativa dos moradores de adquirirem renda.

Casos mais graves são as longas distâncias para os moradores se deslocarem para as escolas infantis, de nível fundamental e médio, para unidades de saúde e hospitais, para delegacias, supermercados e instituições de ensino superior. Além de diversos equipamentos de lazer, cultura e entretenimento, em sua maioria, com distâncias confortáveis somente com a utilização de veículo automotivo particular.

Os resultados revelaram uma baixa integração entre os moradores e as unidades de vizinhanças, o que pode prejudicar a habitabilidade e sociabilidade urbanas, além de causar ônus aos novos residentes, que para além da moradia interferem diretamente no modo como irão lidar com a nova dinâmica de moradia. De mesmo modo, são criadas barreiras na busca pela efetivação da empregabilidade; as longas distâncias e a falta de acessibilidade se relacionam diretamente em como esses moradores estarão disponíveis para as oportunidades de mercado, seja pelo tempo, seja pela necessidade do uso de transporte privado para os deslocamentos adequados, seguros e confortáveis até as zonas comerciais.

Desta maneira, os resultados da inserção urbana foram insuficientes e reprováveis sob a perspectiva da localização, integração com o entorno e desenho urbano dos empreendimentos, todos indicadores que promovem a sociabilidade, circulação confortável de pedestres e o pleno acesso ao transporte público e a equipamentos, serviços e comércios e outras atividades essenciais para a vida urbana. O que revela um quadro grave dos empreendimentos analisados, no sentido que é necessário buscar meios para qualificar o espaço urbano, que para além da moradia desenvolva melhorias nas diversas conjecturas que fazem parte do cotidiano dos moradores e da sua relação com a cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises da inserção urbana realizadas no empreendimento, feita por meio da ferramenta metodológica de inserção urbana, revelam que (no caso) se o projeto original proposto fizesse uma avaliação mais aprofundada da localização, integração fundiária e desenho urbano, a proposta não seria aprovada para entrar na fase de implementação. A metodologia cumpre seu papel ao detalhar todos os processos de suas aplicações, além de fornecer parâmetros para análises, para medições e sugestões de melhorias em cada indicador.

Revela-se um constrate aos valores que o próprio Programa Minha Casa Minha Vida estabelece como política pública, desde a definição do terreno onde seriam implantados os empreendimentos, até as assistências necessárias pós ocupação. De acordo com a ONU (2003), o direito à moradia se define como: segurança da posse; habitabilidade; disponibilidade de serviços; infraestrutura e equipamentos públicos; localização adequada; adequação cultural; não discriminação e priorização de grupos vulneráveis; e custo acessível. Por mais que os âmparos sejam feitos de maneira específica, o atendimento aos moradores carece de uma política mais abrangente e de ações em grande escala.

As longas distâncias necessárias para se chegar as escolas, aos espaços de públicos de lazer, de esportes e de centros culturais, denotam a precaridade das relações do espaço destinado à habitação frente à urbanização, ou por fim, expõe a objetividade simplória da moradia para a moradia, o que, para essas crianças, adolescentes e jovens, pode ser uma denominador relevante para o seu constructo social e para o nível de enfrentamento que a vida urbana os impõe, e revelar de fato, que o seu direito à cidade – portanto - a sua coletividade, foi seriamente desconsiderada.

A pesquisa revelou que tentar combater os problemas relacionados ao déficit habitacional não se relaciona somente com a ideia de construir moradia. Ao compreendermos, a partir da inserção urbana, as projeções estabelecidas pela mobilidade cotidiana, verificamos que o cenário precário que se apresentou compactua diretamente com a localização dos empreendimentos. E ao não desenvolverem áreas que proporcionem recursos para acessar os diversos serviços, equipamentos e comércios que a cidade oferece aos moradores, cria-se a necessidade de articular e garantir uma melhor integração física, econômica, social e cultural.

Neste contexto caberia analisar em que medida a mudança para moradias oferecidas pelos empreendimento MCMV foi positiva para os moradores, pelo prisma de localização, custos e qualidade de vida, uma vez que, conforme analisado, um dos únicos instrumentos de reassentamentos para a população que foi removida de áreas de riscos após a cheia histórica do madeira, ou pelos impactos ambientais ocasionados pelas usinas do madeira, é justamente a transferência destas famílias para os conjuntos habitacionais MCMV Faixa 1. Compreender estas questões, com aplicações metodológicas, em contato direto com o morador, pode captar os impactos relacionados às mudanças em relação ao antigo local de moradia. Deste modo, corroborar ou não com as perspectivas e resultados apresentados através das questões históricas e da inserção urbana.

Portanto, as contradições obtidas por meio da dialética nos apresentam uma política habitacional que pouco tem se aberto para alterações significativas, que visam de fato mitigar os problemas sociais e urbanos existentes, ou paradoxalmente por ela mesmo criados. Os erros do passado permanecem no presente, por mais que dos bons frutos tenham gerado números expressivos de construções massivas de moradias ao longo das décadas, ainda se carece de uma política de pensamento de totalidade, em que deva se compreender que oferecer uma moradia é mover somente uma das peças do tabuleiro tão complexo: o espaço urbano.

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