Revista Culturas & Fronteiras Volume 12 Nº 1- Outubro/2025
Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA /UNIR
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia
Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/culturaefronteiras/index
CARTOGRAFIAS DO AFETO NA FRONTEIRA: A POÉTICA DA PAISAGEM E OS
ESPAÇOS DE LAZER COMO LUGARES DE IDENTIDADE EM GUAJARÁ-
MIRIM/RO
CARTOGRAPHIES OF AFFECTION AT THE BORDER: THE POETICS OF LANDSCAPE AND
LEISURE SPACES AS PLACES OF IDENTITY IN GUAJARÁ- MIRIM/RO
Sandra de Aguiar Barbalho1
Prof. Dr. Gustavo Henrique de Abreu Silva2
RESUMO
Este artigo propõe uma leitura simbólica e formativa dos espaços naturais de lazer em
Guajará- Mirim/RO, região fronteiriça entre Brasil e Bolívia, a partir da Geografia
Cultural, da Educação do Território e da abordagem fenomenológica da percepção. O
problema central que orienta o estudo é: como o lazer em paisagens amazônicas
fronteiriças funciona enquanto prática formativa e dispositivo de resistência simbólica?
O objetivo geral é compreender como os gestos, permanências, contemplações e
práticas comunitárias vividas nos espaços naturais de Guajará-Mirim contribuem para
a produção de saberes territoriais e para a valorização da educação fora dos
ambientes escolares convencionais. Os autores mobilizados: Yi-Fu Tuan, Edward
Relph, Merleau-Ponty e Verdum et al., oferecem base para articular conceitos como
topofilia, corporeidade, autenticidade e paisagem como texto cultural. A metodologia
é qualitativa, com registro em diário de campo e observação sensível dos balneários
e mirantes da cidade, por meio de entrevistas informais. Os resultados indicam que
esses espaços não funcionam apenas como áreas de recreação, mas como lugares
vividos, onde o corpo, o silêncio, o encontro e a paisagem produzem sentidos
formativos. A pesquisa reafirma que o território educa pela poética dos gestos e das
permanências, e que a cartografia afetiva revela dimensões invisibilizadas da
formação cultural amazônica e comunitária.
Palavras-chave: Cartografia afetiva; Geografia cultural; Lugar vivido; Lazer
comunitário; Pedagogia territorial
1 Universidade Federal de Rondônia-UNIR Email:sandramestradogeounir@gmail.com
2 Universidade Federal de Rondônia-UNIR Email: gustavo.abreu@unir.br
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ESPAÇOS DE LAZER COMO LUGARES DE IDENTIDADE EM GUAJARÁ-
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo propõe uma leitura simbólica e educativa dos espaços naturais de
lazer em Guajará-Mirim/RO, município amazônico localizado na fronteira entre Brasil e
Bolívia. Trata- se de um território marcado por múltiplas interações culturais,
atravessado por fluxos linguísticos, afetivos, sociais e ambientais que conformam
paisagens singulares e vividas. A investigação parte do reconhecimento de que os
espaços públicos de lazer, em especial balneários e mirantes, não são apenas áreas
de recreação e descanso, mas territórios de significação cotidiana, nos quais se
produzem vínculos, saberes e formas de resistência cultural.
É nesses cenários que gestos ordinários revelam potências educativas e que a
paisagem assume papel formador, poético e identitário.
É nesses cenários que gestos ordinários revelam potências educativas e que a
paisagem assume papel formador, poético e identitário.
Guajará-Mirim, como cidade fronteiriça amazônica, carrega em sua composição
territorial uma diversidade de experiências que desafiam as lógicas convencionais da
educação escolar. Os espaços naturais ali presentes, vivenciados por comunidades
ribeirinhas, indígenas, bolivianas e urbanas, constituem lugares nos quais a
aprendizagem acontece também de forma não formal, ativada pela escuta, pela
permanência, pelo corpo e pela memória. Nesse sentido, este estudo parte do
pressuposto de que tais ambientes funcionam como territórios pedagógicos sensíveis,
capazes de articular estéticas da paisagem com práticas educativas enraizadas no
cotidiano vivido.
