A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM INTERFACE COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ETNIA PURUBORÁ: LIMITES E POSSIBILIDADES

 

INDIGENOUS SCHOOL EDUCATION INTERFACED WITH SPECIAL EDUCATION IN THE PURUBORÁ ETHNICITY: LIMITS AND POSSIBILITIES

 

 

            Jaimeson Rodrigues de Souza Sanders[1]

Viviane Evangelista do Nascimento[2]

Luanna Freitas Johnson[3]

 

 

Resumo: A relevância da educação para a formação e desenvolvimento do ser humano é reconhecida por diversas bases teóricas. No entanto, para que todas as pessoas possam ter acesso à educação, as políticas públicas delineiam caminhos para que o direito seja exercido por todas as pessoas independentemente de suas condições. Nesse contexto, a educação escolar indígena e a educação especial buscam assegurar o direito à educação escolar de todas as pessoas garantindo a elas o respeito e valorização às especificidades, diferenças, a diversidade e a interculturalidade. Com base em tais premissas a presente pesquisa objetivou analisar a interface da Educação Escolar Indígena com a Educação Especial e conhecer o processo de inclusão na etnia Puruborá a partir da percepção de atores da comunidade. Subsidiados, então, pela abordagem qualitativa, foi realizado uma pesquisa bibliográfica e de campo na aldeia Aperoí, localizada no Município de Seringueiras-RO. Participaram da pesquisa três integrantes da comunidade. Como instrumento para coleta de dados as seguintes técnicas: questionários e entrevista semiestruturada. Os dados indicam que apesar de existir alunos público-alvo da educação especial na escola da aldeia, não há atendimento educacional especializado. Os professores não têm formação específica para atender a demanda e, no geral, as famílias adotam uma postura de negação da deficiência. Os participantes reivindicam a necessidade de ações de formação continuada e profissionais especializados para atender os alunos e orientar as famílias.

 

Palavras-chave: Modalidade de Educação. Políticas Educacionais. Etnia Puruborá. Educação Inclusiva.

 

Abstract: The relevance of education for the formation and development of the human being is recognized by several theoretical bases. However, so that all people can have access to education, public policies outline ways for the right to be exercised by all people regardless of their conditions. In this context, indigenous school education and special education seek to ensure the right to school education for all people, guaranteeing them respect and appreciation for specificities, differences, diversity and interculturality. Based on these assumptions, this research aimed to analyze the interface between Indigenous School Education and Special Education and to understand the process of inclusion in the Puruborá ethnic group from the perspective of community actors. Subsidized, then, by the qualitative approach, a bibliographic and field research was carried out in the Aperoí village, located in the Municipality of Seringueiras-RO. Three members of the community participated in the research. As an instrument for data collection, the following techniques were used: questionnaires and semi-structured interviews. The data indicate that although there are special education target audience students at the village school, there is no specialized educational service. Teachers do not have specific training to meet the demand and, in general, families adopt an attitude of denial of disability. Participants claim the need for continuing education actions and specialized professionals to assist students and guide families.
 
Keywords: Type of Education. Educational Policies. Puruborá ethnicity. Inclusive education.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A educação escolar indígena e a educação especial são modalidades de ensino que asseguram ao estudante o direito à educação abrangendo as dimensões de matrícula, permanência, acesso ao currículo, participação social e a formação humana. Em relação à primeira esse direito é definido pela afirmação das identidades étnicas e associação fundamentado entre escola, sociedade e identidade em consenso com os projetos participantes de cada etnias, que tem como seus objetivos, o pensamento sobre os problemas comuns vivenciados pelos professores indígenas e os caminhos encontradas na educação escolar, pretendendo garantir que a cultura e os conhecimentos ancestrais sejam respeitados e valorizados.

 Quanto à Educação Especial, visa assegurar o atendimento educacional especializado aos alunos público-alvo dessa modalidade de ensino. Dessa forma, ela perpassa todos os níveis, etapas e demais modalidades de ensino assegurando que as necessidades educacionais especiais desses alunos sejam atendidas por meio de adequações nos currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, bem como a qualificação de professores.

