Revista Culturas & Fronteiras - Volume 5. Nº 9 - Dezembro/2023
Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA /UNIR
Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/culturaefronteiras/index
ABORDAGENS E PERSPECTIVAS DE RELAÇÕES GEOGRÁFICAS,
HISTÓRICAS E CULTURAIS FRONTEIRIÇAS NA/DA AMAZÔNIA
APPROACHES AND PERSPECTIVES OF BORDER GEOGRAPHIC, HISTORICAL AND
CULTURAL RELATIONS IN THE AMAZON
Wagner Tenório dos Santos
1
Antônio Ramiro de Mattos
2
RESUMO: As discussões elaboradas no artigo demonstram pequenas mudanças que,
imperceptíveis aos olhos de distraídos, são essenciais para compreender as novas relações
socioespaciais da Amazônia em um contexto globalizado. Assim, o artigo traz uma reflexão
acerca das representações fronteiriças na Amazônia, sob um viés humanístico e cultural,
destacando a geopolítica como meio de entender essas interações entre o homem e o espaço.
Espera-se trazer esclarecimentos aos leitores sobre algo que se torna de suma importância para
o contexto histórico em que vivemos, pois, como muitos pesquisadores enfatizam, a
globalização está diminuindo as fronteiras entre as nações, logo, precisamos estar preparados
para suas possíveis consequências.
Palavras-chave: Fronteira, Representações, Geopolítica, Amazônia.
ABSTRACT: The discussions elaborated in the article demonstrate one of the small changes
that, imperceptible to the distracted, are essential to understand the new socio-spatial relations
of the Amazon in a globalized context. Thus, the article brings a reflection about the frontier
representations in the Amazon, under a humanistic and cultural bias, highlighting geopolitics
as a means of understanding these interactions between man and space. It is hoped to bring
clarification to readers about something that becomes of paramount importance to the historical
context in which we live, as, as many researchers emphasize, globalization is narrowing the
boundaries between nations, so we must be prepared for its possible consequences.
Key words: Frontier, Representations, Geopolitics, Amazon.
1
- Graduado em Licenciatura em História pela Faculdade de Rolim de Moura- FAROL. Especialista em História
da Amazônia com ênfase em História de Rondônia. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Profissional
em Educação Profissional e Tecnológica - ProfEPT. Professor EBTT - História no Instituto Federal de Rondônia
- IFRO. Membro do grupo de pesquisa: Observatório das Migrações Internacionais na Fronteira Brasil-Bolívia
OBMIFRO. email:wagner.santos@ifro.edu.br
2
Graduado em Bacharel e Licenciatura em Letras pela Faculdade de Humanidades Pedro II. Especialista em
Ensino de Leitura e Produção Textual pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFFRJ. Mestrando em
Letras do Programa de Pós-Graduação Mestrado Acadêmico em Letras - PPGML da Universidade Federal de
Rondônia UNIR e professor EBTT de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Rondônia IFRO. Membro do grupo de pesquisa: Observatório das Migrações Internacionais na
Fronteira Brasil-Bolívia OBMIFRO. email: ramiro.mattos13@gmail.com
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INTRODUÇÃO
A nossa sociedade tem se vislumbrado com as mudanças de caráter social, político,
econômico e cultural da atualidade. As fronteiras, que antes eram sinônimos de barreiras físicas,
acabam por se adaptar a essas novas mudanças impostas pelo sistema de produção e
socialização, demonstrando outras facetas que até então não eram vistas nas ciências sociais.
Portanto, é imprescindível para o geógrafo, historiador, sociólogo, antropólogo e
linguista refletir sobre os fenômenos geográficos, históricos, sociais, culturais e linguísticos
presentes na sociedade e como repercutem nos conceitos utilizados nas suas respectivas áreas
de estudo. Assim, levando em consideração a globalização e as relações bilaterais entre os
países, o artigo tem como objetivo refletir sobre as representações
3
fronteiriças na/da Amazônia,
levando em consideração a ação humana.
Para realização da pesquisa, valeu-se de discussões e reflexões de autores que se
preocupam em entender como as relações entre pessoas, entre países e entre blocos econômicos
estão entrelaçadas, em que micro repercute no macro e vice-versa, além disso, a pesquisa
procurou trazer para as reflexões, a visão de autores que se preocupam com a região amazônica,
tendo em vista as mudanças recorrentes na sociedade e no mundo. Portanto, o estudo tem como
fonte bibliografias de autores reconhecidos no campo da geografia, da história, da sociologia e
da antropologia.