O problema central que orienta o estudo é: como o lazer em paisagens
amazônicas fronteiriças funciona como prática formativa e dispositivo de resistência
simbólica? No entanto, importa destacar que a resistência simbólica é um conceito que
descreve formas de oposição ou contestação indireta a sistemas de dominação que
operam por meio de símbolos, discursos e representações culturais. Por tanto, a
pergunta emerge da observação de que há cada vez mais um deslocamento entre a
pedagogia institucionalizada e os processos de formação que ocorrem em ambientes
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informais, especialmente em regiões onde o território atua como protagonista. A
investigação busca responder a essa questão por meio de uma abordagem sensível
e interpretativa, que privilegia os significados atribuídos aos espaços naturais e às
interações humanas que os habitam.
O objetivo principal é compreender como os gestos, permanências,
contemplações e práticas comunitárias vividas nos espaços naturais de Guajará-Mirim
contribuem para a produção de saberes territoriais e para a valorização da educação
fora dos ambientes escolares convencionais. Trata-se de uma perspectiva que se
insere no campo da Geografia Humanista e da Educação do Território, articulando as
dimensões simbólicas, afetivas e estéticas da paisagem com as cartografias
emocionais e formativas do cotidiano. A paisagem aqui não é tratada como cenário
neutro ou decorativo. Ao contrário, ela é entendida como texto cultural e currículo
poético, capaz de comunicar sentidos, ativar memórias e formar subjetividades.
Conforme propõe Beringuier (Apud VERDUM et al., 2012, p. 121), “a
paisagem é, por conseguinte, objeto, concreto, material, físico e efetivo e é percebida
através dos seus elementos, pelo nossos cinco sentidos, é sentida pelos homens
afetivamente e culturalmente”.
Os balneários e mirantes naturais analisados, como o Balneário do Célio, o
Mirante da Serra e o Mirante Mamoré, entre outros, são lugares carregados de
significados, apropriados cotidianamente pela população local, que imprime neles
marcas, histórias e afetos. O lazer nesses espaços ultrapassa a função de
entretenimento: torna-se ritual pedagógico, forma de resistência identitária e expressão
da relação com o território.
A escolha por investigar os espaços naturais de lazer nasce da observação
empírica e experiencial desses lugares como fontes de pertencimento. São áreas em
que o corpo aprende a partir do toque da água, do contato com a vegetação, do silêncio
compartilhado e da escuta do mundo. A formação acontece na permanência, na
repetição dos gestos, na comunhão entre gerações. Crianças brincam, idosos
contemplam, jovens convivem e a paisagem, silenciosa, educa. Essa dimensão
formadora escapa à lógica curricular formal e exige outras lentes de interpretação: uma
cartografia afetiva que revele os territórios como espaços de ensino, experiência e
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simbolismo.
A cartografia afetiva, de acordo com Paz e Bueno (Apud BASTOS, 2023, p.
509) “se apresenta como método de abordagem para estudos da subjetividade”.
Portanto, configura-se como uma metodologia voltada à investigação da subjetividade
dos sujeitos envolvidos. Por conseguinte, A abordagem da cartografia afetiva foi
inicialmente construída a partir das reflexões sobre o conceito de paisagem. Para
Meinig (Apud BASTOS, 2023, p. 509-510) “a paisagem é composta não apenas por
aquilo que está à frente dos nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em
nossas mentes”. A cartografia afetiva, de acordo com Paz e Bueno (Apud BASTOS,
2023, p. 509) “se apresenta como método de abordagem para estudos da
subjetividade”. Portanto, configura-se como uma metodologia voltada à investigação da
subjetividade dos sujeitos envolvidos.
Por conseguinte, A abordagem da cartografia afetiva foi inicialmente construída
a partir das reflexões sobre o conceito de paisagem. Para Meinig (Apud BASTOS, 2023,
p. 509- 510) “a paisagem é composta não apenas por aquilo que está à frente dos
nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em nossas mentes”. Em
continuidade à discussão sobre os mapas convencionais empregados na Cartografia
Escolar, Oliveira Jr (Apud BASTOS, 2023, p.510),
Pontua o mapa (em uma versão oficial do Estado, da cartografia formal
ocidental) tornou-se um clichê, algo que aparece diante de s toda vez que
pensamos em espaço, em geografia [... ] eles não são apenas modos de ver,
são eles que são vistos como sendo o espaço e finalmente (ao final da
geografia escolar) vemos apenas eles como sendo o espaço. Oliveira Jr
(Apud BASTOS, 2023, p.510),
O mapa, em sua versão oficial, formulado pelo Estado segundo os princípios
da cartografia tradicional ocidental, consolidou-se como referência visual imediata toda
vez que se pensa em espaço ou em geografia. De ferramenta de leitura, ele passou a
ser confundido com o próprio território, sendo tomado como única representação
legítima do espaço, sobretudo ao final do processo escolar. Para Bastos (2023, p.511),
o afeto, etimologicamente, vem do latim affectus, de acordo com o dicionário Michaelis,
e significa: “Expressão de sentimento ou emoção como, por exemplo, amizade, amor,
ódio, paixão etc...”.
