Revista Culturas & Fronteiras - Volume 8. Nº 1 - Julho/2023
Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA /UNIR
Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/culturaefronteiras/index
A FRONTEIRA ENTRE O BILINGUISMO E A INCLUO: Um olhar
Sociolinguísta no atendimento aos Surdos em Escola Pública de Guajará-
Mirim e Porto Velho
Ednéia Bento de Souza Fernandes
1
Caroline Reis dos Santos
2
Daiany Furtado de Lima
3
Suziane Viriato de Araújo
4
RESUMO
A inclusão de surdos compreende uma troca simbólica de elementos políticos e sociais
imperativos ao desenvolvimento dos alunos surdos e ao fortalecimento identitário das
comunidades surdas tendo em vista que a LIBRAS vem ganhando força e visibilidade
nacional. Este trabalho procura efetuar uma análise sociolinguística a partir de
observações que retrataram a rotina no atendimento de atividades comunicacionais na
educação de surdos obtidas em uma escola pública de Guajará-Mirim-RO. Admitindo-
se haver preeminência de marcadores linguísticos que destacam de modo positivo a
presença dos surdos na escola regular é preciso abranger situacionalidade deste aluno
em relação à ngua de sinais no contexto educacional em comparação com outro
contexto oferecido em salas de aula bilíngue para surdos na cidade de Porto Velho-RO.
A pesquisa foi realizada com dois grupos de acadêmicos surdos, moradores das
respectivas cidades: Porto Velho e Guajará-Mirim, no período dos estágios de
observação e regência. Fizemos nossas análises com base nas teorias de Foucault
(2015), Góes (1996), Skliar (1999 e 2005) e Quadros (2006) e no campo da
sociolinguística Louis-Jean Calvet (2002). Na escola inclusiva pesquisa revelou que o
sentimento de inclusão é uma meta não atingida na vida dos alunos, pois os surdos em
sua maioria são filhos de pais ouvintes que não sabem LIBRAS fato que acarreta atraso
de aquisição da Língua de Sinais. Esse fato sobrecarrega tanto o Intérprete quanto o
professor (não fluentes em LIBRAS), que para realizar suas atribuições utilizam o tempo
da aula para ensinar os sinais e explicar seus respectivos conceitos. Nas salas de aula
bilingue a Libras é a língua de interação, instrução e comunicação utilizada por
professores surdos e ouvintes, já na educação inclusiva há carência de valorização não
apenas da LIBRAS, mas principalmente do sujeito Surdo tendo em vista que existe o
aluno surdos e a ausência do professor surdo.
1
Tradutora e Intérprete de Libras na Universidade Federal de Rondônia- Guajará-Mirim,
graduada em História e em Letras Libras e Mestre em Letras. Doutoranda do Curso de
Linguística PPGL UNEMAT. E-mail: edneia.fernandes@unir.br
2
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia e Especialista em Tradução
e Interpretação de Libras. Bolsista Tradutora e Intérprete de Libras/UNIR. Email:
carolinereisnorb@gmail.com
3
Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Rondônia - Guajará-Mirim.
4
Graduada em Letras-português pela Universidade Federal de Rondônia Guajará-Mirim.
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A FRONTEIRA ENTRE O BILINGUISMO E A INCLUO: UM OLHAR
SOCIOLINGUÍSTA NO ATENDIMENTO AOS SURDOS EM ESCOLA
PÚBLICA DE GUAJARÁ-MIRIM E PORTO VELHO
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Palavras-chave: Educação de Surdos. Sociolinguística. Bilinguismo. Inclusão
de surdos
Resumen
La inclusión de las personas sordas comprende un intercambio simbólico de elementos
políticos y sociales imprescindibles para el desarrollo de los estudiantes sordos y el
fortalecimiento de la identidad de las comunidades sordas, teniendo en cuenta que
LIBRAS ha ido cobrando fuerza y visibilidad nacional. Este trabajo busca realizar un
análisis sociolingüístico a partir de observaciones que retratan la rutina en la atención a
las actividades de comunicación en la educación de sordos obtenidos en una escuela
pública de Guajará-Mirim-RO. Admitiendo que existe una preeminencia de marcadores
lingüísticos que destacan positivamente la presencia de personas sordas en las
escuelas regulares, es necesario abarcar la situación de este alumno en relación a la
lengua de signos en el contexto educativo en comparación con otro contexto que se
ofrece en las aulas bilingües para los sordos en la ciudad de Porto Velho-RO. La
investigación fue realizada con dos grupos de académicos sordos, residentes en los
respectivos municipios: Porto Velho y Guajará-Mirim, durante las etapas de observación
y conducción. Realizamos nuestros análisis basándonos en las teorías de Foucault
(2015), Góes (1996), Skliar (1999 y 2005) y Quadros (2006) y en el campo de la
sociolingüística Louis-Jean Calvet (2002). En la escuela inclusiva, la investigación reveló
que el sentimiento de inclusión es una meta no alcanzada en la vida de los estudiantes,
ya que la mayoría de las personas sordas son hijos de padres oyentes que no saben
LIBRAS, hecho que conlleva un retraso en la adquisición de Lenguaje de señas. Este
hecho sobrecarga tanto al Intérprete como al docente (que no domina LIBRAS), quienes
para el ejercicio de sus atribuciones utilizan el tiempo de clase para enseñar los signos
y explicar sus respectivos conceptos. En las aulas bilingües, Libras es el lenguaje de
interacción, instrucción y comunicación que utilizan los docentes sordos y oyentes,
mientras que en la educación inclusiva hay una falta de valoración no solo de LIBRAS,
sino principalmente del sujeto Sordo, considerando que hay sordos y sordos. alumnos
la ausencia del profesor sordo.