Com base nos pressupostos de ambas as modalidades, o presente estudo propôs analisar sua interface e conhecer o processo de inclusão na etnia Puruborá a partir da percepção da comunidade escolar. Para tanto, recorremos à abordagem qualitativa e como método de pesquisa, utilizamos a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Participaram da pesquisa o professor, uma agente de saúde e a cacique da Aldeia Aperoí, localizada no município de Seringueiras, interior de Rondônia.

Encontramos um arcabouço legal que aponta especificidades tanto no que tange a educação escolar indígena quanto à educação especial. No entanto, a realidade da escola não reflete os direitos assegurados nas políticas públicas. Há muitas questões que precisam ser observadas e atendidas para que haja, de fato, a interface entre as duas modalidades de ensino.

O presente artigo está estruturado em quatro seções: 1) Fundamentos da educação escolar Indígena; 2) Fundamentos da Educação Especial e Inclusiva; 3) Metodologia; 4) Apresentação e discussão dos dados, seguido das considerações finais.

 

2 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA 

  

Os povos indígenas têm direitos sociais, culturais e econômicos assegurados em políticas públicas tanto no âmbito internacional quanto nacional. A Convenção 169 sobre povos indígenas realizada pela Organização Internacional do Trabalho em Genebra no ano de 1989, por exemplo, amparada nos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconheceu “as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram” (OIT, 1989)

No entanto, a história dos povos indígenas no Brasil tem sido marcada pela brutalidade, escravidão, violência, doenças e genocídio desde a chegada dos primeiros colonos europeus ao país. Sá (2011) destaca que os efeitos do extermínio e descaso vivenciados pelos povos são expressos nos dados do censo demográfico, pois na chegada dos europeus ao Brasil a população indígena era estimada em cinco milhões e no censo demográfico de 2010 passou a 817,9 mil. 

O processo educativo das comunidades indígenas é um campo que também apresenta significativas distinções, pois a concepção de educação dessas comunidades apresenta diferentes perspectivas em relação aos moldes da perspectiva da educação nacional. Sá (2011, p. 24), destaca que “[...] A concepção de educação para as comunidades indígenas é outra, a educação é um processo global onde a cultura da comunidade é ensinada e aprendida por meio da socialização e transmitida pela tradição oral.”

A autora pontua, ainda, que desde a colonização a educação escolar indígena foi pautada nos princípios integracionistas e de homogeneização cultural. Nesse período a escolarização estava a cargo dos jesuítas e marca a primeira fase da educação indígena. A segunda fase está relacionada à criação do Serviço de Proteção ao Índio, em 1910 e estende-se até a política de ensino da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Silva Júnior (2000) destaca que a FUNAI surgiu em 1967, durante o governo militar, com a incumbência de tutelar o índio, gerir o seu patrimônio e prestar-lhe assistência educacional. Em tese à FUNAI caberia defender a efetivação de direitos de cidadania para povos indígenas pressupondo o reconhecimento de sua autonomia, enquanto coletividades diferenciadas. Assim a participação indígena na construção de políticas públicas diferencia-se de outros grupos sociais, à medida que é representativa de coletividades com particularidades que as distinguem da sociedade nacional. Atualmente, a educação escolar indígena apresenta uma nova fase, pois, desde 1991 é administrada pelo Ministério da Educação (MEC) e amparada pelos preceitos da Constituição Federal.

 

As políticas públicas relativas à Educação Escolar Indígena pós-Constituição de 1988 passam a se pautar no respeito aos conhecimentos, às tradições e aos costumes de cada comunidade, tendo em vista a valorização e o fortalecimento das identidades étnicas. A responsabilidade pela definição dessas políticas públicas, sua coordenação e regulamentação é atribuída, em 1991, ao Ministério da Educação (BRASIL, 2007, p. 16).

 

 No âmbito das políticas educacionais a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), concebe a educação escolar indígena a partir de suas características próprias, dando continuidade à identificação e a cultura indígena. Assim, LDBEN (BRASIL, 1996) assegura às comunidades indígenas a utilização de sua língua materna e processos próprios de aprendizagem, ou seja, garante a continuação da cultura e língua e o processo de aprendizagem também se dará de acordo com os costumes daquela tribo direito esse que é reafirmado no artigo 78, ao prever que a educação indígena deve ser bilíngue e intercultural, proporcionando a chance de recuperar suas memórias históricas e confirmar suas identidades. 

