Dossiê Encantarias e Encantados nas Paragens e Paisagens Imaginárias da Amazônia
DOI:
https://doi.org/10.47209/2238-7587.v.18.n.01.8745Palavras-chave:
apresentaçãoResumo
“As encantarias, são transfiguradas também em formas significantes. E, como formas significantes da expressão simbólica do sentimento, assumem a dimensão estética”.
(João de Jesus Paes Loureiro)
O objetivo do dossiê que ora se apresenta é contribuir criando um espaço para publicação do tema encantarias, uma vez que é um tema considerado delicado e que não encontra espaço no cotidiano de periódicos. Além disso, as encantarias amazônicas que tratam do sobrenatural/natural são, não raras vezes, desconhecidas e/ou compreendidas pela academia, como parte do folclore brasileiro, negando sua condição fenomênica, desconsiderando-a como parte da cosmogonia dos sujeitos amazônidas.
A cultura popular, em suas diferentes manifestações, precisa ser revisitada, a fim de ser reconhecida e valorizada como parte do corpus literário brasileiro que tem se constituído, cada vez mais, material de análise.
Ressalvamos que alguns dos textos que compõem esse dossiê foram apresentados no encontro da Associação brasileira de literatura comparada – ABRALIC, ocorrido em 2024, abordando a temática das encantarias na Amazônia.
A Amazônia é terra de encantes e encantados que fazem parte da vida, do cotidiano, das experiências, do espírito ancestral que tudo move e habita. Essa Amazônia é o contrário da terra exótica e selvagem pregada pelos colonizadores, narrada pelos viajantes e inventada pelos que queriam diminuir tudo o que nos distinguia e nos distanciava da moral eurocentricamente constituída.
O rio, a floresta, tudo o que a vida faz pulsar nessas terras, ares e águas, tudo o que existe é parte e se integra, cada um com seu espírito singular, formando a coletividade da floresta. O humano e sua humanidade é parte dela, podendo também se encantar nos seres animados e inanimados. A ambivalência não é uma regra, o bem e o mal coexistem, a dualidade não é divergente, mas na sua convergência de opostos o imaginário se constrói difusamente em seu universo insólito único. O ser, suas criaturas e tudo o que o cerca não são passíveis de compreensão a partir de sua utilidade, mas estão para o outro, completando suas qualidades sendo capaz, inclusive, de se transmutar em um novo ser.
Do fundo das águas, das sendas da floresta, das margens e das encruzilhadas, das fissuras da existência, espíritos, encantados, assombrações, entidades e criaturas, surgem trazendo a benevolência ou a malineza, a proteção ou o medo, zoneadas pelas intenções de quem os busca.
Nas paragens amazônicas, os encantados se consolidam no imaginário. Isso é notado quando navegamos e vislumbramos o desaguar de suas encantarias nas narrativas que bailam, nas diferentes vozes que compõem a Amazônia.
O difuso, o dialético em sua dança com o estético, esfuma, encanta, transforma, ensina, ressignifica. Na cosmogonia que nos é própria, a Amazônia se fez e se refaz resistindo nas culturas que constituem os povos tradicionais até os centros urbanos, onde encontramos a presença da circularidade dos encantes nos valores e oralidades que, por sua vez, se desvelam na escrita e voltam a se enunciar nas narrativas orais, vivas, presentes nos espaços que circulam e pulsam nos sujeitos amazônidas.
A tessitura das vozes, cores, sabores, encantes e práticas desses sujeitos, subverte o intitulado folk-lore, estrategicamente, engendrado para diminuir e apagar a dança genuína, o rito protetor, o espaço ancestral de povos pouco reconhecidos, o ético do estético, a palavra que insiste em permanecer nas vozes que surgem das margens.
Em sua própria cosmogonia, a Amazônia nos ensina que podemos reaprender a olhar, imaginar, pousar nossos corações e mentes sem o cronos imposto pelo espírito ocidental, resistindo sem sabotar a si mesmo nas garras nocivas de um ser que, oprimido, fica pausado na dor. É permitir se maravilhar sem as estereotipias apresentadas com base no exotismo que consta no imaginário, construído pelos viajantes sobre as terras amazônicas, assumindo que o insólito é parte da identidade do sujeito amazônida, o que nos proporciona ser o que somos e o que integramos.
A construção do imaginário do sujeito amazônida não distancia as ambivalências (noite/dia; natural/sobrenatural; raso/fundo), ao contrário, aproxima os opostos, tornando-se o elemento que marca a distância e a diferença daquilo que nos pertence e nos identifica.
A experiência do viver amazônica permite narrar a si como parte dessas paragens, ler as diferentes experiências, identificar o sincrético e a forma específica do sujeito amazônico expressar a sua visão de mundo pautada no imaginário, reinventando a si mesmo.
Esperamos que os textos a seguir contribuam para esse mergulho no universo das encantarias amazônicas e ampliem o olhar sobre as diferentes manifestações e expressões que constituem o imaginário amazônico. Boa leitura e boa viagem no barco do encante!
Os organizadores
Larissa Gotti Pissinatti (UNIR)
Sonia Maria Gomes Sampaio (UNIR)
Fábio Almeida de Carvalho (UFRR)
Fernando Simplício (UNIR)
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