Palabras clave: Educación para Sordos. Sociolingüística. Bilingüismo. Inclusión de
sordos
Introdução
A educação de Surdos vem se apresentando nos últimos anos enquanto
fronteira pela coexistência de fatores antagônicos: a obrigação de oferecer a
educação bilíngue através de dispositivos legais para a implantação de
educação bilíngue para surdos previstos da lei 14.191 publicada no s de
agosto de 2021 que insere a educação bilíngue na lei de diretrizes e bases da
educação nacional e a falta de profissionais capacitados para o atendimento
dessa demanda. Esse problema revela uma fronteira que ao mesmo tempo se
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apresenta enquanto possibilidade de mudança também gera uma extensa pauta
de debates entre autoridades, educadores e comunidade surda acerca do
melhor método de ensino para os alunos surdos.
A Escola é que nos permite perceber dois discursos emergirem
caracterizando posturas antagônicas com relação à aceitação do sujeito surdo,
compreensão de sua cultura e língua e da sua forma de apreender e expressar
o mundo. Este trabalho procura efetuar uma análise sociolinguística a partir de
observações que retrataram a rotina no atendimento de atividades
comunicacionais na educação de surdos obtidas em uma escola pública de
Guajará-Mirim-RO. Admitindo-se haver preeminência de marcadores linguísticos
que destacam de modo positivo a presença dos surdos na escola regular é
preciso abranger situacionalidade deste aluno em relação à língua de sinais no
contexto educacional em comparação com outro contexto oferecido em salas de
aula bilíngue para surdos na cidade de Porto Velho-RO.
Esse artigo é fruto de relatório de estágio de acadêmicos surdos em suas
respectivas cidades analisando as realidades do seu lugar de atuação enquanto
estagiário. A ideia desta pesquisa comparativa deu-se em virtude de as autoras
estarem atuando ou em vias de atuação profissional nesta esfera da educação.
Outra justificativa é que uma das autoras tem experiência de educacional nesta
área e também convivência e militância na comunidade surda de Porto Velho,
de modo que esta comparação busca trazer para Guajará-Mirim um parâmetro
para buscar a melhoria na educação oferecida aos surdos e a valorização dos
professores surdos da cidade. Nas duas cidades foram observados o cotidiano
escolar dos surdos quanto a comunicabilidade e sua relação com a Libras.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa procedeu de análise de relatórios de observação de
estagiários surdos dos cursos de graduação da Universidade Federal de
Rondônia. A realidade observada foi salas de aula e interação social dos surdos
nas turmas do ao ano na Escola Estadual inclusiva de Porto Velho onde
atende surdos em salas de aula bilíngue e a outra Escola Estadual inclusiva
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atende os alunos surdos são atendidos na modalidade regular de ensino em
Guajará-Mirim. Diante destas duas realidades de atendimentos aos surdos deu-
se um estudo comparativo sobre os contextos comunicacionais entre surdos e
ouvintes e a relação dos surdos com a Libras.
O objetivo desse trabalho é refletir sobre o ensino bilíngue e a inclusão
na rede regular à luz de estudos Sociolinguístas e inserir nos debates
existentes reflexões que abordem as vantagens e prejuízos e avanços advindos
na vida de alunos surdos inseridos nas respectivas experiências educacionais.
Este não é um postulado político em prol de uma ou outra metodologia ou
modalidade de ensino. O esforço representa a abertura demonstrativa da
necessidade dialógica das duas realidades com vistas a traçar uma visão
politizada e motivada pelos estudos sobre a fronteira entre a legislação e a
realidade vivida através da lente da Sociolinguística no sentido de compreender
as dificuldades sem esconder o mascaramento do preconceito existente no
processo educacional operado historicamente pelas instituições sociais como a
família, igreja, escola e hospitais com relação ao surdo.
