Revista Culturas & Fronteiras Volume 12 Nº 1- Outubro/2025
Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA /UNIR
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia
Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/culturaefronteiras/index
AS CARTAS FRONTEIRIÇAS E AS REPRESENTAÇÕES
EMOCIONAIS DE ESTUDANTES BRASILEIROS E BOLIVIANOS
LAS CARTAS DE FRONTERA Y LAS REPRESENTACIONES EMOCIONALES DE
ESTUDIANTES BRASILEÑOS Y BOLIVIANOS
Lumaína do Nascimento
1
Renata Gonçalves Paez
2
Zuíla Guimarães Cova dos Santos
3
Resumo: Este artigo investiga as representações emocionais presentes em cartas
escritas por estudantes brasileiros e bolivianos, o projeto envolveu de professores,
alunos, pais, acadêmicas e pesquisadoras. A partir dessa experiência surgiu nosso
problema de pesquisa: Quais são as experiências emocionais representadas nas
cartas fronteiriças escritas por estudantes brasileiros e bolivianos? O objetivo geral foi
buscar identificar as representações emocionais e culturais presentes nos textos
escritos pelos estudantes participantes. A metodologia da pesquisa-ação garantiu um
percurso investigativo no qual os pesquisadores e os participantes estão envolvidos
de modo cooperativo em processo de ação e reflexão. Os textos das cartas trazem
representações das memórias afetivas de lugares, relações e práticas, mas também,
expõem as relações de acolhimento e afeto a partir da amizade construída através
das cartas.
Palavras-chave: Escrita bilíngue; Afetividade; Cultura.
Resumen: Este artículo investiga las representaciones emocionales presentes en
cartas escritas por estudiantes brasileños y bolivianos. El proyecto involucró a
docentes, estudiantes, padres, académicos e investigadores. De esta experiencia,
surgió nuestra pregunta de investigación: ¿Cuáles son las experiencias emocionales
representadas en las cartas fronterizas escritas por estudiantes brasileños y
bolivianos? El objetivo general fue identificar las representaciones emocionales y
culturales presentes en los textos escritos por los estudiantes participantes. La
metodología de investigación-acción garantizó un proceso de investigación en el que
1
Graduada em Pedagogia. Universidade Federal de Rondônia-UNIR. ORCID
https://orcid.org/0009-0002-4475-4034 . E-mail: lumaina99@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia. Universidade Federal de Rondônia-UNIR. ORCID (obrigatório). E-mail:
rg003paez@gmail.com
3
Doutora. Universidade Federal do Paraná - UFPR. ORCID. https://orcid.org/0000-0002-4631-4772
E-mail: zuilagc@unir.br
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AS CARTAS FRONTEIRIÇAS E AS REPRESENTAÇÕES
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investigadores y participantes participaron cooperativamente en un proceso de acción
y reflexión. Los textos de las cartas transmiten representaciones de recuerdos
afectivos de lugares, relaciones y prácticas, pero también exponen las relaciones de
aceptación y afecto construidas a través de la amistad que se forja a través de ellas.
Palabras clave: Escritura bilingüe; Afectividad; Cultura.
Introdução
O curso de Pedagogia nos oportunizou a diversas experiências práticas, que
se somaram aos fundamentos teóricos estudados e discutidos ao longo do processo
de formação. Como o Campus Jorge Vassilakis/UNIR, onde estudamos, está
localizado na zona urbana do município de Guajará-Mirim/RO, cidade que faz fronteira
com a cidade boliviana de Guayaramerín/BO departamento do Beni na Bolívia. Nossa
cidade apresenta uma intensa diversidade cultural, não apenas pela presença de
bolivianos e seus descendentes brasileiros, mas também pelas comunidades
indígenas situadas no entorno do município, nas áreas de reserva legal, além de
descendentes de quilombolas e migrantes nacionais vindos de todas as regiões do
país.
Esse cenário pluricultural também se manifesta nas escolas, espaço onde
realizamos muitas atividades de extensão e práticas de estágio. As experiências
nesse ambiente foram essenciais para conhecermos as relações vividas no cotidiano
escolar, onde pudemos observar as dificuldades que estudantes imigrantes e
professores têm em compreender a escrita e a fala do outro. Essa dificuldade gera o
isolamento de estudantes, que, por vergonha de se comunicar, acabam se
silenciando, o que traz consequências para o processo de ensino e aprendizagem.