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Inserido nesse contexto, o artigo contribui para ampliar os debates sobre
educação territorial, pedagogia do cotidiano e poética da paisagem, reivindicando uma
concepção de ensino que valoriza os saberes locais, as práticas espontâneas e os
vínculos gerados pelo habitar. A fronteira, nesse caso, não é apenas um limite
geopolítico, é também um espaço de encontro, de cruzamento cultural, de formação
identitária e de produção de afetos. Os lugares investigados revelam que a educação
amazônica pulsa fora dos muros da escola, nos gestos, na presença, no vínculo com o
chão.
O estudo adota uma abordagem qualitativa e fenomenológica, centrada na
observação sensível do território e nos registros em diário de campo. Não entrevistas
formais ou aplicação de instrumentos rígidos: a proposta é mergulhar nos lugares com
escuta aberta, percebendo as nuances e sutilezas que fazem deles espaços
formadores. Ao escolher esse método, a pesquisa reafirma sua vinculação à geografia
poética e à pedagogia do lugar, modos de conhecer que respeitam o sensível, o
simbólico e o afetivo. Em síntese, este artigo visa contribuir para a valorização dos
espaços naturais como lugares que educam, evidenciando que o lazer territorializado
pode ser potente aliado na formação de sujeitos críticos, sensíveis e conectados com
suas comunidades. Ao mapear essas cartografias do afeto, reconhece-se que a
educação acontece também, e de forma profunda, nos territórios vividos, nos silêncios
compartilhados e nas paisagens que abrigam histórias.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A presente investigação inscreve-se no campo da Geografia Cultural e
Humanista, buscando compreender os espaços de lazer vividos em Guajará-Mirim/RO,
como lugares educativos sensíveis. A geografia humanista valoriza a experiência
subjetiva, emocional e simbólica dos sujeitos em relação aos territórios que habitam,
recusando leituras tecnicistas ou meramente funcionais da paisagem. Nessa
perspectiva, o espaço deixa de ser tratado como elemento neutro e passa a ser
reconhecido como instância de formação e expressão identitária. Um dos principais
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fundamentos teóricos da pesquisa é o conceito de topofilia, desenvolvido por Yi-Fu
Tuan (200, p. 17), que se refere ao vínculo afetivo entre pessoa e lugar. Segundo o
autor, “topofilia [...] é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”. Para
ele, o afeto territorial não é mero sentimentalismo, mas uma forma legítima de
conhecimento que ativa memórias, valores e aprendizados. Os espaços naturais de
lazer, quando vivenciados e ressignificados pelas práticas comunitárias, tornam-se
expressões de topofilia, revelando pertencimento, cuidado e resistência simbólica.
Edward Relph (1976, p. 82), em Place and Placelessness, introduz o conceito
de autenticidade, distinguindo lugares vividos de espaços genéricos e
despersonalizados. Para Relph, “a autenticidade reside na profundidade da experiência
com o lugar, e não simplesmente em sua aparência física (grifo nosso)”. Mirantes e
balneários, nomeados e apropriados pela comunidade, exemplificam essa vivência
autêntica, carregando sentidos históricos e afetivos que os tornam diferentes da
paisagem abstrata e funcional. A abordagem fenomenológica proposta por Maurice
Merleau-Ponty (2006, p. 195) também é fundamental para a leitura dos espaços. Para
o autor, “é pelo corpo que percebemos o mundo; a corporeidade é a condição da
experiência”. A corporeidade, nesse sentido, não é apenas presença física, mas
mediação entre sujeito e território. Ao caminhar nos balneários, tocar a água ou
permanecer em silêncio no mirante, o corpo aprende, reconhece, pertencer. São
experiências formativas que desafiam a lógica escolar convencional.
