Edição temática: Impactos Socioecológicos de Grandes Projetos de Infraestrutura e Energia na Amazônia.

Autores

  • CAROLINA RODRIGUES DA COSTA DORIA
  • Evandro Mateus Moretto Universidade de São Paulo
  • Stephanie Ana Bohlman University of Florida

DOI:

https://doi.org/10.18361/2176-8366/rara.v15n1p1-5

Resumo

Edição temática: Impactos Socioecológicos de Grandes Projetos de Infraestrutura e Energia na Amazônia

 

As demandas pela implantação de grandes projetos de infraestrutura, de produção de energia e de exploração mineral tem sido uma preocupação crescente em regiões que guardam importantes diversidades biológicas e de modos de vida locais. Apresentam-se por justificativas que vão desde a pretensa possibilidade de ofertar alternativas para o desenvolvimento local, até a necessidade de redução de emissões de gases do efeito estufa, como é o caso dos grandes projetos hidrelétricos.

Na América Latina, grande parte destes projetos avança sobre a fronteira Amazônica, em locais bastantes preservados, com grande potencial de causar significativos aos negativos impactos socioecológicos, em decorrência de mudanças na paisagem, perda de biodiversidade, da cobertura florestal e dos meios de subsistência e modos de vida das comunidades locais. São exemplos recentes e atuais, as usinas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio, Belo Monte, Tabajara (em análise) e a binacional Brasil-Bolívia, a rodovia federal BR-319, o projeto de exploração de petróleo na margem equatorial brasileira, além das diversas iniciativas de mineração e de garimpo.

Frente a este cenário, os instrumentos de política ambiental ainda são insuficientes para a avaliação dos impactos negativos derivados destes tipos de projetos, já que são tradicionalmente focados em análises individualizadas dos componentes físico, biótico e socioeconômico do meio, carecendo de abordagens integradoras e síntese que favoreçam e melhor compreensão sobre as relações entre estes compartimentos que são afetadas. Este é o caso de processos de Licenciamento e Avaliações de Impactos Ambientais que, ainda que necessários, são sempre insuficientes para revelar como as propriedades sistêmicas de propriedades sistêmicas de resiliência, vulnerabilidades e governança locais são afetadas, quando implementados de forma isolada dos outros instrumentos de política ambiental integradores.

É premente, portanto, a necessidade de fortalecimento de abordagens e ferramentas que permitam uma visão mais holista dos impactos que grandes projetos de infraestrutura, mineração e energia possam imprimir nos sistemas locais, baseando-se, sobretudo, nas relações emergentes que existem entre os componentes biofísico e socioeconômico dos sistemas socioecológicos locais. Este desafio não é uma tarefa trivial e tampouco consolidada, mas um caminho irrenunciável para que os impactos negativos sobre os sistemas socioecológicos locais, enquanto fenômenos sistêmicos e complexos, possam ser mais bem compreendidos, avaliados e endereçados para as devidas práticas de prevenção, mitigação, restauração e gestão adaptativa.

As abordagens baseadas no conceito de Sistemas Socioecológicos emergiram a partir da década 1980, reconhecendo-se que as ferramentas de avaliação de impactos tradicionais, embora necessárias, não favoreciam sínteses capazes de representar as relações existentes entre os componentes bióticos, físicos e socioeconômicos de um sistema ambiental, endereçando-os para os processos decisórios. Para isso, a ideia de Sistemas Socioecológicos pautou-se pela premissa de que a melhor compreensão da dinâmica dos sistemas ambientais reside na compreensão das relações de interdependência e dos laços de retroalimentação (Resilience Alliance, 2010) que existem entre os seus componentes culturais, políticos, sociais, econômicos, ecológicos, tecnológicos (Ostrom, 2009; Folke et al., 2010). Esta é, portanto, a primeira premissa que molda as abordagens baseadas em Sistemas Socioecológicos: reconhecer que o todo do universo ambiental a ser compreendido vai muito além das dinâmicas e estruturas internas dos componentes físico, biótico e socioeconômico, incluindo necessariamente a diversidade de propriedades que emergem dos relacionamentos entre estes compartimentos.

Porém, estas relações múltiplas dotam os Sistemas Socioecológicos de natureza complexa, com estruturas heterogêneas e de dinâmicas imprevisíveis, impossíveis de serem diagnosticadas e prognosticadas a partir de abordagens baseadas em racionalidade linear (Moretto et al, 2021). Esta é outra premissa dos Sistemas Socioecológicos que acarreta desafios substanciais para a produção de conhecimento e para processos de tomada de decisão, mas que devem ser prontamente reconhecidas pelos processos contemporâneos de planejamento e gestão ambiental.