 No artigo 79 dá direito à comunidade indígena, de participar verdadeiramente da elaboração e discussão de programas educacionais e a elaboração de material didático, específico e diferenciado para educação indígena, com tais determinações a LDBEN, deixa claro que a educação escolar indígena deverá ter um tratamento diferenciado das demais escolas do sistema de ensino. A legislação também possibilita colocar em prática esses direitos, dando liberdade para cada escola indígena definir de acordo com suas particularidades seu respectivo projeto político pedagógico.

A LDBEN destaca, ainda, a importância de considerar as características regionais e locais da comunidade indígena, da economia e da clientela de cada escola, para se conseguir atingir os objetivos do Ensino Fundamental. Nesse sentido, pretende criar possibilidades para que, de fato a escola possa responder às demandas da comunidade e oferecer aos educandos o melhor processo de aprendizagem e a continuação da cultura indígena. Nessa perspectiva o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNE/Indígena) estabelece quatro característica para as escolas indígenas, são elas: comunitária, intercultural, bilíngue/multilíngue, específica e diferenciada (BRASIL, 1998). Essas características devem ser respeitadas pelo sistema de ensino brasileiro, possibilitando aos sujeitos indígenas uma educação de qualidade.

Ao destacar aqui a especificidade e diferenciação presentes na escola indígena somos conduzidos a refletir acerca da Declaração de Salamanca que foi instituída na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, realizada em Salamanca, na Espanha, em 1994. Nessa declaração, os países signatários, inclusive o Brasil, assumiram o compromisso de implementar nos sistemas educacionais programas que considerassem as características e necessidades de cada aluno, garantindo a educação de qualidade para todos.

Johnson (2020) destaca que a Declaração de Salamanca, não se restringe apenas às pessoas com deficiência, mas a todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais linguísticas ou outras, ou seja,

[...] crianças com deficiências e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados (UNESCO,1994, p.17-18).  

 

De um modo geral, é possível constatar até aqui que as políticas públicas asseguram o direito à educação escolar de todas as pessoas garantindo a elas o respeito e valorização às especificidades, diferenças, a diversidade e a interculturalidade. É um paradigma novo entrelaçado à perspectiva da educação inclusiva que compreende as dimensões de matrícula, permanência, acesso ao currículo, participação social e a formação humana.

Nessa perspectiva, é que buscamos conhecer a interface entre a educação escolar indígena e a educação especial, haja vista, a existência de dados que apontam a presença de alunos indígenas público-alvo da educação especial. Para tanto, discorreremos a seguir sobre os fundamentos da educação especial.

 

  1. FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

 

A interface entre a educação escolar indígena e a educação especial está implícita na Constituição Federal (BRASIL, 1988) que no art. 205 estabelece que a educação é direito de todos e na LDBEN ao reforçar o direito dos educandos no âmbito do ensino regular. A utilização do termo implícito se justifica, pelo fato dessas políticas não contemplarem ações voltadas para Educação Especial com foco na Educação Escolar Indígena, mas asseguram o direito à educação para todos.

A LDBEN (BRASIL, 1996) define a Educação Especial como “[...] a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 1996)”. No art. 59 desta Lei, indica que os sistemas de ensino devem assegurar ao público-alvo da educação especial.

 

I – Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a  integração desses educandos nas classes comuns [...]

 

Observa-se que essas indicações estão em consonância com a Declaração de Salamanca que visa a implementação nos sistemas educacionais programas que considerem as características e necessidades de cada aluno, garantindo a educação de qualidade para todos (UNESCO, 1994). Assim, entende-se que os sistemas educacionais inclusivos devem promover a inclusão das pessoas com necessidades educacionais, nas escolas regulares e enfatiza a necessidade de mudanças estruturais e culturais na escola comum.

Em 2008, o Ministério da Educação (MEC) instituiu a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva com o objetivo de construir políticas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. Essa política, reconhece, ainda, a interface entre as modalidades de ensino

 

A interface da Educação Especial na Educação Escolar Indígena, do campo e quilombola deve assegurar que os recursos, serviços e atendimento educacional especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos (BRASIL, 2008).

 

 Nota-se, então, que a educação especial está assegurada aos educandos indígenas. Desta forma, a educação escolar indígena deve ofertar um ensino que atenda às necessidades educacionais desses alunos e respeite a sua cultura, as suas diferenças, limitações e habilidades.