Roberto Verdum et al. (2012, p. 241), no processo de aprendizagem, a leitura
da paisagem “é um recurso para aprender a compreender a dinâmica da natureza, pois
esta permite desenvolver várias capacidades, como a observação e representação das
suas formas e de elementos constitutivos quando analisamos, e comparamos com
outras paisagens”. Logo, a ideia de paisagem como texto cultural, propõe uma leitura
poética do território. Ao ser interpretada como currículo poético, a paisagem revela sua
capacidade de ensinar por meio do
ritmo, da beleza, do vínculo e do silêncio. É nesse cenário que o lazer comunitário se
torna prática educativa, mesmo sem estrutura escolar formal. No campo da educação,
Paulo Freire (2016, p. 42) fortalece essa visão ao afirmar que “a educação se no
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diálogo com o mundo vivido pelos educandos [...] seus saberes e sua territorialidade
são ponto de partida”. Para ele, o respeito à cultura local e à experiência dos sujeitos é
condição da educação libertadora. Assim, balneários e mirantes se apresentam como
ambientes de aprendizagem legítimos, nos quais o saber emerge do cotidiano, da
escuta e da convivência comunitária.
Além disso, a noção de fronteira como espaço formativo é central na pesquisa.
Guajará-Mirim, situada entre países e culturas, configura um território de
atravessamentos, mestiçagens e ressignificações constantes. A fronteira, nesse
contexto, é interpretada como “espaço de encontro e formação, e não apenas como
limite geopolítico” (SANTOS, 2004, p. 112). Ao ativar interações culturais e práticas
educativas espontâneas, os espaços naturais de Guajará-Mirim funcionam como
dispositivos identitários que resistem à homogeneização das lógicas urbanas
convencionais. Dessa forma, a fundamentação teórica articula os conceitos de topofilia,
lugar vivido, corporeidade, paisagem poética e pedagogia territorial, oferecendo
subsídios sólidos para interpretar os balneários e mirantes não como meros espaços
recreativos, mas como territórios formadores e educativos, nos quais o afeto e a
paisagem se entrelaçam na construção da identidade amazônica.
3. METODOLOGIA
A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, sensível e não invasiva,
fundamentada na fenomenologia da percepção, conforme delineada por Maurice
Merleau-Ponty (2006, p. 74). Para o autor, “perceber é aderir ao que se mostra, sem
reduzir o fenômeno ao objeto”, o que implica reconhecer os espaços naturais não
apenas como lugares físicos, mas como territórios vividos, experienciados e repletos
de significados. Esse enfoque permite compreender os ambientes de lazer como
instâncias formadoras e poéticas, atravessadas por afetos, memórias e práticas
cotidianas que escapam às categorias tradicionais de análise pedagógica. Inspirada
também na cartografia afetiva, enquanto dispositivo metodológico, a investigação
buscou mapear experiências sensíveis nos espaços naturais de Guajará-Mirim/RO,
cidade fronteiriça localizada ao oeste de Rondônia. A cartografia afetiva, não pretende
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representar, mas expressar aquilo que pulsa no território, o que escapa aos mapas
oficiais. Segundo Rolnik (2006, p. 15), “Paisagens psicossociais também são
cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que
o desmanchamento de certos mundos, sua perda de sentido, e a formação de outros:
mundo que se criam para expressar afetos contemporâneos”.
Nesse sentido, o trabalho privilegiou o olhar atento, a escuta comprometida e o
registro interpretativo de vivências, gestos e permanências. Foram escolhidos dois
ambientes de estudo, com base em critérios de representatividade simbólica e
apropriação comunitária: Balneário do Célio e o Mirante da Serra. Esses locais são
amplamente frequentados por moradores da cidade e por visitantes da região
fronteiriça, sendo reconhecidos como espaços de convivência pública, contemplação
paisagística e práticas informais de lazer. A escolha por locais nomeados pelos próprios
sujeitos reforça a ideia de território vivido, conforme Relph (1976) ao afirmar que os
lugares são importantes fontes de identidade individual e comunitária, ou melhor,
“centros das nossas experiências imediatas com o mundo” (1976, p. 141). A definição
dos lugares reside mais na experiência e intenções humanas do que na localização,
paisagem e comunidade. A definição dos lugares está fundamentado sobretudo nas
vivências e nos propósitos humanos, mais do que na localização, paisagem e
comunidade. A coleta dos dados ocorreu no mês de junho de 2025, por meio de visitas,
com o intuito de observar variações nas práticas e nas dinâmicas sociais. Optou-se por
realizar anotações em diário de campo, registro fotográfico e tomada de notas reflexivas
após cada vivência. A utilização de diário de campo permite que o pesquisador
interprete o território com sensibilidade, atribuindo sentido às observações para além
da descrição factual. O diário de campo é uma ferramenta de reflexão contínua, que
possibilita articular impressões e significados emergentes da pesquisa. Segundo Frizzo
(2008, p.169), “o termo “diário de campo” é usualmente utilizado para referir-se a uma
técnica específica de registro de dados muito utilizado nas pesquisas qualitativas que
utilizam principalmente a observação”.