Neste sentido, destacamos as relações vividas pelas populações fronteiriças
das cidades - gêmeas
4
, conhecidas popularmente como cidades irmãs. Segundo
Martins (1997):
4
As cidades gêmeas são pontos estratégicos da soberania nacional, mas essas cidades
dificilmente podem ser vistas dentro de uma perspectiva apenas nacional ou internacional,
pois se configuram como ponto de encontro de construções histórico-sociais, que não se
limitam às fronteiras oficiais fundadas pela soberania nacional de cada país. (SANTOS, 2016,
p.41).
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[...] fronteira de modo algum se reduz e se resume à fronteira geográfica. Ela
é fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização (demarcada
pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e
visões de mundo, fronteira de etnias, fronteira da História e da historicidade
do homem. E, sobretudo, na fronteira do humano (p. 13).
A fronteira que abordaremos neste estudo perde sua característica de limite
territorial e de separação. No dia a dia esse limite parece desaparecer devido ao
número de pessoas que se deslocam entre as duas cidades. O rio Mamoré, que limita
os territórios brasileiro e boliviano, não impede o constante contato social entre os
povos, tendo como principal meio de transporte o fluvial.
As voadeiras (lanchas) são responsáveis por realizar as travessias diárias,
tanto de bolivianos para o lado brasileiro quanto de brasileiros para o lado boliviano.
É cobrada uma taxa de embarque, que atualmente custa R$13,00 (treze reais) para
brasileiros na ida, enquanto a volta é em pesos bolivianos, conforme o câmbio oficial
do dia. Contudo, transportes mais baratos, como os “peque-peque”, que são
canoas de madeira com motores tipo “rabêta”, utilizados para transportar mercadoria.
Por terem um custo menor, algumas pessoas optam por esse meio para se deslocar
entre os dois países, sendo os bolivianos os que mais utilizam essa alternativa.
No que se refere ao deslocamento para estudo, há brasileiros que estudam na
Bolívia e bolivianos que estudam no Brasil. A maioria dos brasileiros, que opta por
estudar na Bolívia busca a formação superior na área da medicina, tendo em vista que
a mensalidade é bem menor se comparada à de uma Universidade privada no Brasil.
No entanto, também estudantes brasileiros na educação básica boliviana, filhos de
migrantes brasileiros.
A comunicação é um grande desafio para esses estudantes que migram para
outro país ou apenas se deslocam para estudar. Apesar de muitos residirem na
fronteira há bastante tempo, não adquiriram as habilidades e competência linguística
necessárias às interações dialógicas nos espaços formativos do país onde estudam.
Essa situação gera lacunas no processo de aprendizagem e compromete a inclusão
desses estudantes no ambiente escolar.
Apesar da proximidade entre as duas populações e da interação cotidiana, a
língua muitas vezes se torna a principal barreira para um verdadeiro acolhimento e
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aproximação das pessoas nessa região fronteiriça. Tendo em vista que: - Se não
consigo entender o que o outro fala e expressa, como posso conhecer sua história,
suas necessidades, suas habilidades e construir relações mais humanizadas e
abertas às vozes da fronteira?
Nessa linha de raciocínio, Weissmann (2020, p. 63), nos ajuda a entender a
importância das práticas interculturais: “A interculturalidade não pode propor que uma
cultura seja superior à outra, apenas diferente, em diálogo e em situação.” Ou seja,
os valores que defendemos, o contexto histórico-cultural no qual estamos inseridos,
nosso idioma, nossas práticas de trabalho entre outros aspectos, formam nossa
identidade e, portanto, devem ser respeitados
Compreendemos que entender o espaço intercultural da fronteira, significa
pensar em possibilidades de práticas e estratégias que estimulem as interações
linguísticas entre brasileiros e bolivianos, a partir de uma consciência e respeito à
cultura do outro. Foi nesse caminho que conhecemos o projeto de Iniciação Científica
-PIBIC “Fronteirizar: as vivências da fronteira representadas em cartas escritas por
estudantes brasileiros e bolivianos”, coordenado pela Prof.ª Dr Zuila Guimarães
Cova dos Santos, professora do Departamento de Ciências da Educação-UNIR.
Passamos a atuar como pesquisadoras voluntárias no projeto e, nesse percurso,
surgiu nossa problemática de pesquisa: Quais são as experiências emocionais
representadas nas cartas fronteiriças escritas por estudantes brasileiros e bolivianos?
Para responder nossa questão problematizadora foi necessário o
desdobramento de outras subquestões: a) como é o processo de interação entre
estudantes brasileiros e bolivianos? b) O que a troca de cartas proporcionou aos
estudantes brasileiros e bolivianos? c) Quais interações emocionais representadas
nas cartas?
Nessa perspectiva, nossa investigação foi pautada nos fundamentos da
pesquisa-ação.
Thiollent (1988, p.14) define a pesquisa-ação como:
Um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo.