As experiências históricas de exclusão social são constantemente
reatualizadas no contexto familiar, social e escolar criando resistência à
aceitação do Surdo enquanto sujeito, desprestigiando seu instrumento de
comunicação que é sua Língua, negando-lhe a possibilidade da criação de
estratégias de ensino-aprendizagem que dialoguem com a Cultura Surda.
Transformando-o num estrangeiro dentro do espaço nacional a que pertence,
mas que não lhe atende em seus direitos.
O objeto da Sociolinguística
A expressão Sociolinguística surge em 1949 dentro da Linguística com a
proposta de pensar aspectos sociais envolvendo contextos da língua e da fala
que surgiram a partir do livro Curso de Linguística Geral de Saussure (1916)
nessa obra foi desenvolvida a teoria dos signos linguísticos privilegiando a
Língua nos fatos da Linguagem através de estudo sincrônico.
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Na sucessão dessa obra surgiram linguistas que a partir da corrente
saussuriana desenvolveram suas próprias linhas de pesquisa como é o caso de
Antoine Meillet discordante do método utilizado pelo mestre propôs-se a tarefa
de fundar uma Linguística Geral de base sociológica. No seu entender, “le
langage est éminemment um fait social”. (Elia, 1987, p 18). Meillet chegou a
conceber sua contribuição como uma visão sociológica da linguagem humana.
Para Fishman, a parte descritiva da sociologia da linguagem tem por
objeto não a língua em si mesma, mas a língua em relação com os
personagens do ato da fala, locutor e receptor. Já na sua parte
dinâmica a sociologia da linguagem se ocupa com as mudanças que a
organização social do uso linguístico sofre através dos tempos.
Contudo não nenhuma distinção entre Sociologia da linguagem e
Sociolinguística. (Elia,1987, p.20).
Nesse movimento de debates internos, muitas outras linhas teóricas
preocupadas com as relações sociais no da linguística dedicando-se a estudar
as variações linguísticas, línguas em contato, os preconceitos linguísticos e
temas que relacionem Língua e comunidade.
Elegemos a ótica sociolinguista para pensar a relação entre ouvintes e
surdos no espaço escolar abordando dois ambientes educacionais em cidades
diferentes e com características peculiares a fim de analisar como esses
territórios exteriorizam a relação de contato entre os Surdos que se comunicam
por línguas gestuais e visuais. Nosso objetivo é captar e abstrair os conflitos,
sucessos e as angústias advindas no contexto comunicacional e dos surdos em
relação com a língua de sinais no espaço de aprendizado. Este estudo pretende
ser um elemento a mais para enriquecer os diálogos entre Comunidade Surda,
professores surdos e ouvintes e autoridades educacionais no sentido de dar
suporte científico, econômico e político para que as políticas educacionais em
prol dos surdos sejam fortalecidas.
Priorizar ao aluno surdo direito ao intérprete educacional é um passo
inicial, mas, ainda distante daqueles que precisamos dar rumo à autoafirmação
cultural e identitária do surdo enquanto integrante de uma comunidade
linguística, para que ambos, surdos e ouvintes, percebam que não se trata mais
de atender um aluno com necessidades especiais. É o momento de abandonar
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as imagens em torno do professor ouvinte enquanto padrão de normalidade a
ser seguido. Estamos a caminho da formação de uma sociedade educacional
bilíngue onde os alunos surdos apreenderão os conteúdos em língua de sinais
e através da mesma lhes será ensinada a Língua Portuguesa e esse ambiente
expõe os professores numa direção sem volta de contato com a Libras
oportunizando a reflexão e planejamento acerca dessa experiência.
O sucesso da inclusão do surdo na sociedade depende muito do êxito em
sua vida escolar, e esse objetivo é defendido amplamente entre as comunidades
surdas do Brasil e por estudiosos como Quadros (1997, 2004, 2006, 2011, 2017)
através da divulgação de pesquisas na área da educação de surdos foi
consolidado o entendimento que, para o aluno surdo, ensino deve mediado
através da Língua de Sinais, considerada a língua de interação com os
professores e seus pares, inclusive a Libras é sua língua de instrução juntamente
com a língua portuguesa na modalidade escrita.