Não foram realizadas entrevistas formais com os frequentadores dos espaços,
por se tratar de uma metodologia que privilegia o caráter não intrusivo e sensível da
observação. A escuta se deu pelo silêncio, pela observação dos gestos, pela atenção
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aos nomes atribuídos aos lugares e pelas marcas simbólicas impressas no território.
Essa postura metodológica está em consonância com Tuan (2005, p. 100), que afirma:
“aprender com o lugar exige tempo, presença e disposição para sentir o que está além
das palavras”. As práticas observadas foram organizadas em categorias emergentes,
identificadas durante a análise interpretativa dos registros. As principais categorias
foram: corporeidade formativa, contemplação como aprendizado, nominatividade
simbólica dos lugares, convivência intergeracional, e paisagem como dispositivo
pedagógico. Cada uma dessas categorias foi descrita e interpretada com base na
literatura e na vivência de campo, evitando generalizações e respeitando as
especificidades de cada espaço.
Na observação dos balneários, por exemplo, identificou-se o banho como
prática de escuta corporal, onde o contato com a água não é apenas recreativo, mas
forma de reconexão com o território. Frequentadores permanecem longos períodos em
silêncio, sentados à beira do rio, contemplando o fluxo das águas, gesto que se
relaciona à ideia de currículo poético, deste modo, considerando que a paisagem educa
por sua beleza, ritmo e permanência. Assim, de acordo com, Verdum et al. (2012, p.
29), “A morfologia deve ser complementada por uma semiologia, por uma poética e uma
estética das paisagens, impondo uma reflexão teórica sobre a percepção do espaço e
das formas”.
Nos mirantes, observou-se o uso estético da paisagem como ferramenta de
formação. O Mirante da Serra, por exemplo, é conhecido localmente como lugar para
contemplar o pôr do sol, prática que se repete entre os moradores, constituindo uma
espécie de ritual pedagógico. Segundo Merleau-Ponty (2006, p. 210), “é no silêncio da
contemplação que o corpo adquire novos modos de se relacionar com o mundo”. Esse
dado corrobora a ideia de que a presença no território é em si prática educativa, mesmo
que não institucionalizada.
Os nomes atribuídos aos espaços naturais revelam marcas de pertencimento
e formas de valorização territorial. O Balneário do Célio, por exemplo, leva o nome de
seu proprietário, o que demonstra não apenas identificação individual, mas também a
maneira como a comunidade reconhece e associa pessoas ao território compartilhado.
Esse gesto de nomeação constitui uma prática simbólica que contribui para a
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construção de vínculos afetivos e referenciais coletivos. Segundo Relph (1976, p. 65;
tradução nossa), “nomear um lugar é um dos gestos mais profundos de apropriação
espacial”, o que reforça a ideia de que os nomes funcionam como inscrições de memória
e autenticidade na paisagem vivida. Esses nomes estão presentes na memória coletiva,
funcionando como indicadores de afeto, história e reconhecimento. A análise dos dados
ocorreu de forma interpretativa, com cruzamento entre os registros de campo e os
referenciais teóricos selecionados. Não houve uso de software ou codificação
estatística, pois o foco esteve na compreensão simbólica das práticas observadas.
Conforme Minayo (2012, p. 95), “a análise qualitativa exige envolvimento do pesquisador
com o contexto estudado, ativando leituras sensíveis que ultrapassem a técnica”.