Vale destacar que, conforme estabelecido na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), a educação especial realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. 

Nessa mesma direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, estabelecidas pela Resolução nº. 5/2012, prescrevem no art. 11 que

 

A Educação Especial é uma modalidade de ensino transversal que visa assegurar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades e superdotação, o desenvolvimento das suas potencialidades socioeducacionais em todas as etapas e modalidades da Educação Básica nas escolas indígenas, por meio da oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) (BRASIL, 2012).

 

O público-alvo da educação especial estabelecido no documento acima, também apresenta consonância com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEI) o qual é organizado em três grupos: 1) Deficiências, 2) Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e 3) Altas Habilidades/ superdotação.

 

A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008, p.9).

 

Diante do exposto até aqui, é possível observar que, a partir dos marcos legais, há a interlocução entre as duas modalidades de ensino, ou seja, a educação escolar deve ser assegurada a todas as pessoas e considere as características e necessidades de cada aluno, respeitando e valorizando as especificidades, diferenças, a diversidade e a interculturalidade, garantindo não, apenas o acesso, mas a permanência e a qualidade da educação ofertada a todos os estudantes. 

 

  1. METODOLOGIA

 

Para a analisar a interface das modalidades de educação e conhecer o processo de inclusão na etnia Puruborá a partir da percepção de atores da comunidade, recorremos ao estudo na abordagem qualitativa tendo em vista que

 

Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural [...] privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação (BOGDAN; BIKLEN,1994, p. 16)

 

Em consonância com os autores, acredita-se que abordagem do presente estudo nos possibilita analisar o objeto de estudo com maior profundidade, uma vez que permite evidenciar suas causas, efeitos e relação com o meio ao qual está inserido.

Como metodologia utilizamos a pesquisa bibliográfica a qual consistiu na leitura minuciosa de livros e artigos científicos sobre o tema pesquisado. Vale salientar que “[...] a pesquisa bibliográfica, não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema a partir de um novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras” (MARCONI e LAKATOS, 2010, p.166).

Para compreender as modalidades de ensino que envolvem a educação escolar indígena e educação especial realizamos pesquisa documental, com destaques para as seguintes políticas educacionais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998), Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). 

Ao buscar identificar a percepção dos atores escolares sobre o processo de inclusão de alunos indígenas recorremos, ainda, a pesquisa de campo a qual possibilita o aprofundamento de uma realidade específica, ou seja, permite ir além da pesquisa bibliográfica e documental (GIL, 2008). Assim, o campo de pesquisa foi a Aldeia de Aperoí em Seringueiras, interior de Rondônia.

Participaram do estudo a cacique da aldeia (C), o professor (P) que atua há sete anos como “professor sabedor” nas disciplinas de Resgate da Língua Materna e Educação Escolar indígena e o agente de saúde que atua na aldeia Aperoi.

Para coleta de dados foi utilizado um questionário composto por sete questões abertas. Esse instrumento foi respondido pelos participantes através de áudio em whatsapp e reunião via google meet. Tal processo foi necessário devido à impossibilidade de acessar a comunidade em decorrência das restrições impostas pela pandemia da Covid 19.

Os dados foram tratados a partir da análise de conteúdo que é uma técnica, proposta por Bardin (2016) e permite a sistematização, a leitura e a análise das informações coletadas. De forma geral, os dados são organizados por meio da criação de categorias.

 

  1. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Como análise dos resultados organizamos duas categorias que serão descritas abaixo: Contextualizando o lócus da pesquisa e a educação especial na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Ywará Puruborá.

 

  5.1 Contextualizando o lócus da pesquisa

 

A aldeia de Aperoí é a única aldeia do povo Puruborá nos dias correntes, localiza-se às margens da BR-429, entre os municípios rondonienses de Seringueiras e São Francisco do Guaporé. Trata-se do que parece ser um típico bairro rural, originado em torno do sítio da falecida Dona Emília, espécie de matriarca deste povo indígena, cujas terras foram compradas depois da expulsão do grupo das cabeceiras do rio Manuel Correia com a demarcação dos limites da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em 1994. 