Os temas foram divididos da seguinte forma: no início foi abordado uma reflexão acerca
da funcionalidade das fronteiras, logo em seguida, foi realizada reflexão acerca da globalização
e sua influência na Amazônia, além de suas representações fronteiriças; na terceira seção foi
apresentada a evolução fronteiriça no espaço amazônico e na última seção foi promovida uma
discussão sobre a tentativa de desconstrução das fronteiras no espaço amazônico a partir
Zoneamento Ecológico-Econômico de Rondônia.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A funcionalidade das fronteiras.
Na educação básica, as escolas das redes públicas e privadas, principalmente nas
disciplinas de geografia e história, ensinam que as fronteiras constituem um marco divisório
3
A palavra “representações” procura enfatizar as manifestações sociais, culturais, históricas e econômicas
oriundas das ações humanas sobre o espaço, tendo como consequência a visualização espacial das fronteiras por
meio dessas representações.
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entre território, no entanto, não são todos os professores que se propõem a apresentar uma
concepção humanística sobre o tema. Assim, quando discutimos a questão das fronteiras,
levamos em consideração que vai além da perspectiva física apresentada pela geografia,
devendo ter em mente que as fronteiras ganham significado a partir da intervenção do homem
no espaço, além disso, analisando as visões e os imaginários criados pelas populações residentes
em determinados territórios, pode-se delimitar de fato, quais os tipos de representações
fronteiriças existentes nesse espaço.
Desse modo, boa parte dos economistas quando vão refletir sobre as fronteiras nos
espaços geográficos, dão certa relevância em suas pesquisas sobre a questão da funcionalidade
das fronteiras, isto é, procuram perceber no espaço-tempo da produção das populações
residentes em determinado território, como meio de configuração espacial, tanto em aspectos
físicos, como também abstratos (psicológicos). Podemos usar como exemplo, para melhor
esclarecimento, a resistência dos grupos indígenas, dos quilombolas e dos ribeirinhos do Vale
do Guaporé, em mudar certos hábitos e costumes tradicionais frente às mudanças impostas pelo
sistema capitalista, além disso, a proteção de suas terras pelo Estado, diante dos avanços
agropastoris e outras atividades econômicas que demandam terras e imbricam em questões
culturais.
Uma ilustração pica que podemos utilizar também como base para o entendimento
dos porquês e das formas de resistências de grupos tradicionais, está no livro da professora da
Universidade Federal de Rondônia - Unir, Avacir (2014), a qual analisa por meio da geografia
cultural a vida das comunidades ribeirinhas do Vale do Guaporé, especialmente a comunidade
de Jesus, destacando as suas vivências como forma de conceber a espacialidade entre o mundo
das águas e o mundo da floresta. Afora disso, o foco principal da obra é entender o ser humano,
ou os ribeirinhos, como indivíduos que procuram preservar suas tradições frente às mudanças
da sociedade através das reinvenções de formas de apropriações do espaço. Desse modo,
percebe-se como estas comunidades se adaptam às mudanças da sociedade sem perder a sua
essência, suas tradições e costumes, chamando estas táticas de ‘culturas desviantes’.
Essa análise é corroborada por Loureiro (2015) que relaciona Amazônia a um local de
vivência espacial associada a pertencimento aos rios e florestas, devido o olhar diferenciado do
homem amazônico sobre si mesmo e seu espaço, contribuindo para que viajantes e estudiosos
busquem a oportunidade de conhecimentos históricos, geográficos e culturais. Nesse contexto,
Fraxe (2004) depois de avaliar a Amazônia como resultado de muitos grupos e correntes
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culturais, conclui: “O homem, a mulher e as crianças amazônicas trazem, ainda, as marcas e os
insumos sociais, biológicos e étnicos de muitos povos, tradições e costumes”.
Tais afirmações reforçam a tese de que a funcionalidade das fronteiras se relaciona, na
maioria das vezes, à questão da permanência de formas não capitalistas num contexto de intenso
crescimento urbano-industrial. Portanto, segundo Castro (1969) e Paiva (1971) a questão dos
costumes e tradições “atrasadas” como setor flexível, capaz de atender aos requisitos do
processo de desenvolvimento conforme as exigências do mercado consumidor, foi concebida
no âmbito do pensamento liberal como um entrave ao desenvolvimento econômico e social.