Dessa forma, a metodologia adotada neste artigo respeita as especificidades
do território amazônico fronteiriço, buscando compreender os espaços naturais como
lugares que educam, que acolhem e que formam subjetividades. Ao escolher a
cartografia afetiva como inspiração metodológica, reafirma-se o compromisso com uma
leitura poética, sensível e ético- estética da paisagem, que valoriza o cotidiano como
expressão legítima de saber.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A observação sistemática dos espaços naturais de lazer em Guajará-Mirim/RO,
revelou que balneários e mirantes, especialmente o Balneário do Célio, e o Mirante da
Serra, funcionam como territórios identitários e formativos, apropriados cotidianamente
pela comunidade como locais de convivência, contemplação e memória. Tais ambientes
apresentam forte presença simbólica e atuam como dispositivos pedagógicos informais,
nos quais práticas espontâneas ativam experiências estéticas, vínculos afetivos e
saberes territoriais.
Os registros em diário de campo, produzidos em junho de 2025, revelaram uma
série de vivências que se repetem e se ressignificam diariamente. Crianças brincando
nas águas rasas do rio, idosos sentados sob árvores dialogando com a paisagem,
jovens contemplando o pôr do sol em silêncio, esses gestos, embora aparentemente
ordinários, expressam modos de relação com o território que educam, fortalecem laços
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e constroem identidades. Conforme Merleau- Ponty (2006, p.210), “é na experiência
sensível que o corpo reconhece o mundo e produz sentido”. Logo, a presença física no
espaço torna-se forma legítima de aprender. Entre os achados mais significativos,
identificaram-se cinco grandes eixos interpretativos:
Quadro 1 Eixos Interpretativo dos Espaços Naturais de Lazer em Guajará-
Mirim/RO
EIXO
INTERPRETATIVO
DESCRIÇÃO DA CATEGORIA
REFERÊNCIA
TEÓRICA
1. Lazer como prática
educativa
A percepção é uma atividade, um estender para
o mundo, observando o jogo, em particular das
crianças, elas aprendem sobre o mundo
desenvolvem a coordenação do corpo e
aprendem a realidade dos
objetos e a estruturação do espaço.
Tuan
(2005, p. 26)
2. Gestos
pedagógicos
espontâneos
Ninguém
educa
ninguém,
ninguém
educa
a
si
mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo.
Freire
(2016, p. 80)
3. Corporeidade
como forma de
aprender
O corpo não é um objeto, ele é nosso meio de
comunicação com o mundo (aprende ao habitar
o território, no contato com a água, na
caminhada e na escuta da paisagem).
Merleau-Ponty
(2006, p. 235)
4. Nominatividade
simbólica dos
espaços
Os nomes atribuídos pela comunidade aos
ambientes revelam identidade territorial,
memória e
apropriação simbólica.
Relph (1976, p.
65; tradução
nossa)
5. Paisagem como
currículo poético
A paisagem aqui é concebida como um
mosaico, com formas e cores muitas vezes de
uma combinação singular e que nos marca ou
nos remete
a sensações que se situam em tempos
diversos.
Verdum et al.
(2012, p. 9)
O espaço da paisagem também se revelou como lugar de resistência cultural.
Diante da crescente urbanização e da mercantilização dos ambientes de lazer, os
balneários e mirantes são preservados pela comunidade como espaços gratuitos,
públicos e acessíveis, nos quais o lazer não depende de consumo. Esse cuidado
coletivo com o território indica práticas de resistência e de afirmação da identidade
amazônica. Santos (2004, p. 112) afirma que “o território o é apenas chão, mas
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abrigo da existência e expressão da cultura”. Nesse contexto, os ambientes analisados
funcionam como guardiões da memória e como cenários pedagógicos que desafiam
as lógicas dominantes da cidade contemporânea. A discussão dos resultados
confirma que os espaços naturais de Guajará-Mirim operam como territórios
educativos poéticos, nos quais o sujeito se forma pela paisagem, pelo afeto e pela
presença. Os gestos observados revelam que o ensino pode se dar fora da escola, nos
caminhos da vida, nos silêncios compartilhados e nas experiências sensíveis do
território. Tais achados dialogam diretamente com a proposta teórica da pesquisa,
reafirmando que o espaço vivido é instância legítima de formação.