Ainda que os Sistemas Socioecológicos sejam um campo de cerca de 40 anos, restam importantes lacunas sobre como a sua aplicação em planejamento e gestão ambiental pode auxiliar a produzir conhecimento sistêmico, especialmente relacionado a processos de tomada de decisão sobre grandes projetos de infraestrutura, mineração e energia. Neste sentido, a  Rede de Pesquisadores em Barragens na Amazônia (Amazon Dams Network - ADN) vem, desde 2012,  acumulado importantes experiências no desenvolvimento de pesquisa e produção de conhecimento sistêmico dos impactos socioecológicos de grandes projetos de barragens e infraestrutura no Brasil e nos Estados Unidos. Como resultado, em 2022, professores da Universidade Federal de Rondônia (Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente), da Universidade da Florida (Programa de Conservação e Desenvolvimento Tropical e Escola de Ciências Florestais, Pesqueiras e Geomáticas - Tropical Conservation and Development Program and School of Forest, Fisheries and Geomatics Sciences) e da Universidade de São Paulo (Programa de Pós-graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades – EACH) uniram esforços e criaram uma disciplina conjunta para alunos da pós-graduação com objetivo de discutir sobre como as bases teóricas dos Sistemas Socioecológicos podem auxiliar as lacunas existentes em Avaliação de Impacto Ambiental, Governança Ambiental e Gestão Adaptativa, frente aos impactos socioecológicos negativos das fases de planejamento, implantação e operação de grandes projetos de barragens e infraestrutura, usando estudo de casos reais e locais.

A primeira edição da disciplina reuniu cerca de 20 alunos de pós-graduação destas e de outras universidades e resultou num conjunto de 5 artigos aqui publicados e que aportam reflexões sobre o significado da incorporação de abordagens baseadas em Sistemas Socioecológicos em processos de planejamento e gestão ambiental.

O primeiro artigo apresenta uma Abordagem dos sistemas socioecológicos como lente teórica para pesquisas em Ciência Ambiental, contemplando um histórico e principais características e discute o potencial da abordagem teórica de sistemas socioecológicos para compreender a realidade complexa e suas relações socioecológicas. O segundo artigo discute se A exploração energética na Amazônia Brasileira é a melhor solução energética, Trazendo como estudo de caso a Terra Indígena Cajuhiri Atravessado considerando a abordagem de sistema socioecológico (SSE) proposto por Ostrom para análise dos impactos no ecossistema. Demostram que o processo de desenvolvimento capitalista na região Amazônica vem causando efeitos decisivos na perda de identidade, território e cultura indígena. O terceiro artigo discute A Construção da ponte Rondon-Rosevelt e a Expansão da malha urbana em Porto Velho, ressaltando que as obras de infraestrutura (como pontes e estradas) são um meio das sociedades humanas aumentarem o domínio sobre o ambiente ao seu redor, abrindo espaço para outros avanços predatórios na região, dando como exemplo a ocupação predatória que vem ocorrendo na Rodovia BR-319.  O quarto artigo intitulado Saúde humana e ambiente: os impactos da Usina de Santo Antônio sobre a Comunidade de Teotônio no Rio Madeira (Porto Velho, Rondônia) explorar as tendências de doenças após a construção de hidrelétricas no município e estado, mostrando aumento de doenças após a construção de barragens. Embora este estudo não possa atribuir o aumento de doenças às barragens, ele destaca a necessidade crítica de estudar tendências e mecanismos de como as grandes infraestruturas impactam a saúde humana. O quinto artigo discute a Resiliência em face ao desastre analisando o sistema socio ecológico da comunidade ribeirinha de Degredo, as margens do Rio Doce (MG) após o rompimento da barragem do Fundão (novembro de 2015) que liberou rejeitos tóxicos de mineração mais de 600 quilômetros rio abaixo. Os autores demostram que os impactos incluíram perdas no modo de vida ancestral da comunidade e nos costumes locais, dizimação da pesca e dos ecossistemas locais e impactos negativos duradouros na saúde humana.

Carolina Rodrigues da Costa Doria - carolinarcdoria@unir.br

Evandro Mateus Moretto - evandromm@usp.br

Stephanie Ana Bohlman - sbohlman@ufl.edu

 

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Publicado

14-01-2024