Hoje, se faz necessário mudar tal concepção, é importante refletir o Lugar como
requisito existencial dessas populações, tendo em vista que não seguem a mesma linha de
raciocínio dos pensadores liberais, assim, os ditos “desenvolvimentos” impostos pelo sistema
capitalista não são atraentes para estes povos considerados “atrasados”. Isso em parte, pelo
conflito de signos em virtude da especificidade da ‘cultura amazônica’ apontado por Loureiro
A cultura amazônica é, portanto, uma produção humana que vem incorporando sua
subjetividade, no inconsciente coletivo e dentro das peculiaridades próprias da região,
motivações simbólicas que resultam em criações que estreitam, humanizam ou
dilaceram as relações dos homens entre si e a natureza. Uma natureza plurivalente
para o homem, da qual ele retira não apenas sua subsistência material, como também
espiritual (Loureiro, 2015 pág. 92).
Logo, a resistência e a criação de certas barreiras culturais, justificam-se muito mais
pela questão existencial e cultural do que material, pois não se preocupam pelo que têm ou
poderão ter, mas pelo que são ou poderão ser.
Assim, refletir sobre a funcionalidade das fronteiras é pensar sobre as diversas facetas
que as englobam, podendo servir como uma divisão territorial feita por elementos materiais,
como rios, montanhas e florestas, como também pode ser percebida e concebida como uma
barreira ideológica, cultural e social feita pelo homem.
A FRONTEIRA AMAZÔNICA A PARTIR DA GEOPOLÍTICA DO SÉCULO XX.
Muitos historiadores enfatizam que o culo XX é uma caixa estupefata de
acontecimentos, isso por que, em menos de 100 anos, vários acontecimentos marcaram a
existência humana. Revoluções científicas e tecnológicas, guerras entre nações, mudanças de
hábitos e costumes, formações e junções de blocos econômicos são alguns dos exemplos
genéricos que podem ser mencionados. Mas, neste trabalho não foi discutido todos estes fatos,
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apenas enfatizado como alguns desses acontecimentos repercutiram na concepção fronteiriça
na/da Amazônia.
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, duas grandes potências mundiais travaram
diversas batalhas político-ideológicas em vários lugares do mundo. Os historiadores
reconhecem a luta entre os Estados Unidos da América - EUA e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas - URSS como marco triunfal para reorganização territorial de diversos
países, entre eles, americanos, africanos e asiáticos. Além disso, foi capaz de modificar em
diversas nações a estrutura de comportamentos considerados na atualidade de “tradicionais”,
sem esquecer de mencionar as diversas facetas e transformações tecnológicas que o homem
conseguiu produzir. Entretanto, é preciso enfatizar que as influências desses acontecimentos
não cessaram após seus términos, mas ainda hoje conseguimos vivenciar em múltiplos
ambientes sociais essas influências.
Entre os resultados desses acontecimentos, pode-se destacar a globalização, que no
presente século tem sido agraciada e debatida constantemente por pesquisadores de diversas
áreas do conhecimento. É interessante observar, que tal fenômeno gera vários outros, como uma
cadeia de DNA, entre estes, podemos destacar aquilo que os geógrafos denominam de
geopolítica, que para alguns não passa de uma simples forma de interpretar os fatos da
atualidade através de informações geográficas. Não obstante, a geopolítica procura analisar os
fenômenos sociais, como conflitos internacionais e nacionais, através de uma interconexão com
os conhecimentos geográficos de determinadas localidades.
Portanto, pensar sobre as fronteiras na/da Amazônia no século XXI é refletir ao mesmo
tempo sobre diferentes acontecimentos regionais, nacionais e internacionais, ou seja, é pensar
o micro contextualizando-o como o macro. Então, interpretar a fronteira amazônica é
possível a partir da inserção do Brasil no capitalismo global decorrente da nova escala da
relação capital-trabalho tendo como referência a produção de um espaço planetário, onde os
estados nacionais conservam suas funções de controle a partir da influência de outros estados.
Por isso que Lefebvre (1978) ao analisar sobre as conjunturas políticas econômicas da
Guerra Fria, acaba mencionando que as políticas nacionais e internacionais dos países do século
XX, estavam (e se transformaram), em um produto específico da clivagem público-privado,
expresso num espaço de duplo caráter: global/fragmentado.