A dissertação de Oliveira (2015) relata a trajetória do povo Puruborá que é marcado por usurpação de seu território e luta para demarcação de suas terras e pela revitalização da sua cultura e da sua identidade. O movimento de demarcação e revitalização é denominado ressurgimento, pois o povo Puruborá, desde o ano de 2000, vem se reagrupando. Atualmente, a aldeia é habitada por 40 indígenas divididos em 10 famílias.

A partir de 2003, a educação escolar e a criação da escola indígena na aldeia Aperoí começaram a ser pauta das assembleias e reivindicações do povo Puruborá. Assim, em 2005, foi criada a Escola Indígena Estadual/ de Ensino Fundamental Ywará Puruborá, pelo Decreto Estadual nº 11.746 de 8/08/2005 (OLIVEIRA, 2015).

A escola fica ao lado da residência da Cacique, sua estrutura é de madeira e possui uma única sala de aula onde todos os alunos assistem aulas juntos. Outra sala que fica ao lado, é utilizada no preparado da merenda escolar e aos fundos fica o banheiro.

Na parte externa, as paredes da escola têm pinturas indígenas e artesanatos do povo. Na parte interna há cartazes e banners expostos para auxiliar nos conhecimentos repassados juntamente com livros e trabalhos feitos pelo povo.

Atualmente a escola conta com cinco alunos matriculados no ensino fundamental, nos anos iniciais de 1° e 2° ano. Dois professores atuam na escola e as aulas ocorrem no período matutino.  Dos cinco alunos matriculados, dois são identificados como público-alvo da educação especial. Um aluno tem Síndrome de Down e o outro aluno tem autismo.

Oliveira (2015) investigou o processo de escolarização na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Ywará Puruborá, mas não há referências sobre a educação especial, levando-nos a entender que, à época da pesquisa, não havia alunos dessa modalidade de ensino.

 

5.2 A educação especial na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Ywará Puruborá

 

 A presença de alunos público-alvo da educação especial na escola indígena parece não considerar os pressupostos legais que fundamentam a educação especial. Todos os participantes estão cientes da presença desses alunos na escola, no entanto, apontam limitações para o atendimento das necessidades especiais dos estudantes.

O agente de saúde (AS) relata que, mesmo não atuando na escola, conhece a situação vivenciada pela família dos alunos com deficiência, pois realiza visitas periódicas e observa a dificuldade, porém não sabe qual o grau da deficiência.

O professor (P) também está ciente da condição dos alunos. Ele aponta dificuldades para ensiná-los, pois não tem formação continuada na área, nem especial e nem indígena. Como professor sabedor é responsável pela disciplina de Resgate da Língua Materna e a educação escolar indígena. 

Sobre a oferta da educação especial na escola, a cacique (C), observa que não existe em nenhuma aldeia e afirma que “Se o governo está em falta com a educação especial nas escolas municipais e estaduais, há ainda maior dificuldade no atendimento desses direitos dentro das aldeias”.

 Apesar das políticas públicas fazerem alusão a interface da Educação Especial na Educação Escolar Indígena, na prática, não há recursos e serviços de atendimento educacional especializado para atender às necessidades educacionais especiais dos estudantes.

Além disso, o professor não possui formação inicial para atuação na docência conforme estabelecido na LDBEN (BRASIL, 1996). Vale ressaltar que a formação continuada também é importante e necessária para a prática pedagógica.  Tanta a LDBEN (1996) quanto a PNEEI (2008) preconiza que os professores necessitam ter uma especialização adequada, tanto em nível médio, quanto em nível superior, ou seja, de precisam ser capacitados para que possam atender às necessidades educacionais dos alunos incluídos nas classes comuns. Para Bueno (1999) a qualificação profissional é fundamental, embora não seja única no processo de construção efetiva da educação inclusiva.

Observa-se, ainda nos relatos do AS, que os moradores da aldeia têm convicção que as crianças especiais necessitam de um atendimento educacional especializado, para que assim possam obter melhorias tanto educacional como social, porém esbarram na “falta de conhecimento” dos pais e acham que seu filho não possui nenhuma deficiência, ou seja, os pais parecem adotar uma postura de negação da deficiência.

A cacique reivindica ações que promovam a especialização dos profissionais de educação das aldeias, para saberem lidar com crianças especiais Defende que elas precisam de um ensino diferenciado, pois não se pode dar o mesmo ensino como se estivessem alfabetizando crianças “normais”.