A Lei 10.436 de abril de 2002 dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais-Libras e outras providências. A lei enfatiza a necessidade de que a
Língua Brasileira de Sinais seja objeto de uso corrente nas comunidades surdas;
procura assegurar a presença de profissionais intérpretes nos espaços formais
e instituições, como na administração pública direta e indireta e a inclusão do
ensino de libras nos cursos de formação de Educação Especial, Fonoaudiologia,
Magistério e profissionais intérpretes, sendo optativo para o aluno e obrigatório
para a instituição de ensino. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da
Educação (MEC), a medida significa que o setor público deverá apoiar e difundir
a libras.
Tais ações foram regulamentadas pelo Decreto nº. 5.626, de dezembro
de 2005, apresentando inclusive cronograma elaborado a fim de que as
instituições de ensino médio e superior incluam a disciplina de LIBRAS nos seus
currículos, a contar da publicação do documento. Em atrês anos, 20% dos
cursos deverão oferecer a disciplina; em até cinco anos, 60%; em até sete anos,
80%; e em dez anos, 100% dos cursos de cada instituição deverão ter a
disciplina no currículo. O processo de inclusão da LIBRAS como disciplina
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curricular deve começar nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia,
Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais
licenciaturas. O decreto dispôs, ainda sobre a regulamentação acerca da
formação do professor e do instrutor de LIBRAS, do uso e da difusão da LIBRAS
e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação, da
formação do tradutor e intérprete, da garantia do direito à educação e à saúde
das pessoas surdas ou com deficiência auditiva e do papel do poder público.
Embora muitos linguistas concordem com a afirmação de ser a língua um
fato social, muito desconfortavelmente nos defrontamos com a necessidade da
existência de uma lei para que uma língua e seus falantes sejam respeitados em
sua culturalidade e potencialidade. Nessa regulamentação percebemos a
manifestação dos atos do poder que no passado se utilizavam dos mesmos
mecanismos, como a religião, o saber instituído e a medicina para aprisionar as
vozes do silencio em círculos sociais estigmatizados imprimindo nos sujeitos
surdos estereótipos de incapazes, anormais e deficientes.
O descaso e a indiferença sobre a necessidade educacional dos surdos
os aprisionam no imaginário social dominante na Idade Média, quando o sentido
da exclusão estava destinado ao mal enquanto erro ou defeito, aos insanos, aos
deficientes, recriando em outro espaço o círculo sagrado em torno dos que
deveriam ser punidos e apartados do convívio social e vivendo na História as
experiências da Segregação, Exclusão (Foucault, 2002, p.113-114). Essas
imagens serão extirpadas da sociedade quando os surdos tiverem a
oportunidade de apreender todos os conteúdos ensinadas na escola, se não
aprendem é porque inadequado é o ensino ofertado ao surdo e não o Surdo!
Todas as civilizações igualmente ricas e importantes.
Independentemente de grupos que historicamente tentaram e tentam
impor suposta “superioridade” de algumas culturas, povos e
civilizações nos currículos das escolas, que por essa razão se tornam:
colonizadas, racistas, classistas e imperialistas porque a todos/as
obrigam e obrigaram a frequentar e esquecer suas raízes culturais e
ancestrais impondo a cultura dos colonizadores (MASCARENHAS,
SANTOS, NIVAGARA, JÍMENEZ 2019, p. 200).
Essas estruturas imaginárias de segregação, exclusão resultaram na
problemática educacional complexa e desafiante nos nossos dias, pois nenhuma
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delas garantiu ao Surdo uma condição Sujeito capaz de articular e manipular
bens culturais para própria emancipação. Até o fim do século XV, não havia
escolas especializadas para surdos na Europa, pois devido ao preconceito
generalizado os surdos foram excluídos da sociedade somente porque não
falavam o que mostra que, para os ouvintes, o problema maior não era a surdez,
propriamente dita, mas sim a falta de fala. Daquela época até hoje, muitos
ouvintes ainda confundem a habilidade de falar com voz com a inteligência dessa
pessoa;
“por meio da comunicação oral a criança vai recebendo informações
sobre tudo... mas não existiria cultura se o homem o tivesse a
possibilidade de desenvolver um digo articulado de comunicação
oral” (Machado, 2002, p.25)
A educação de surdos passou por muitas práticas de ensino
malsucedidas, como exemplo temos a perspectiva do oralismo que atuou
através da educação e da medicina como uma forma de poder gerindo a vida e
o potencial de um grupo minoritário, através medidas de controle da surdez
enquanto deficiência, negligenciando assim o sujeito, sua língua e cultura. As
propostas de ensino para surdos unilaterais criam situações de conflito entre
surdos e ouvintes, criando um impasse que acarreta prejuízos para os surdos,
desta forma a identidade cultural dos surdos fica sendo negada no espaço
escolar reproduzindo um rastro traumático de discursos normatizadores sobre a
o problema da educação de surdos no âmbito da falta de audição, incapacidade
e anormalidade. Hoje é possível perceber que é por meio sim da comunicação
seja Oral ou Sinalizada que o indivíduo recebe informações, constrói herança
cultural e pode ressignificar infinitamente seu mundo.