Reflexo de tal fator pode ser extraído do pensamento de Becker (1982, 1984, 1985), que
enfatiza sobre a implantação da nova ordem planetária ser viabilizada pela extensão do espaço-
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estatal-político, em que se mantém o papel político ideológico do Estado na atualidade. Porém,
o fortalecimento das corporações estrangeiras representa perda de poder do Estado na medida
em que os países deixam de ser as unidades econômicas da realidade histórica, passando em
seguida à mantenedores dos meios de manutenção e desenvolvimento dessas empresas nos
próprios países, tendo como consequência a perda do controle de decisão locacional da região
sobre o conjunto do processo produtivo. Exemplo típico no estado de Rondônia, são os
frigoríficos, que procuram as isenções fiscais de municípios, além de outros benefícios, para a
implantação das fábricas, que apesar de gerarem empregos, não contribuem de forma
significativa para o desenvolvimento local.
É nesse contexto que se torna possível interpretar a significância da fronteira amazônica
hoje. Fronteira, nesse contexto, não é sinônimo de terra devoluta, fisicamente falando,
tampouco uma simples colonização agrícola, característicos das interpretações historiográficas
sobre as migrações para Rondônia no contexto do regime militar. Seu traço distintivo consiste
em não apenas levar em consideração o espaço físico, mas também o espaço social, o espaço
político e valorativo que engendra. Assim, segundo a interpretação de Becker (1984), a hipótese
alternativa da fronteira amazônica é considerar a fronteira local e sua incorporação ao espaço
global/fragmentado. Em outras palavras, as fronteiras no espaço amazônico são cercadas e
concebidas pelas expectativas de produção nacional e internacional.
Pensando sobre essas expectativas de produção e levando em consideração os
acontecimentos locais face aos acontecimentos mundiais, a Amazônia assume excepcional
valor estratégico para as expropriações e exploração de empresas e países capitalistas. Assim,
as fronteiras físicas, sociais e ideológicas, são meios propícios para a resistência desses
objetivos econômicos e políticos, cabendo a formação de identidades face a defesa do território.
Entretanto, segundo Becker (1983, 1985), além de pensarmos sobre a preservação da
Amazônia, é necessário, diante dos avanços da globalização, refletir sobre a potencialidade
política em tão ampla escala geográfica, para que possa tornar a Amazônia um local estratégico
por excelência para o Estado empenhar-se em sua rápida estruturação e integração no espaço
global, ao mesmo tempo, em que, na dimensão ideológica, manipula a preservação da imagem
do espaço alternativo.
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A EVOLUÇÃO DAS FRONTEIRAS NO ESPAÇO AMAZÔNICO E AÇÃO HUMANA
SOBRE O MEIO AMBIENTE.
A partir de uma pequena reflexão sobre as fronteiras no contexto da globalização, em
que o micro deve ser pensado em consonância com o macro, é preciso debater sobre a questão
da evolução fronteiriça na Amazônia para ter uma visão panorâmica sobre a ação humana no
território amazonense.
De modo geral, Diniz (2001) ao trabalhar sobre a evolução das fronteiras, afirma que
elas passam por quatro fases distintas, mas que ao mesmo tempo se interligam no processo de
construção fronteiriça, assim são classificadas: pioneira, transitória, consolidada e urbanizada.
Pioneira
A fase pioneira da delimitação fronteiriça é caracterizada pelos primeiros
assentamentos, nos quais o território é marcado pela ausência de florestas desmatadas e
trabalho, por rápido crescimento via imigração, grande disponibilidade de terras, redes de
transporte precarizados, populações predominantemente rurais, etc. Tais áreas concretizam
aquilo que Martins (1975) chamou de “fronteira demográfica”.
Portanto, segundo Henkel (1982), nessas áreas os colonos têm como principal objetivo
ocupá-la e fazê-la produzir. Exemplos típicos na região amazônica, foram as fases de imigração
do século XVI ao século XX, retratado veemente no livro História Regional de Teixeira e
Fonseca (2001), no qual discute a ocupação e consolidação do território amazonense, desde o
período colonial até a formação do Estado de Rondônia.
Transitória
Áreas de assentamentos transitórios são caracterizadas por economias dicotomizadas,
que convivem lado a lado práticas agrícolas de subsistência e comercial, sendo que as últimas
se encontram em franco processo de expansão. Portanto, nota-se nessas áreas a formação de um
incipiente mercado de terra e trabalho (FOWERAKER, 1981). Pode-se usar como exemplo, os
primeiros assentamentos agrícolas feitos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA no século XX, em que as primeiras famílias garantiram a posse de terra e
produziram para suas subsistências, logo em seguida, com maior desenvolvimento, as terras e
a produção ganharam significado valor comercial na região, favorecendo o desenvolvimento
econômico e atraindo empresários capitalistas, o que início ou intensifica o que Martins
(1975) chama de “fronteira econômica”.