Por fim, os dados sugerem que a cartografia do afeto construída neste
trabalho contribui para reconhecer os ambientes naturais como lugares que educam,
resistem e acolhem. São espaços onde a cultura amazônica se renova, onde a
paisagem se transforma em texto formativo, e onde a educação pulsa no cotidiano, na
escuta do rio, na sombra da árvore, no nome do lugar.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada em espaços naturais de lazer no município de Guajará-
Mirim/RO, permitiu reconhecer que balneários e mirantes funcionam como territórios
educativos poéticos e identitários, nos quais práticas cotidianas comunitárias ativam
experiências formativas profundas, mesmo fora dos ambientes escolares
convencionais. Os resultados obtidos por meio da cartografia afetiva indicam que o
corpo, a paisagem, a memória e a vivência produzem saberes legítimos e enraizados
nas relações entre sujeitos e território. A aproximação sensível aos balneários e
mirantes, por meio da observação interpretativa, revelou que o
lazer comunitário
não se limita ao entretenimento, mas se manifesta como expressão de pertencimento,
ritualidade e resistência simbólica. Banhos silenciosos, permanências contemplativas,
escutas da paisagem e convivência intergeracional foram interpretadas como formas
de ensino não institucionalizado, que ativam valores ético-estéticos e contribuem para
a formação de subjetividades amazônicas. Conforme Freire (2016, p.47), “ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou construção”.
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CARTOGRAFIAS DO AFETO NA FRONTEIRA: A POÉTICA DA PAISAGEM E OS
ESPAÇOS DE LAZER COMO LUGARES DE IDENTIDADE EM GUAJARÁ-
MIRIM/RO
Revista Culturas & Fronteiras Volume 12 Nº 1- Outubro/2025
Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA /UNIR
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia
Disponível em: https://periodicos.unir.br/index.php/culturaefronteiras/index
Nesse sentido, os espaços naturais funcionam como cenários propícios à invenção de
sentidos e à emergência de saberes vinculados ao lugar.
A vivência corporal nos territórios observados tornou-se central na
compreensão da experiência pedagógica fora da escola. O repouso sob a vegetação e
a escuta dos sons da paisagem são práticas que educam pela corporeidade, como
destaca Merleau-Ponty (2006, p. 195), “o corpo é nossa forma de habitar o mundo [...]
e de conhecer sem recorrer à abstração”. Ao reconhecer esses gestos como
experiências formativas, a pesquisa reafirma que o saber também pulsa no silêncio, na
contemplação e na presença física no território. A nomeação dos espaços, como
Balneário do Célio, Mirante da Serra, Mirante do Nilton e o Mirante Mamoré”, revelam
outros aspectos fundamentais para a construção de identidades territoriais. Tais nomes,
atribuídos pela comunidade, são carregados de memória e afeto, funcionando como
marcas de reconhecimento coletivo e valorização simbólica. Para Relph (1976, p. 65),
“dar nome ao lugar é um dos gestos mais profundos de apropriação espacial”. Ao
nomear, o sujeito inscreve história, sentimento e ancestralidade na paisagem,
transformando o espaço físico em lugar vivido.
A paisagem, por sua vez, revelou-se como currículo poético, expressão cultural
e recurso formativo. A observação dos movimentos da água, das montanhas no
horizonte, da vegetação nativa e da luz que atravessa os mirantes durante o pôr do sol
ativou sensibilidades que educam pelo encantamento, pelo vínculo e pela estética. De
acordo com Verdum et al. (2012, p. 31), “Percebe-se que existem diferentes modos de
ler o espaço a partir da paisagem”. Deste modo, a paisagem é uma ferramenta
pedagógica importante, uma vez que estimula a observação crítica, conecta teoria e
prática, desenvolve o pensamento geográfico, valoriza o saber local e promove
interdisciplinaridade.
Assim, a paisagem amazônica, especialmente em contextos fronteiriços, torna-
se fonte pedagógica e símbolo de resistência frente à homogeneização urbana. Outro
resultado expressivo
da pesquisa foi o reconhecimento dos
espaços
naturais
como ambientes intergeracionais, nos quais diferentes faixas etárias compartilham
práticas, saberes e afetos. Crianças brincando com idosos, jovens ajudando moradores
mais velhos a atravessar trilhas, famílias reunidas em rituais de contemplação, esses
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CARTOGRAFIAS DO AFETO NA FRONTEIRA: A POÉTICA DA PAISAGEM E OS
ESPAÇOS DE LAZER COMO LUGARES DE IDENTIDADE EM GUAJARÁ-
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encontros foram observados com frequência nos ambientes estudados. Tuan (2005, p.
113) destaca que “o lugar habitado por gerações torna-se fonte de continuidade e
identidade”, revelando que a convivência territorial alimenta vínculos entre pessoas e
entre tempos.