Apesar de todo preconceito, podemos citar na história pessoas ouvintes
que desenvolveram métodos para ensinar os surdos, Pedro Ponce de Leon foi
considerado o primeiro professor de surdo, em 1541, na Espanha ele utilizava
além de sinais, treinamento da voz e leitura de lábios. É, também, de outro
espanhol, Juan Carlos Bonet, o primeiro manual de educação de surdos
intitulado “Redução das Letras e a Arte de Ensinar a Falar os Mudos” publicado
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em 1619. Charles de L’Epée, nascido na França, criou os “Sinais Metódicos” que
muito se aproximavam da língua francesa e, através deles, ensinava a língua
falada e escrita do grupo socialmente majoritário. Criou também na França, a
primeira instituição para educação de surdos, o “Instituto de Surdos-Mudos”, em
1760.
A partir desse histórico façamos uma ponte sobre o Sujeito do Iluminismo
de Hall (1997) para podemos perceber que os surdos foram objeto de estudo de
ouvintes que, mesmo bem intencionados não questionavam em suas práticas o
discurso hegemônico do grupo dominante de “fazer falar os mudos” objetivando
os maiores benefícios a serviço dos interesses de uma hegemonia linguística e
etnicamente dominante: aqueles que detinham o Poder da fala determinavam o
Saber sobre os surdos prova disso foi o II Congresso Internacional sobre a
instrução de surdos, realizado em Milão, em 1880, quando ouvintes reuniram-se
sufocando a heterogeneidade linguística e minoritária até certo ponto garantida
ao surdo nas escolas, e, a partir daquele encontro decidiram pela substituição
do método combinado, que incluía sinais e oralismo, pelo método Oral puro, o
Oralismo. Afastando das escolas professores surdos, desestimulando alunos,
chegando ao ponto de amarrarem as mãos dos mesmos impedindo o uso de
sinais.
As línguas de sinais sofreram quase um século de silenciamento até os
anos de 1960 quando foram reconhecidas a partir da iniciativa do linguista norte
americano William C. Stokoe que descreveu sistematicamente a língua de sinais
dos surdos americanos e comprovou ser a mesma uma língua complexa como
todas as outras a partir de então outros estudos em fonologia, morfologia e
sintaxe deram suporte aos estudos de Stokoe. A partir de então os surdos do
mundo se apoderaram desse discurso científico como mecanismo de poder
como armas de contestação e exigências de mudanças na contra o poder,
desestabilizando as proposições médicas dentro da prática educacional, no
sentido de negação do dito empreendendo assim movimentos em prol da
educação na língua natural dos surdos e contra a exclusão nos diversos setores
da sociedade.
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Análises e diálogos
A partir dos contextos acima descritos analisamos situações em que
algumas representações sociais impedem em alguns momentos a construção de
um ambiente favorável à convivência de duas línguas de modalidades diferentes,
a Língua Portuguesa de modalidade oral auditiva e a Libras de modalidade
gestual visual. Na Escola Estadual inclusiva com salas bilíngues os surdos
representam um grupo minoritário, a maioria filhos de pais ouvintes ainda estão
no processo aquisição da Língua de Sinais, no entanto se reconhecem entre
seus pares surdos, desenvolvem amizades e vínculos afetivos com a turma,
conseguem questionar e esclarecer dúvidas com intérpretes e professores,
enquanto que os alunos surdos incluídos na rede regular de ensino são
considerados párias pelos colegas, além do atraso da aquisição da Libras
sentem constrangimento em ser os únicos alunos sinalizantes na turma, o
conseguem interagir com os colegas, tem dificuldade de desenvolver vínculos
afetivos e relação de confiança com os intérpretes e professores.
Nas duas escolas quando toca a sirene de entrada, intervalo ou saída eles
se orientam pela movimentação nos corredores dos demais alunos ouvintes.
Embora haja intérprete nas salas de aula dificilmente as aulas são adaptadas
para surdos com recursos visuais. Algumas provas e materiais didáticos são
inapropriados para melhor compreensão dos conteúdos e a maioria dos
funcionários da escola se comunica com surdos através de mímica e gestos
variados obrigando os alunos surdos a uma adaptação forçada pelas
circunstâncias.
Na escola com salas de aula bilíngue se acontece um problema nos
aparelhos de climatização das turmas de ouvintes é sugerido que os surdos
troquem de sala por constituírem menor quantidade de alunos. Demonstrando
obscuramente a menos valia pelo aluno surdo e seu contexto de aprendizagem.