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A escolha da metodologia está alinhada às nossas ideias, fundamentada de
uma visão cooperativa e participativa, na qual os envolvidos podem compartilhar suas
vivências e experiências para que os problemas sejam compreendidos e, então,
solucionados de forma colaborativa.
Na sequência, descreveremos o campo onde a pesquisa ocorreu,
aprofundando nossas discussões acerca de conceitos que nos auxiliaram na
compreensão dessa realidade. Apresentaremos nosso percurso investigativo e os
resultados alcançados.
AS CARTAS: FRONTEIRA, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO
EMOCIONAL
As cartas no projeto aqui apresentado foram ponto de estudo central para todo
o trabalho que estamos desenvolvendo, tendo em vista que a escrita de cartas foi, por
décadas, uma das principais formas de comunicação. Antes do avanço tecnológico e
da popularização de meios digitais, como e-mails, mensagens de texto e aplicativos
de conversa, as cartas eram a única maneira de trocar informações à distância. Mais
do que transmitir mensagens, elas permitiam a expressão de sentimentos e emoções
de forma pessoal e significativa. Assim como proposto por Foucault (1992, p. 145), “a
carta enviada age sobre aquele que a envia em virtude do próprio gesto da escrita
e também atua, pela leitura e releitura, sobre aquele que a recebe”.
Neste sentido, ao realizarmos o projeto tivemos a oportunidade de resgatar o
valor da comunicação por cartas, por meio da troca de correspondências entre alunos
fronteiriços. Esse processo destacou suas identidades culturais, tanto individuais
quanto compartilhadas, além de possibilitar reflexões sobre a importância dessas
interações para o desenvolvimento emocional. Portanto, as cartas foram objeto de
estudo na nossa pesquisa, tendo em vista que as trocas ocorriam quinzenalmente e,
ao escrevê-las, os alunos expressavam seus discursos sobre sua vida cotidiana.
Este trabalho enfatiza a importância de trazer à tona as experiências de vida
dos nossos estudantes, revelando as Representações Sociais construídas a partir do
seu cotidiano na fronteira. Segundo Jodelet (2001), essas representações são sociais
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porque emergem da interação entre indivíduos que compartilham o mesmo mundo,
servindo de apoio mútuo para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo seja de
forma convergente ou conflituosa.
Para discutir as vivências, trazemos Evaristo (2020, pg. 38), que reflete: “Como
pensar a escrevivência em sua autonomia e em sua relação com os modelos de
escrita do eu, auto ficção, escrita memorialística.” Acreditamos que o ato de escrever
a própria história permite aos alunos expressarem suas vivências e exporem suas
realidades. Dessa forma, com base nas vivências desses estudantes brasileiros e
bolivianos ao escreverem cartas com a narrando suas histórias de vida cotidiana,
percebemos as emoções que trazem em suas escritas e memória.
Para analisar as cartas, utilizamos o método da análise de discurso de Orlandi
(2007, pg. 26,27), que destaca:
A análise de discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico
produz, como ele está investido de significância para e por sujeito. Essa
compreensão, por sua vez, implica em explicar como o texto organiza os
gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido.
Segundo Orlandi, a análise não é feita somente a partir do que está escrito ou
falado, mas também por pequenos gestos que muitas vezes passam despercebidos.
Dentre esses gestos, podemos considerar que sentimentos e atitudes podem ser
detectados por meio da fala ou até mesmo da forma de se comunicar.
Segundo Wallon, (2008, pg. 165), “[...] sendo de origem social, a linguagem
impõe aos dados da consciência os quadros de convenções ou de experiências
tradicionais que dependem do grupo e de sua vida coletiva”. Portanto, ao
internalizarmos a linguagem, internalizamos também as formas de pensar, valores e
compreensões compartilhadas por nossa comunidade. Esses "quadros" linguísticos
atuam como filtros e organizadores dos dados sensoriais e das experiências,
influenciando a maneira como atribuímos significado ao que nos cerca. Assim, ao
analisarmos as cartas escritas pelos alunos, percebemos diferenças significativas na
forma como se expressam. As cartas refletem não apenas a passagem do tempo, mas
também a evolução das relações interpessoais e na consciência que internalizam no
seu grupo de vida social.
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Para discutir a questão das fronteiras, especialmente das cidades gêmeas, é
imprescindível referenciar Santos (2019, p. 07), que afirma:
A fronteira é um limite territorial submetido a um ordenamento nacional, mas
também um espaço de interação, onde as relações nem sempre são
pacíficas. A instabilidade característica dessas regiões reflete o convívio de
populações distintas, com valores sociais, culturais e políticos muitas vezes
divergentes.