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Consolidada
Os assentamentos consolidados são marcados por economias baseadas em agricultura
comercial, concentração de terra em grandes propriedades, mercado imobiliário inflacionado,
presença de grandes empreendimentos agrícolas, sobretudo ligados à pecuária, relações de
produção predominantemente capitalistas, além de gozar de linhas de transportes regulares e
uma boa malha viária (FOWERAKER, 1981).
Essas áreas são também caracterizadas por baixas densidades demográficas, uma vez
que grande parte dos indivíduos que chegaram durante as fases anteriores de evolução, emigrou
para as fronteiras urbanizadas ou outras áreas das fronteiras agrícolas. Aqueles indivíduos que
permaneceram, foram convertidos em trabalhadores assalariados ou lutaram para manter a
posse de suas propriedades.
Urbanizada
Fronteiras urbanizadas são uma herança dos embrionários núcleos urbanos criados no
coração dos projetos de colonização. Conforme prescreve a lei 4.504/ 64 em seu artigo 64
“Os lotes de colonização podem ser: I - parcelas, quando se destinem ao trabalho
agrícola do parceleiro e de sua família cuja moradia, quando não for no próprio local,
de ser no centro da comunidade a que elas correspondam; II - urbanos, quando se
destinem a constituir o centro da comunidade, incluindo as residências dos
trabalhadores dos vários serviços implantados no núcleo ou distritos, eventualmente
às dos próprios parceleiros, e as instalações necessárias à localização dos serviços
administrativos assistenciais, bem como das atividades cooperativas, comerciais,
artesanais e industriais.”
Nesta dicotomia está a fundamentação necessária à criação de núcleos urbanos na
Amazônia. Esses centros urbanos embrionários, presentes nas colônias agrícolas e projetos de
assentamento ao longo de todo o processo evolucionário, ganharam escala e complexidade à
medida em que os níveis de infraestrutura e atividades econômicas se intensificaram, tornando-
se pontos de referências para toda a comunidade.
DESCONSTRUINDO FRONTEIRAS: A QUESTÃO DA IMPLANTAÇÃO DO
ZONEAMENTO ECOLÓGICO- ECONÔMICO EM RONDÔNIA.
Quando analisamos os ciclos de imigração para Rondônia, é inevitável associar tais
evidências com as questões econômicas, assim, o Estado é moldado segundo os interesses da
produção. Como consequência, o crescimento da população e a ação do homem sobre o meio
em que vive acaba se modificando ou até mesmo se desfigurando. Podemos perceber isso, a
partir da década de 70, quando começa a entrar no estado diversos grupos de pessoas em função
dos assentamentos de colonos realizados pelo INCRA.
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Por meio desses assentamentos, observou-se ao longo dos anos o alto crescimento do
desmatamento em função da falta de preocupação por parte do governo e da população em
estabelecer um manejo florestal e planejamento adequado. Assim, a escala de desmatamento
foi e ainda continua sendo intensa sem maiores preocupações com o desequilíbrio estabelecido
ao ecossistema. É nessa conjuntura que se observa pressões nacionais e internacionais no
sentido de reduzir o índice de desmatamento na Amazônia, pois, segundo esses países, a
Amazônia representa, não somente um patrimônio nacional, como internacional.
Como respostas a essas pressões, o governo brasileiro iniciou suas ações em vista a
preservação a partir do Programa de Defesa do Complexo de Ecossistema da Amazônia Legal,
elaborado em 1988, que tinha como objetivo, segundo Cruz (1993), disciplinar a ocupação e a
exploração racional da Amazônia Legal, fundamentando-a no ordenamento territorial.
Entretanto, o grande problema era que tal projeto foi elaborado um pouco tarde, ou seja, havia
dentro do território um certo sistema consolidado, o qual teve como base a quantidade de
imigrantes que entravam no território de forma desorganizada, mesmo tendo o INCRA a
incumbência de assentar esses colonos.