Nas duas escolas a identidade dos alunos surdos segundo o
comportamento e rotina escolar não os caracteriza enquanto comunidade
linguística, nos atos de fala informais e rotineiros (sem a presença do intérprete
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que só atua fora de sala de aula em atividades oficiais da instituição) a Libras é
confundida com gestos e mímica instaurando entre ouvintes e surdos uma
comunicação ruidosa permeada de equívocos e traumas. Percebe-se que a
comunicação fica sacrificada quanto à intenção do emissor da mensagem que,
por não saber a língua de sinas se utiliza de outros recursos culminando algumas
vezes de no ato da recepção o surdo sentir-se desvalorizado e interpretar aquele
ato como uma atitude preconceituosa posto que se configurem atitudes rotineiras
praticadas pela maioria dos ouvintes da comunidade escolar.
A parte administrativa e pedagógica da escola, não tem um conceito
definido sobre o sujeito surdo referindo-se aos mesmos, hora como deficientes
auditivos, surdo-mudo ou surdo, comunicam-se com os alunos surdos com
mediação de intérpretes preferencialmente em sala de aula, e não demonstram
interesse no aprendizado da Língua de Sinais. Ambos, professores e
administração confessam ter vontade de contribuir para o sucesso do ensino e
avaliação oferecidos aos mesmos, porém não um espaço de planejamento
diferenciado para o aluno surdo, capacitação ou diálogo contínuo para que esse
objetivo seja alcançado, até mesmo porque entendem que na escola uma
clientela diversificada, cuja maioria é ouvinte, que acaba priorizando por ter que
atender com os poucos recursos que possui.
Aqui entramos num dos temas que aborda a visão estereotipada sobre
aspectos sociais e linguísticos da comunidade surda. A obra de Louis-Jean
Calvet em seu livro Sociolinguística uma Introdução Crítica (2002) enumera o
posicionamento de alguns linguistas quanto ao entendimento do conceito de
comunidade linguística, diglossia e políticas linguísticas além de nos dar um
panorama geral das contribuições dos estudos em Sociolinguística. O autor cita
o conceito de Joshua Fishman quando ele amplia o conceito de diglossia e
apresenta o termo
Diglossia sem bilinguismo onde em uma comunidade social a
divisão funcional de usos entre duas línguas citando o caso da Rússia
czarista onde a nobreza falava francês e o povo russo.
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Percebemos que esse conceito nos auxilia na compreensão do contato
entre os surdos e ouvintes nesse contexto escolar. A funcionalidade da Língua
de Sinais entre surdos e ouvintes se dá em sala de aula em apenas uma escola
com salas de aula bilíngue na cidade de Porto Velho. Em Guajará-Mirim apenas
o intérprete é realmente bilíngue, ou seja, domina dois códigos linguísticos e é
capaz de recodificar sentenças de um código a outro, enquanto o aluno surdo
além de não compreender sente-se constrangido de sinalizar em uma turma
majoritária de ouvintes. Em algumas situações os intérpretes tentam ensinar aos
surdos sinais relativos ao conteúdo que está sendo ministrado, porém muito
conteúdo fica prejudicado pelo tempo demandado em estabelecer contato visual
com o aluno surdo em meio aos colegas ouvintes e sem referência de um surdo
adulto.
Nessas ocasiões raramente o professor possui algum conhecimento
acerca da aquisição da linguagem de modo a desenvolver uma atitude de
solidariedade com o aluno surdo e coparticipação no processo de tradução e
interpretação e ensino da Libras para o aluno surdo na escola regular.
Nas salas de aula bilíngue os alunos acompanham o intérprete, foi
percebido que falta interação entre professores e intérpretes interagindo através
de exemplos ou parafraseando conceitos para facilita otimizar o trabalho de
tradução e interpretação.
Nas atividades fora da sala de aula e na ausência do intérprete qualquer
forma de comunicação é utilizada. Colocando os ouvintes em atitudes que
presentificam o poder, sendo os mesmos a maioria, entendem que a
comunicação é necessidade dos surdos, submetendo-os à condição de
aceitação dos limites impostos pelos ouvintes que os surdos a Língua
Portuguesa são superficialmente conhecida na modalidade escrita.
Através da diglossia podemos teorizar também o desnivelamento de
poder entre os falantes das duas Línguas. Em muitas comunidades linguísticas,
sabemos da existência de preferência de uma variável em detrimento de outra
por contextos sociais, familiares ou mesmo políticos. Mas no caso da Libras
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SOCIOLINGUÍSTA NO ATENDIMENTO AOS SURDOS EM ESCOLA
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percebemos uma postura Colonialista no sentido de impor ao sujeito surdo uma
comunicação que reserva a sua Língua e cultura o desprestígio social e político.