Essa perspectiva se aproxima da realidade observada em nossa pesquisa de
campo. Ao visitarmos o país vizinho, fomos calorosamente recebidos por professores,
pais e estudantes, o que nos permitiu vivenciar de perto seus valores e sua cultura.
Com base nessa experiência, identificamos Marcilha (2017, p.88) para
defender a ideia de que,
[...] quando transitamos em um espaço fronteiriço são acionados alguns
mecanismos de “saber estar”, “saber viver” e “saber transitar” por essa região.
O anonimato mistura-se à necessidade de caracterizar o interlocutor [...]. A
fronteira é, quiçá, o lugar de excelência em que pertence a um lado ou outro
é evidentemente explícito nas relações que lá se estabelecem.
Por meio dessa pesquisa, identificamos a importância da fronteira e de sua
cultura local, pois tivemos a oportunidade de interagir e conhecer o “outro”, seu
idioma e seu modo de vida, não apenas pela análise das cartas, mas também pela
experiência de visitar e transitar pelo país vizinho.
Vygotsky, com sua teoria histórico-cultural, ressalta a importância do espaço
social e das condições de vida no desenvolvimento da criança. Wallon, por sua vez,
contribuiu significativamente para a compreensão do desenvolvimento emocional,
focando na educação e nas relações sociais. Esses conceitos, o estudo evidencia a
relevância da troca de cartas para o desenvolvimento emocional e cultural dos alunos,
pois elas se mostraram uma ferramenta eficaz para a expressão de sentimentos e a
reflexão sobre a identidade cultural. Diante disso, prosseguiremos com o relato do
desenvolvimento da pesquisa.
TRAJETÓRIA DA PESQUISA
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A experiência com a fronteira está diretamente relacionada ao nosso cotidiano,
abrangendo a família, o trabalho e as atividades educacionais. O curso de Pedagogia,
por meio de projetos de extensão e das práticas de estágios, permitiu um
conhecimento mais aprofundado sobre a realidade escolar na região fronteiriça.
Embora residamos em uma região de fronteira com a Bolívia, percebemos que
a maioria das pessoas que vivem nas cidades limítrofes apresentam dificuldades para
falar e compreender a língua do país vizinho. O domínio restringe-se, em geral, a um
conjunto básico de palavras utilizadas para compras e lazer, especialmente em
espaços comerciais e restaurantes. Assim, a língua se torna uma barreira para
diálogos mais profundos, e para obtenção de informações mais detalhadas sobre
determinados assuntos.
Dentro do ambiente escolar essa realidade se torna ainda mais desafiadora.
Nas atividades práticas de formação, frequentemente nos deparamos com alunos
bolivianos que permanecem quietos e calados, muitas das vezes sentados no fundo
da sala. Portanto, se o professor não intervir com estratégias linguísticas para incluir
o estudante no processo de aprendizagem da língua portuguesa, é provável que o
aluno enfrente dificuldades em seu desenvolvimento escolar.
A presente pesquisa tem como base as atividades de escritas realizadas por
meio do Projeto de Iniciação Científica PIBIC “Fronteirizar: as vivências da Fronteira
representadas em cartas escritas por estudantes brasileiros e bolivianos”. O estudo
nasceu a partir da análise das cartas produzidas por estudantes brasileiros e
bolivianos. Como objetivo da pesquisa, buscamos identificar e analisar escritas
emocionais representadas nas cartas.
O Projeto de Iniciação Científica foi coordenado pela Profa. Dra. Zuila
Guimarães Cova dos Santos e envolveu quatro professoras brasileiras e quatro
professoras bolivianas, responsáveis por mediar o processo de escrita dos estudantes
e o envio das cartas às escolas parceiras. Na cidade de Guajará-Mirim
(Rondônia/Brasil), participaram quatro escolas: Escola Municipal de Ensino infantil
e Fundamental Cândida Maria Moura de Paula, Escola Municipal de Ensino
infantil e Ensino Fundamental Professor Salomão Silva, Centro Educacional
Novo Milênio e Instituto Estadual Paulo Saldanha, e em Guayramerín
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(Beni/Bolívia) tivemos a participação de três escolas: Unidad Educativa San José Fe
y Alegría, Unidad Educativa Miguel Antelo Antelo e Unidad Educativa Nacional
de Guayaramerín.
A metodologia de pesquisa foi baseada nos estudos qualitativos, que segundo
GIBBS, (2009, p. 17):
[...] os dados qualitativos são essencialmente significativos, mas, mais
do que isso, mostram grande diversidade. Eles não incluem contagens
e medidas, mas sim praticamente qualquer forma de comunicação
humana escrita, auditiva ou visual; por comportamento, simbolismos
ou artefatos culturais [...].