Além disso, os dados indicaram que os espaços naturais de lazer funcionam
como ambientes de resistência cultural e proteção simbólica, especialmente frente aos
processos de urbanização acelerada e desconfiguração da paisagem. As comunidades
locais assumem papel ativo na preservação desses lugares, seja por meio da coleta
voluntária de lixo, da manutenção de trilhas ou da realização de atividades coletivas.
Como aponta Santos (2004, p. 112), “o território é também abrigo e expressão de
cultura [...] onde o cotidiano se faz resistência”. O cuidado com os espaços evidencia
sua importância não apenas ambiental, mas educativa e identitária. Essas constatações
colocam em xeque a visão reducionista de que a educação acontece apenas na sala
de aula ou nos ambientes escolarizados. Ao contrário, os achados reforçam que a
formação do sujeito pode se dar no contato com a paisagem, nas interações
comunitárias e nas experiências sensíveis do cotidiano. A educação territorial que
emerge das práticas de lazer vivenciadas em Guajará-Mirim configura-se como
pedagogia situada, ética e estética, profundamente vinculada ao chão amazônico.
Dessa forma, as cartografias do afeto reveladas neste estudo oferecem
contribuição relevante para os campos da geografia humanista, da educação ambiental
crítica e da pedagogia do cotidiano. Ao mapear os gestos silenciosos, os vínculos
geracionais e os rituais espontâneos, reconhece-se que a paisagem forma, ensina e
transforma. Como afirma Tuan (2005, p. 108), “aprender com o lugar é abrir-se à sua
linguagem, à sua temporalidade e à sua presença”. O sujeito que habita com atenção
aprende a partir do território, construindo saberes que não se encontram em manuais,
mas no chão vivido. As considerações finais desta pesquisa também sinalizam
caminhos para investigações futuras. Recomenda-se o aprofundamento sobre o papel
das juventudes amazônicas na ressignificação dos espaços naturais, bem como a
relação dos territórios indígenas com a educação territorial. Além disso, sugere-se o
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desenvolvimento de projetos interdisciplinares que integrem escola, comunidade e
paisagem, promovendo ações educativas que respeitem a especificidade cultural de
cada território.
Em termos práticos, os resultados indicam a necessidade de que as políticas
públicas educacionais reconheçam os espaços naturais de lazer como ambientes
formadores, potencializando ações de extensão universitária, educação ambiental
crítica e práticas curriculares que valorizem o território como lugar de ensino. A
incorporação da paisagem aos projetos pedagógicos pode gerar práticas mais
contextualizadas, sensíveis e comprometidas com a realidade local. Por fim, reafirma-
se que os balneários e mirantes em Guajará-Mirim são lugares que educam, mesmo
sem paredes ou lousas. São cenários onde a pedagogia emerge da escuta da água,
da permanência sob a sombra, da conversa entre gerações. A fronteira, nesse
contexto, não separa, ela conecta saberes, culturas e afetos. A paisagem, em sua
poética silenciosa, comunica, acolhe e transforma. Conclui-se, portanto, que o
território amazônico fronteiriço é fonte legítima de formação, de resistência e de
aprendizagem situada. Os gestos cotidianos ali vivenciados constituem um currículo
invisível, mas profundamente presente, que educa pela sensibilidade, pelo afeto e pelo
vínculo com o lugar. Que se reconheça, cada vez mais, que educar também é habitar,
e que o chão amazônico pulsa como potência formadora.
REFERÊNCIAS
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para escola com alunos do EJA. In: ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE
GEOGRAFIA, 8., 2023, Campinas. Anais... Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, 2023
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
FRIZZO, Kátia Regina. Diário de campo: reflexões epistemológicas e
metodológicas. In: Enrique Saforcada; Jorge Castellá Sarriera. (Org.). Enfoques
Conceptuales y Técnicos en Psicología Comunitaria. 1aed.Buenos Aires: Editorial
Paidós, 2008.
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2012.
RELPH, Edward. Place and Placelessness. Londres: Pion Limited, 1976.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo.
In: ROLNIK, Suely. Cartografias do desejo: clínica e cultura contemporânea. São
Paulo: Estação Liberdade, 2006. p. 1334.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio
ambiente. Londrina: Eduel, 2005.
VERDUM, ROBERTO [et al.]. Paisagem: leituras, significados e transformação.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012.