Nesse caso o bilinguismo é perceptivo na atuação do intérprete frente às
atividades escolares reduzindo a expectativa de construção de sujeitos surdos e
ouvintes bilíngues. Percebemos a carência de uma política linguística no sistema
educacional que introduza na escola um redimensionamento da visão em torno
dos alunos que ainda não sabem a Língua de Sinais e dos profissionais no
sentido de sensibilizá-los de que é dever da escola acolher e prosseguir em
etapas de adaptação para o atendimento do aluno surdo não o contrário.
O surdo é colocado num contexto isolado com relação à diversidade
escolar, como se ser surdo representasse toda extensão de sua existência, e
suas necessidades estariam remediadas simplesmente pela presença de um
intérprete. A escola não percebe na pessoa surda outras representações sociais
como o surdo negro, surdo obeso, surdo deficiente sico, surdo homossexual ou
surdos que carregam em sua experiência marcas sobrepostas da exclusão
social por ser surdo, negro e pobre.
Que este aluno precisa além da sala de aula de um ambiente que
oportunize que essas questões possam fluir naturalmente favorecendo a
constituição de sua identidade. A Língua de Sinais é o principal elemento de
interação entre o indivíduo e a sociedade em que ele atua, é através da Libras
que o mundo se transforma em signo pela associação de significantes visuais e
não sonoros como nós ouvintes no alcance dos significados.
A Potencialidade do desenvolvimento de estruturas, formas,
funções cognitivas visuais... Capacidades surdas não podem ser
entendidas somente em relação ao sistema linguístico próprio da
LSB. A surdez é uma experiência visual e isso significa que
todos os mecanismos de processamento da informação e todas
as formas de compreender o universo em seu entorno se
constroem como experiência visual. Não é possível aceitar de
forma alguma o visual da língua de sinais e disciplinar a mente
e o corpo das crianças surdas como sujeitos que vivem uma
experiência auditiva. Neste sentido as questões didáticas, as
questões do conhecimento etc. devem sem construídas.
(SKLIAR, 2011, p. 32).
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A língua de Sinais é um instrumento de comunicação que eleva o surdo a
condição de sujeito social. A função do intérprete é muito importante, mas
fundamental é que o sujeito surdo esteja imerso num ambiente linguístico e
cultural específico para que ele se expresse na sua dimensão humana e
humanizadora em todos os setores da escola e não restrito a sala de aula.
Para Calvet, (2002) o indivíduo provavelmente é um dos lugares de
contato entre as línguas, surgindo daí o bilinguismo ou aquisição de uma
segunda língua, então nosso interesse na educação de surdos como espaço
onde a relação entre indivíduos falantes de línguas diferentes (sendo o português
de modalidade oral auditiva e a Libras gesto-visual) estão integrados, como é o
caso dos surdos num processo educacional em sala de aula na Escola Bilíngue
para Surdos.
Percebemos nessa escola um ambiente favorável de formação para
sujeitos bilíngues, surdos aprendendo português como segundo língua na
modalidade escrita e ouvintes aceitando a ideia de que precisam tornar-se
fluentes na língua pelo contato constante com surdos e pela política de
implantação de um ambiente bilíngue em todas as atividades rotineiras e
espaços da escola.
No livro Conversa com Linguistas, (Antônio Carlos Xavier, 2005)
apresenta várias definições sobre o que é Língua, alguns linguistas a entendem
como sistema de signos, outros como produto social e histórico, mas todos
concordam que a linguagem é um campo muito mais vasto de construções
sociais, históricas e singulares e que é na linguagem que a língua se constitui
em meio às relações sociais e que ela contribui na constituição do ser como
sujeito. Se a linguagem possibilita a codificação do mundo exterior e interior, uma
das suas funções é representar a realidade, toda experiência humana é expressa
ou transmitida por meios de sinais linguísticos que não se identificam de maneira
real com o objeto ou coisa, mas são representações simbólicas deles.
Os alunos precisam ter sua realidade escolar dominada pela linguagem
enquanto materialização de suas lutas, conquistas e perdas. Na escola com
salas de aula Bilíngue para surdos existem alunos ouvintes que têm irmãos
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surdos, fator necessário para o fortalecimento do bilinguismo do surdo no
contexto familiar e visualizamos nesses alunos uma forma espontânea de
comunicação com alunos surdos.