Nesse sentido, os dados da pesquisa qualitativa são considerados valiosos,
pois seus significados e contextos são capturados de um entendimento mais profundo,
incluindo diversas formas de comunicação humana.
Deste modo, optou-se por seguir os fundamentos da pesquisa-ação para
acompanhar todo o processo de produção das cartas e as interações entre os
participantes, garantindo os ciclos de escrita, leitura, pesquisa do vocabulário e envio
ao país vizinho, além da entrega aos respectivos destinatários. Thiollent, (1947),
destaca a importância das etapas de avaliação ao longo do processo de pesquisa
para solucionar problemas que possam surgir. Algumas ações foram replanejadas
para atender a demandas imprevistas, como a ausência de estudante por motivo de
doença ou viagem, que dificultam o cumprimento do fluxo de leitura, interpretação e
escrita das cartas dentro do prazo de envio. Para solucionar essa situação, foi
necessário reorganizar datas para atender os alunos e encaminhar suas cartas.
Ao longo do projeto, foram realizadas reuniões para avaliar o processo de
pesquisa e reorganizar o planejamento conforme as necessidades identificadas.
Sendo necessária a criação de arquivo virtual contendo as cartas produzidas pelos
estudantes, imagens dos momentos de interação e os documentos de autorização
dos responsáveis para participação no projeto.
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Além disso, foram produzidos materiais digitais e impressos, realização de
entrevistas semiestruturadas com pais e professores e organização de grupo local
com os responsáveis.
Outro momento importante a ser citado, refere-se ao encontro presencial
ocorrido na Bolívia, no qual pode ser aprender e conhecer mais sobre a cultura do
país vizinho.
Além dos encontros presenciais, também foram realizadas atividades virtuais,
nas quais ocorreram a apresentação dos estudantes, atrás da plataforma Google
Meet.
A escrita das cartas ocorreu no período de agosto a dezembro de 2024, o
processo de escrita era feito em horário contrário ao de matrícula dos estudantes,
geralmente nas escolas.
As professoras participantes do projeto orientavam no processo de leitura das
cartas recebidas, pesquisa das palavras desconhecidas em dicionários, para facilitar
o entendimento do texto e a aprendizagem de novas palavras do idioma novo.
Em um segundo momento era feita a escrita da nova carta, na primeira parte
do texto o estudante tinha liberdade de escrever, sobre o assunto que quisesse e na
segunda parte, sempre havia um tema para ser apresentado a partir da experiência
pessoal de cada estudante. Os temas eram direcionados pela nossa equipe de
pesquisa, eles escreveram sobre a alimentação, lazer, brincadeira, música, dança,
trabalho (casa e economia), livros e filmes. Conforme imagem 5. A escrita da nova
carta levava, em média, 15 dias, conforme o fluxo representado no próximo tópico.
Resultados e Discussão
Participaram do projeto de escrita das cartas fronteiriças 20 estudantes de
escolas públicas e privadas: 10 estudantes brasileiros e 10 estudantes bolivianos.
Como critério de participação, os estudantes precisavam gostar de escrever e ler. Eles
estavam matriculados no 4º e 5º ano do Ensino Fundamental I, com idade entre 10 e
11 anos. Também participaram estudantes do e ano do Ensino Fundamental II
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com idade entre 15 e 16 anos. Quanto aos participantes bolivianos, o grupo possuía
idades semelhantes e cursava etapas de ensino equivalente ao sistema brasileiro.
Ao longo de quase um semestre, esses estudantes se comunicaram por meio
de cartas escritas manualmente na língua do seu país de origem, ou seja, os
brasileiros escreveram em português e os bolivianos escreveram em espanhol. Ao
todo, foram produzidas 120 cartas. Esse processo de escrita representou uma valiosa
oportunidade de imersão cultural e linguística, permitindo um contato mais amplo com
as culturas e as vivências dos países vizinhos, Guayaramerín (Beni/BO) e Guajará-
Mirim (RO/BR). Além disso, possibilitou que alguns estudantes tivessem seu primeiro
contato com um novo idioma e um sistema de escrita diferente do seu.
No contexto da aprendizagem de línguas, é natural que os estudantes passem
pelo estágio da interlíngua, ou seja, antes de atingirem a proficiência na língua-alvo,
percorrem diferentes etapas no processo de aquisição linguística. Para García (2017),
os falantes bilíngues possuem um único repertório linguístico composto por diversos
elementos, como sons, palavras, expressões e gestos, entre outros. Ou seja, não se
trata de duas línguas que são acessadas separadamente, mas sim de repertório
integrado, utilizado de acordo com o interlocutor e a situação da fala.