Outra inconsistência feita pelo Governo Federal, foi a elaboração do Plano
Agropecuário e Florestal de Rondônia - PLANAFORO. Tal projeto foi criado com a intenção
de corrigir algumas ações executadas pelo POLONOROESTE que trouxe uma série de
benefícios ao estado, como a consolidação de 23 núcleos urbanos de apoio rural, mas que ao
mesmo tempo causou diversos problemas.
É válido ressaltar a conjuntura política que estava em torno desses dois projetos, isso
por que, as ações do Governo Federal não visavam apenas atender interesses locais, mas
principalmente internacionais, fato esse verificado pela forma e por quem esses projetos foram
financiados, levando-nos mais uma vez a pensar a questão da geopolítica do século XX, que
havia como pressuposto a globalização das relações econômicas, políticas e sociais vivenciadas
em Rondônia. Para esclarecimento, o POLONOROESTE e o PLANAFORO, receberam
quantias volumosas do Banco Mundial, tendo como consequência, o aumento da dívida externa
do país.
Naquela época, surgiu a ideia de realizar um zoneamento em Rondônia, de forma
retardada, como uma tentativa de corrigir o processo de ocupação desordenada e sem
perspectivas socioambientais. Esse zoneamento foi previsto no PLANAFORO, o qual definiu
uma política de ordenamento ambiental para ocupação racional das terras de Rondônia. Previu
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a execução do detalhamento do zoneamento, em especial nas áreas de melhor potencial
produtivo e maior índice de ocupação; o disciplinamento do processo de ocupação econômico;
a definição dos limites; determinação e demarcação das unidades de conservação e preservação,
etc.
O grande problema, era exatamente reordenar algo que estava estruturado, isso porque
a ocupação territorial do estado estava consolidada antes mesmo do projeto vir a público,
execução hoje, quase impossível. Na hipótese da concretização de tal projeto, podemos
imaginar dentro do estado uma série de comoções e conflitos sociais, além disso, era possível
visualizar a desconstrução de fronteiras físicas, ideológicas, emocionais e culturais. Logo, as
fronteiras foram demarcadas, mesmo que desordenadamente pelos imigrantes. Portanto, a
suposta tentativa de implantação do Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE, reconfiguraria
totalmente as fronteiras presentes no estado, tornando-as sem identidade e paralelas à vontade
do estado e não do povo.
Assim, é difícil trabalhar o conceito de fronteiras em um país atrelado ou dependente
dos interesses globais. Isso porque, falta-lhe autonomia de gerenciar seus próprios anseios em
vista do controle político-econômico exercido por outros países. Além disso, fica evidente que
ações que tentam voltar ao status quo, sob o aspecto sociocultural e fronteiriço, como é o caso
de Rondônia e o projeto ZEE, é praticamente impossível, levando-nos a pensar que as fronteiras
surgem espontaneamente em lugares pouco planejados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio dessas reflexões, é possível perceber a importância de se discutir de forma
interdisciplinar as questões que envolvem as fronteiras na/da Amazônia. Assim, quando
utilizamos a Geografia e a História conjuntamente, temos a possibilidade de vislumbrar sobre
um mesmo tema inúmeros olhares. Desse modo, através dos assuntos discutidos, entende-se
que as fronteiras na/da Amazônia não se tratam de um fenômeno estático, mas em constante
transformação, pois as ações do homem sobre o espaço no decorrer do tempo possibilitam
mudanças significativas nas formas de se representar as fronteiras, como também, evidenciam
tentativas de preservação socioculturais.
Além disso, foi possível compreender a influência da globalização nos processos de
reconfiguração espacial, o qual por meio da geopolítica, pode-se entender a importância das
representações fronteiriças em um contexto histórico que valoriza a interação dos
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acontecimentos em nível local com os de níveis globais, ou seja, o micro sobre o macro. Assim
sendo, quando analisamos a questão das fronteiras na Amazônia sob a ótica da globalização,
podemos visualizar mudanças significativas nas inter-relações políticas, econômicas e jurídicas
entre os países, exemplo disso é a questão da soberania, que o próprio Estado tem perdido
legitimidade de controle sobre seu espaço territorial devido às pressões internacionais.
Assim, pode-se concluir por meio da pesquisa que, ao refletir sobre as fronteiras na
Amazônia e suas representações, é necessário pensar a ação do homem sobre o espaço, além de
perceber as mudanças que acontecem em níveis locais que são consequências de aspectos
regionais, nacionais e internacionais em uma perspectiva globalizada.
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Revista Culturas & Fronteiras - Volume 5. Nº 9 - Dezembro/2023
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