O poder nesse contexto é negociado entre os falantes que priorizam
prestigiar a Libras enquanto instrumento de comunicação no entendimento que
nas trocas culturais entre ouvintes e surdos os poderes sempre foram desiguais
daí a postura de tentar promover ao aluno surdo o melhor ambiente para que a
competição na vida escolar não seja entre ouvintes e surdos, mas entre alunos
que recebem uma formação bilíngue e multicultural e intercultural. Nesse
ambiente de aulas bilingue os alunos surdos se expressam enquanto
pertencentes a grupos culturais e classes sociais diversificadas proporcionando
uma riqueza de trocas simbólicas.
O Multiculturalismo inscreve-se nessa perspectiva heterogênea
na qual se questiona a hegemonia do grupo étnico dominante e
se reserva lugar à expressão das culturas minoritárias para que
finalmente se promova a igualdade real de oportunidades.
(MACHADO, 2002, p.34).
Com respeito à educação bilíngue, na prática, não bastaria a presença de
alguém em sala de aula ou na escola que soubesse LIBRAS, sendo necessário também
que essa língua fosse respeitada, e presente e que circulasse no espaço escolar no
diálogo entre professores surdos e ouvintes, direção pedagógica e administrativa,
possibilitando assim, a construção do conhecimento (LACERDA, 2009), havendo
necessidade de que outros profissionais da escola tais como: professores bilíngues,
psicólogos, orientadores, supervisores, também soubessem a língua de sinais para
comunicar-se com os alunos Surdos, independentes de intérpretes.
Além das crianças surdas possuírem a potencialidade de
aquisição da língua de sinal elas têm o direito de se
desenvolverem numa comunidade de pares e de construírem
estratégias de identificação no marco de um processo sócio-
histórico não fragmentado, nem cerceado. Refiro-me a uma
política de identidades surdas, onde questões ligadas à raça, á
etnia, ao gênero etc. sejam também entendidas como
“identidades surdas” identidades que são necessariamente
hibridas e estão em processo de transição (SKIAR, 2011, p.30).
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No processo de alfabetização foi constatado que a presença de um professor
Surdo é de fundamental importância não linguística, mas cultural, social
emocionalmente. A relação dos alunos surdos com um surdo adulto é que vai aumentar
a autoestima dos surdos em relação à sua língua e cultura em relação com o outro que
também é surdo.
A maioria dos surdos cresce num universo híbrido e o convívio com adultos surdos
favorece o amadurecimento dessa percepção gerando assim trocas de experiências e
fortalecimento mútuo no sentido de eles desenvolverem na comunidade a solidariedade
e a responsabilidade pela garantia do espaço do surdo na sociedade.
Considerações finais
Na escola inclusiva com salas bilíngues os professores sentem uma
necessidade maior de aprender a língua de sinais, de buscar compreender o
universo que permeia a cultura surda enquanto na escola com salas de aula
regulares os professores demonstram pouca empatia pelo aluno surdo e não
planejam aprender a língua de sinais. A pesquisa revelou que o sentimento de
inclusão na perspectiva dos acadêmicos surdos é uma meta não atingida na vida
dos alunos, pois os surdos em sua maioria são filhos de pais ouvintes que não
sabem LIBRAS fato que acarreta atraso de aquisição da Língua de Sinais. Esse
fato sobrecarrega tanto o Intérprete quanto o professor (não fluentes em
LIBRAS), que para realizar suas atribuições utilizam o tempo da aula para
ensinar os sinais e explicar seus respectivos conceitos. Nas salas de aula
bilingue a Libras é a língua de interação, instrução e comunicação utilizada por
professores surdos e ouvintes, na educação inclusiva carência de
valorização não apenas da LIBRAS, mas principalmente do sujeito Surdo tendo
em vista que existe o aluno surdos e a ausência do professor surdo.
É importante fazermos uma reflexão sobre a questão Multicultural e a
problemática das pessoas Surdas, e a parti de perceber a influência em
determinados contextos da temporalidade, posto que as identidades são
múltiplas e decorrentes do momento vivido pelos sujeitos sociais. Daí a
importância de uma política linguística e educacional estar direcionada com o
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objetivo de assegurar ao aluno surdo um ambiente linguisticamente confortável
e culturalmente constituído por vínculos abertos ao multiculturalismo.
Através desta proposta as escolas poderiam então encaminhar seus
projetos dialogando e proporcionando planos de atividades que visem envolver
toda a comunidade escolar no sentido de os ouvintes enquanto grupo
hegemônico ceder aos surdos e à comunidade surda espaço de convivência e
de atividades fixas dentro da escola como o objetivo de amadurecer em surdos
e ouvintes percepções acerca de ajustes necessários para que o aluno se sinta
acolhido no recinto escolar.
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