Portanto, vale destacar que a escrita das cartas fronteiriças contribuiu para a
ampliação do conhecimento de novas palavras no idioma do país vizinho, além de
proporcionar uma experiência significativa de escrita manual. Em uma sociedade
digital cada vez mais distante de práticas como essa, a escrita a mão ganhou
relevância especial.
Os textos produzidos pelos vinte participantes geraram informações
importantes e, a partir deles, foi possível analisar as representações emocionais
presentes nos documentos, as quais serão apresentadas e analisadas a seguir.
Aspectos emocionais representados nos textos das cartas
Para identificar os aspectos emocionais representados nas cartas, optamos por
analisar os textos de seis estudantes - três brasileiros e três bolivianos -, que serão
identificados com nomes fictícios, conforme a tabela 1.
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Tabela 1:Informações dos alunos selecionados
NOME
NACIONALIDADE
IDADE
ESCOLA
ANO
RESPON-
SÁVEL
María
Boliviana
9 anos
San José Fe y
Alegría
4to - Primaria
Mãe
João
Brasileiro
9 anos
EMEIEF Prof
Salomão Silva
3° ano -
Fundamental I
Mãe
Kelly
Boliviana
15 anos
Dr. Elmer
Bosttford
Cadeb
4to -
Secundaria
Pai
Ana
Brasileira
9 anos
EMEIEF Prof
Salomão Silva
3° ano -
Fundamental I
Mãe
Glenda
Brasileira
14 anos
Paulo
Saldanha
9º ano -
Fundamental II
Mãe
Karen
Boliviana
10 anos
Nacional de
Guayaramerín
5ºto - Primaria
Mãe
Fonte: Elaboração própria, 2025.
Os alunos mencionados acima aceitaram participar do projeto Cartas
Fronteiriças, engajando-se ativamente na escrita com entusiasmo. Dessa forma,
estabeleceram laços de amizade e compartilham de experiências.
Dentre as cartas produzidas pelos estudantes apresentados na tabela 1,
identificamos trechos significativos para uma análise do discurso baseado nos estudos
de Orlandi (2007). Buscamos compreender o conhecimento socialmente construído e
como essas experiências estão representadas no texto. A autora destaca o conceito
de interdiscurso, considerando que o efeito ou sentido não está apenas no texto
escrito, mas também que não é explicitamente dito.
A análise de dados foi fundamentada na escrita das cartas e nas entrevistas
realizadas com os responsáveis. Retiramos um recorte das entrevistas e o
transcrevemos para facilitar a compreensão. Para identificar as representações
emocionais expressas nas cartas, destacamos palavras e expressões recorrentes nos
textos dos estudantes e nos relatos dos pais, que evidenciam tais emoções.
Destacamos a importância da comunicação na manifestação de sentimentos e
emoções, o que nos permitiu categorizar diferentes aspectos a serem analisados.
Essas categorias serão exploradas a partir das produções escritas dos alunos e das
falas dos responsáveis. Entre os principais temas identificados nas cartas, destacam-
se: laços afetivos e valorização da cultura.
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Laços afetivos
Durante a leitura das cartas, um ponto que nos chamou a atenção foi a forma
de escrita dos estudantes, que sempre buscavam um tom carinhoso ao se comunicar
com os amigos. Segundo Vygotsky, “A linguagem origina-se, em primeiro lugar, como
meio de comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam”. Nesse sentido, a
linguagem transforma-se em uma forma de organização da consciência humana. Para
Wallon (1942), trata-se de uma nova forma de experiência emocional.
Podemos identificar, no texto de alguns estudantes, palavras carinhosas
direcionadas aos colegas de fronteira:
“Olá meu amigo, tudo bem? Estou muito feliz por estar fazendo essas cartas.’’
“Abraços amigo, até logo!!” (Ana, menina brasileira).
“Minha querida amiga amei sua carta e percebi que temos muita coisa em
comum” (Glenda, menina brasileira).
“Me siento muy alegre de poder te responder nuevamente tucarta”. “Me despido
con un fuerte abrazo y un beso” (Maria, menina boliviana).
No início da troca de cartas, os alunos se comunicavam de forma mais formal.
Porém, à medida que a escrita avançava, os laços afetivos começaram a surgir, e o
desejo de conhecer melhor o novo amigo ou amiga tornou-se mais evidente na
redação das cartas.
A linguagem entre os alunos passou a se diferenciar: as palavras adquiriram
um tom carinhoso, e as perguntas refletiam curiosidade. As cartinhas continham
adesivos, desenhos afetuosos, e até pequenas lembrancinhas enviadas por alguns
estudantes.