A observação do As e da C, parecem em consonância com Strieder e Zimmermann (2000, p. 146) ao destacarem que

 

A inclusão exige uma mudança de mentalidade e de valores nos modos de vida e é algo mais profundo do que simples recomendações técnicas, como se fossem receitas. Requer complexas reflexões de toda a comunidade escolar e humana para admitir que o princípio fundamental da educação inclusiva é a valorização da diversidade, presente numa comunidade humana.

 

Na percepção do professor, o processo de alfabetização para as crianças especiais, deveria contar com uma pessoa para acompanhar diariamente esses alunos, uma espécie de cuidador (algo que já acontece nas redes de ensino público), também defende que deveria haver capacitação de profissionais indígenas nessa área de ensino pois há uma carência muito grande e por fim um orientador escolar para fazer acompanhamento da evolução desses alunos, tanto nas escolas quanto com os pais.

Os relatos dos participantes da pesquisa, apontam para a necessidade de melhorias a serem realizadas tanto nas escolas quanto para uma educação de qualidade, também um acompanhamento em relação às famílias dessas crianças, uma pessoa especializada para identificar as necessidades educacionais de cada aluno. Para eles, algo a ser feito de imediato é ter profissionais de educação que tenha também os conhecimentos de sua etnia para que possa ser repassado aos alunos, para que eles não percam sua cultura e possa dar continuidade aos conhecimentos de seus antepassados e manter viva a identidade e a língua da etnia Puruborá.

Essa reivindicação coaduna com Oliveira (2015) ao destacar a importância da escola como um lugar de revitalização e divulgação da cultura indígena e para fomentar e garantir o acesso ao conhecimento da cultura não indígena subsidiando o povo nos atos de resistência e elaboração de reivindicações dos seus direitos.

 

 

CONCLUSÕES

 

Com a realização da pesquisa pode-se constatar que às questões Especiais Indígenas nos trouxe meramente uma reflexão de buscar cada vez mais caminhos de conquistas para que se tenham resultados positivos para se fazer a diferença na docência.

Sendo assim, se faz necessário ensinar com metodologias que sejam ativas e inovadoras, mesmo em que algumas vezes sejam temas desafiadores e polêmicos como vimos constantemente durante essa crise mundial ao qual estamos enfrentando.

Quando falamos em educação nos vem um leque de informações com a busca de possibilidades relacionadas a discussões sobre políticas públicas voltadas a um amanhã de qualidade educacional, pois nos deparamos com problemáticas ao qual encontramos situações governamentais que estão em falta com a educação especial nas escolas públicas, há ainda maior dificuldade desses direitos dentro das aldeias.

Assim como nas escolas a uma carência em respeito à falta de profissionais capacitados e especializados em educação especial, nas aldeias não é diferente pois se encontra defasagem necessária para que esses professores correspondam a essa modalidade de ensino. Portanto, encontram-se desnorteados quanto a forma de atender os alunos com necessidades especiais. A falta de conhecimento e instrução acarreta um efeito cascata de quebra de direitos dos alunos com deficiências: Os professores desconhecem métodos e possibilidade de atuações e mediações necessárias para que ocorra o atendimento educacional especializado, impossibilitando os alunos com deficiência de desenvolverem-se e aprenderem como os demais, por consequência não são incluídos, não há desenvolvimento e aprendizagem. 

Para que haja cumprimento efetivo do direito dos alunos público-alvo da educação especial, é preciso que sejam aplicadas as políticas públicas voltadas à educação que assegurem não apenas a matrícula, mas permanência, o acesso ao currículo, a participação social e a formação humana. 

O presente estudo não abrange todos os aspectos que permeiam a interface da educação escolar indígena com a educação especial, haja vista que, em nosso levantamento bibliográfico constatou-se que essa temática não é comum no meio acadêmico, o que aponta a necessidade de estudos mais aprofundados.

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Egresso do Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Rondônia, Campus Jorge Vassilakis. E-mail: jaimeson.rodrigues85@hotmail.com

 

[2] Egressa do Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Rondônia, Campus Jorge Vassilakis. E-mail: vivianeevangelista371@gmail.com

 

[3] Doutora em Educação. Docente do Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Rondônia, Campus Jorge Vassilakis. E-mail: luannajohnson@unir.br