Ao analisar um trecho da carta de Ana (menina brasileira), o uso de expressões
como "Olá, meu amigo" e "Abraços, amigo" indica o quanto a estudante está feliz por
conhecer e se comunicar com seu novo amigo, construindo assim uma grande
amizade. A cada carta trocada, eles se aproximam mais e buscam se conhecer,
demonstrando um sentimento de alegria e prazer.
No final de cada carta, os estudantes escolhem uma palavra carinhosa para se
despedir de seu amigo. Além disso, a frase "Estou muito feliz por estar fazendo essas
cartas" evidencia a gratidão da estudante pela oportunidade de se comunicar com
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EMOCIONAIS DE ESTUDANTES BRASILEIROS E BOLIVIANOS
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alguém de outro país, com um idioma diferente do seu. A felicidade também pode ser
observada na escrita da estudante, que a troca de cartas como algo prazeroso,
ressaltando o quanto essa experiência é significativa para ela.
Percebemos que as cartas não se limitavam à escrita, mas representavam uma
vivência nova para esses. As relações sociais construídas a partir desse intercâmbio
foram fundamentais para o desenvolvimento emocional, pois, por meio dessas
interações, uma grande amizade pode surgir. Segundo Luria (2010), "Escrever é uma
das funções culturais típicas do comportamento humano". Vygotsky (2010)
complementa ao destacar que "[...] escrever significa, na realidade, estabelecer um
certo número de hábitos que, por si sós, não alteram absolutamente as características
psicointelectuais do homem [...]".
Podemos observar na fala da mãe de Ana, o impacto positivo que essa
interação teve na vida da estudante. O relato a seguir ilustra essa transformação:
“No começo ela ficou um pouco confusa, com a linguagem, pois era algo novo
para ela. Mas, conforme as cartas foram sendo trocadas, ela começou a gostar. Sua
curiosidade e interesse em conhecer a história do amiguinho eram perceptíveis. Cada
dia em que deveria escrever uma carta, ela ficava entusiasmada, e falava: - Mãe,
hoje é dia de escrever! Já chegou à cartinha do meu amiguinho! E assim, entre cartas
trocadas, eles construíram uma grande amizade”.
A mãe destacou em seu relato que o idioma não foi obstáculo para a filha, pelo
contrário, despertou ainda mais sua curiosidade. À medida que escrevia e recebia a
carta do amigo, Ana se sentia mais feliz, pois sabia que a troca de correspondências
traria novas palavras para ela aprender e ajudar na comunicação com seu colega
boliviano. Assim, os laços afetivos foram fortalecidos por meio dessas experiências.
4.4 Valorização da cultura
O respeito à cultura é um processo que busca reconhecer, preservar e divulgar
as tradições, costumes, manifestações artísticas e patrimônios culturais de uma
determinada região ou comunidade. Segundo Santos (2006, p. 44-45):
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“Cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade. Não
diz respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções. [...] Cultura é um produto
coletivo da vida humana.”
Nesse sentido, trouxemos o recorte de três textos que representam o
conhecimento que os estudantes tinham da própria cultura local e que compartilharam
por meio das cartas com o colega de escrita.
“Quando escuto a consagração do estandarte do Boi Malhadinho
5
eu
simplesmente preciso dançar! É como se o ritmo me puxasse para a pista. Dançar é
uma forma de me expressar, e cada movimento parece contar uma história” (Glenda,
menina brasileira, 14 anos)
“Mi danza qué me gusta bailar taquirari acá en Guayaramerin comúnmente se
bailar los toritos se disfrasan de toro en mi colégio...” (Karen, menina boliviana, 10
años)
“Hoy te queria contar acerca de las danzas y musicas que son mis favoritas
como la danza de los caporales...” (Kelli, menina boliviana, 15 años)
Glenda, a aluna brasileira, ao evidenciar sua paixão pela tradição de dançar em
um grupo folclórico de sua cidade, revela sua alegria ao ouvir o toque dos tambores
do boi. Seus sentimentos se tornam evidentes quando ela afirma: “Quando estou
dançando, estou realmente livre”. Essa frase demonstra o amor que sente pela sua
cultura, especialmente pelo o Boi Malhadinho. A dança transmite sensação de
liberdade e felicidade tornando-se presente uma importante forma de expressão
cultural.
Segundo a mãe de Glenda, as cartas que a filha recebeu estimularam seu
interesse pela música da Bolívia e pela língua espanhola. Ela relata:
"Depois do projeto, ela passou a se interessar mais pelo espanhol, tanto que
eu gosto das músicas bolivianas e ela não gostava, porque o entendia nada e pedia
para eu desligar. Agora, ela já começa a ouvir e fazer perguntas. Isso trouxe para ela
o interesse pela cultura de lá, pela qual antes não se interessava." (mãe, brasileira).
5
O Boi Malhadinho é uma figura emblemática do "Duelo da Fronteira”, festival folclórico que coloca
em disputa o Boi Malhadinho e o Boi Flor do Campo, representando uma importante manifestação
cultural na cidade de Guajará-Mirim, Rondônia, localizada na fronteira com a Bolívia.
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Além disso, mãe e filha passaram a compartilhar os mesmos gostos musicais. A
alegria de ver a filha interagindo com a cultura da amiga fortaleceu significativamente
o vínculo entre elas.
Segundo Hall, (2016, p.18), “A linguagem é um dos meios pelos quais
pensamentos, ideias e sentimentos são representados em uma cultura”. Assim, as
representações emocionais presentes nas cartas dos estudantes manifestam-se tanto
por meio das palavras escritas quanto nas entrelinhas, revelando sentimentos ditos e
não ditos, influenciados pela linguagem de sua cultura. Por fim, concluiremos com
nossas reflexões sobre as concepções extraídas dessas cartas.
Conclusão
Este estudo dedicou-se a identificar as representações sociais nos textos das
cartas fronteiriças escritas por estudantes brasileiros e bolivianos. Nossa análise
procurou responder às questões problematizadoras: Quais são as experiências
emocionais representadas nas cartas fronteiriças escritas por estudantes brasileiros e
bolivianos?
Ao longo deste estudo, a análise detalhada das cartas revelou as emoções
vivenciadas pelos participantes, bem como a dinâmica do enriquecedor intercâmbio
cultural e linguístico fomentado pelo projeto. Constatou-se que, apesar das diferenças
idiomáticas, os estudantes conseguiram estabelecer uma comunicação eficaz,
contribuindo para a construção de laços afetivos e a aquisição de conhecimentos
sobre as experiências.
Contudo, a troca de correspondências não facilitou o aprendizado de uma
nova língua e um pouco de conhecimento sobre o modo de vida no país vizinho, mas
também, criou laços de amizade significativos. As professoras responsáveis
observaram que, à medida que o projeto avançava, os alunos se mostravam mais
confortáveis e confiantes em suas habilidades de escrita e comunicação.
Destacamos a participação dos pais e responsáveis, os relatos pessoais
retrataram o compromisso dos estudantes, a ansiedade em conhecer alguém do país
vizinho, os desafios vencidos e as novas aprendizagens.
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A experiência da escrita de cartas proporcionou aos estudantes um novo meio
de comunicação, resgatando uma prática comunicativa menos comum no contexto
atual, onde as interações à distância se processam de forma virtual.
Para a educação, essa iniciativa se mostra extremamente valiosa ao contribuir
para a formação de sujeitos integrais, respeitando suas particularidades e seu
pertencimento coletivo, alinhando-se ao princípio da transversalidade do ensino,
especialmente em um contexto fronteiriço.
Dessa forma, esta pesquisa contribuiu significativamente para a compreensão
da realidade vivenciada pelos estudantes, tanto no Brasil quanto na Bolívia. A partir
dessa análise, foi possível identificar a necessidade de promover interações mais
integradas entre alunos bolivianos e brasileiros, incorporando ao cotidiano escolar
experiências semelhantes às proporcionadas pelo projeto.
Essa necessidade revela-se especialmente relevante, considerando a
presença de estudantes bolivianos em escolas brasileiras de Guajará-Mirim, bem
como a de estudantes brasileiros em instituições de ensino em Guayaramerín. Nesse
contexto, o estudo abriu um leque de novas possibilidades a serem exploradas nesses
ambientes educacionais, como a continuidade das interações e o fortalecimento de
encontros presenciais mediados com fins pedagógicos, visando ao enriquecimento
cultural dos sujeitos fronteiriços.
Diante dos resultados alcançados, sugere-se que futuras investigações
expandem este estudo para abranger outras faixas etárias e diferentes contextos
culturais, buscando ampliar a compreensão sobre o impacto da comunicação epistolar
em processos interculturais e emocionais.
Além disso, recomenda-se também a continuidade do projeto, considerando
os feedbacks positivos dos participantes e o interesse demonstrado por outros alunos
e professores. Ao tomarem conhecimento da iniciativa, muitos passaram a perguntar
sobre futuras edições do projeto, demonstrando o desejo de participar. Atendendo a
essa demanda, a coordenadora do projeto, em conjunto com os pesquisadores,
decidiu dar continuidade ao Projeto Cartas Fronteiriças.
Referências
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